A Lei 23.291/2019 ficou conhecida por “Mar de Lama Nunca Mais” pelo fato de ser homônima a uma campanha da sociedade civil e do Ministério Público de Minas Gerais, criada em meados de 2016, poucos meses após a tragédia do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana/MG, que matou dezenove pessoas e causou o maior desastre ambiental do país. A intenção de todos era criar uma legislação mais rígida quanto à construção de barragens de rejeitos da mineração e também quanto à fiscalização sobre elas. Cerca de 56.000 pessoas assinaram o projeto de iniciativa popular, mas por quase três anos, ele ficou adormecido nos corredores e comissões da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Nesse tempo, ainda sofreu diversas tentativas de desvirtuação, impedidas por um forte trabalho de comunicação popular, do qual, nós do Observatório Lei.A fizemos parte. O projeto de lei foi finalmente aprovado pelos deputados estaduais e sancionado pelo governador Romeu Zema apenas em fevereiro de 2019. Mas isso NÃO foi fruto de uma ação desses políticos. Na realidade, foram outros dois fatores que os pressionaram a transformar a íntegra do projeto inicial na Lei “Mar de Lama Nunca Mais”. O primeiro deles foi a intensa articulação de entidades, do Ministério Público de MG e ONGs ligadas à defesa do meio ambiente, atrelada a um trabalho de comunicação, para que o tema não saísse da agenda política do estado, mesmo com forte influência do poder econômico para tal. Já o segundo fator foi a pressão midiática após a comoção por uma segunda tragédia: o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, ocorrido 30 meses após o projeto dar entrada no Legislativo mineiro e que deixou quase 300 mortos. Portanto, a Lei “Mar de Lama Nunca Mais” é a prova do quanto é importante conhecermos as questões ambientas, monitorarmos se as autoridades estão realmente trabalhando pelo interesse da população e por fim, agirmos diretamente como cidadãos conscientes para evitarmos retrocessos e conquistarmos avanços. Essa cartilha tem o intuito de explicar um pouco mais sobre o que a Lei “Mar de Lama Nunca Mais” mudou em relação ao que pode e o que não pode na mineração em Minas Gerais. E também chamar você a conhecer, monitorar e sempre agir para que essa e outras tantas conquistas não caiam no esquecimento ou sejam manipuladas por quem não tem o interesse em preservar o meio ambiente e a vida de nossas famílias. Uma lei feita pelo povo Boa leitura! Créditos das imagens :Felipe Werneck/Ibama Você sabia que um terço das barragens de mineração do Brasil com risco de estabilidade/rompimento estão localizadas em Minas Gerais ? Mais grave ainda é pensar em outro questionamento: por que se permitiu que elas fossem construídas ou chegassem a esse ponto de colocar a vida humana e biomas inteiros em risco? A resposta veio logo após a tragédia da Samarco em Mariana. Ficou evidente a ausência de uma legislação firme para controlar e fiscalizar o modelo de mineração praticado em Minas Gerais e no Brasil, onde a segurança só era colocada como prioridade quando seus custos não afetavam os lucros das empresas. Portanto, a proposição de uma lei de controle de barragens veio para reverter uma série de fragilidades no processo de licenciamento desses empreendimentos, violações de direitos humanos e estancar uma incapacidade do poder público em fiscalizar a iniciativa privada. O que dizem as Nações Unidas: Alegar custos elevados para não utilizar tecnologias e mecanismos de segurança mais avançados do que as barragens de rejeito eram os argumentos das mineradoras e até mesmo dos deputados estaduais que trabalhavam contra o projeto de lei “Mar de Lama Nunca Mais”. Era a lógica de falar de “inviabilidade econômica”, quando na verdade, se tratava de “não reduzir lucros”. Essa alegação foi duramente criticada pela Organização das Nações Unidas (ONU) . Nos primeiros meses de 2018, o diretor executivo da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim , visitou as áreas atingidas pela bar- ragem da Samarco, em Mariana e Barra Longa, e foi categórico: “A segurança ambiental e humana deve ser priorizada em todos os aspectos das operações de mineração [...] reguladores, indústrias e comunidades devem adotar um objetivo comum de falha zero para estruturas de disposição de rejeitos onde atributos de segurança sejam avaliados separadamente de considerações econômicas, sendo que o custo não deve ser o fator determinante”. Por que essa lei é tão importante? Após três anos de tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, entre avanços e recuos, manobras e pressões, o marco regulatório para segurança de barragens de rejeito no estado, inspirado no projeto de lei de iniciativa popular “Mar de Lama Nunca Mais” , foi aprovado e sancionado pelo governador no dia 25 de fevereiro de 2019. A força da nova lei vem do fato de que ela espelha preocupações com o ser humano e o meio ambiente, ao invés de priorizar a viabilidade e a competitividade econômica da atividade – como tem sido a tônica dos processos de licenciamento, operação e fiscalização desses empreendimentos em Minas Gerais. Seu texto foi embasado tecnicamente num longo trabalho do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação (Caoma) e do Ministério Público de Minas Gerais, em parceria com a Associação Mineira do Ministério Público (AMMP). Entre seus principais pontos, destacam-se: 1. a proibição da construção de barragens quando houver comunidades em zonas de autossalvamento (região abaixo da barragem em que, no caso de rompimento, não haverá tempo suficiente para que a população seja socorrida). 2. a proibição da construção de barragens sempre que hou- ver alternativas técnicas mais seguras para a disposição de rejeitos (disposição a seco, a filtragem dos rejeitos arenosos e o espessamento dos lamosos, por exemplo). 3. a obrigação de depósito de caução para cobrir qualquer possível dano. 4. a proibição de concessão de licença para empresas que utilizem o método de alteamento a montante (que permite que a barragem seja ampliada para cima quando fica cheia), caso das barragens da Samarco e Vale que romperam em Mariana e Brumadinho. 5. o Licenciamento das barragens deve ser dividido em três fases: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença Operação (LO). Em cada uma delas, são feitas exigências espe- cíficas, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Em Minas, até então era permitido - em alguns casos - que as três licen- ças fossem emitidas ao mesmo tempo. Com a mudança trazida pela nova legislação, só se passa para a etapa seguinte do licenciamento, se as condicionantes impostas na fase anterior, referentes à mitigação de danos e à reparação de impactos, forem cumpridas. Se quiser ler a íntegra da Lei “Mar de Lama Nunca Mais” use esse QRCode: Conquista da sociedade: conheça os principais pontos da Lei “Mar de Lama Nunca Mais” Com o intuito de orientar a ação do cidadão interessado em monitorar empreendimentos minerários em seu município e saber se eles estão cumprindo a Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, o Lei.A traz nas próximas páginas um checklist básico para cidades em que foi anunciada a chegada da mineração e para as que já possuem barragem construída. Faça um check list para saber se sua cidade corre risco Estão dizendo que vem uma mineradora para sua cidade? procure informações sobre a empresa procure informações sobre a área onde a empresa pretende se instalar a fim de verificar se a atividade é permitida naquele local e se afetará áreas protegidas ou mananciais do seu município (para isso, consulte sobre o “zoneamento ambiental” previsto em leis municipais, geralmente no Plano Diretor ou Lei de Uso e Ocupação do Solo; as leis estão disponíveis na internet ou diretamente na Câmara de Vereadores ou Prefeitura Municipal) consulte na internet através do Google Maps e do Google Earth a localização do empreendimento: vá até o local compareça à Secretaria Municipal de Meio Ambiente para se informar sobre o licenciamento ambiental do empreendimento: você tem direito pela Lei de Acesso à Informação verifique se o empreendimento proposto é constituído de barragem de rejeitos; se sim, exija os documentos previstos na Lei “Mar de Lama Nunca Mais” para projetos de barragem como: a) estudo de cenários de rupturas com mapas com a mancha de inundação; b) proposta de garantia financeira para recuperação socioambiental em caso de desastre ou desativação da barragem; c) proposta de alternativas tecnológicas para a substituição progressiva da barragem por outro sistema de disposição de rejeitos; d) plano de ação em caso de desastres, denominado “Plano de Ação de Emergência (PAE)”, “Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM) ”; e) “plano de desativação da barragem ou plano de descomissionamento” questione se o empreendimento fará uso de água : se sim, onde será feita a captação questione se haverá “rebaixamento do lençol freático”, ou seja, a retirada de água do solo, pois, se houver, poderá impactar no abastecimento de água da região (nascentes e captações) leve para algum profissional os estudos ambientais do empreendimento (eles são de consulta pública e devem estar disponíveis tanto na Secretaria Municipal de Meio Ambiente quanto na Secretaria Estadual de Meio Ambiente) veja se os impactos causados foram avaliados de forma conjunta com os já existentes por outras atividades naquela região. Os impactos são cumulativos questione quais são as propostas de compensação ambiental da empresa e de contrapartidas para o município onde poderá ser instalado participe das reuniões do Conselho Municipal de Meio Ambiente onde está sendo licenciado o empreendimento articule-se com as associações ambientais (ONGs) , movimentos sociais e representantes da sociedade civil nos Conselhos municipais e estaduais solicite às secretarias de Meio Ambiente do Município e do Estado a realização de audiências públicas na(s) comunidade(s) mais próxima do empreendimento : exija que tenha espaço e tempo reservados às mulheres impactadas pelo empreendimento divulgue nas suas redes sociais as informações que obtiver e incentive que outros o façam caso constate alguma irregularidade ou violação de direitos, denuncie ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Ordem dos Advogados do Brasil e aos Conselhos de Meio Ambiente caso permaneça a irregularidade ou violação de direitos, proponha judicialmente ação popular contra a empresa caso tenha o número do processo administrativo de licenciamento, você pode consultar na internet os documentos através do link http://www. siam.mg.gov.br/siam/processo/index.jsp procure informações sobre a empresa proprietária da barragem exija da Secretaria Municipal de Meio Ambiente o acesso ao estudo de cenários de rupturas com mapas que mostram a mancha de inundação exija da Secretaria Municipal de Meio Ambiente o acesso aos documentos “Plano de Ação de Emergência (PAE)”, ao “Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM)”, e ao “plano de desativação da barragem ou plano de descomissionamento” veja qual a região e as comunidades localizadas próximas à barragem, denominadas Zonas de Autossalvamento (ZAS) exija da Defesa Civil ou órgão equivalente de sua cidade o plano de ação para eventual rompimento da barragem articule-se com a comunidade, associações ambientais (ONGs), movimentos sociais e representantes da sociedade civil nos Conselhos municipais e estaduais participe das reuniões do Conselho Municipal de Meio Ambiente e exija informações dos conselheiros sobre a barragem procure informações na Secretaria Municipal de Meio Ambiente se foram estabelecidas condições para a operação da barragem . Em caso positivo, verifique se estão sendo cumpridas. divulgue nas suas redes sociais as informações que obtiver e incentive que outros o façam caso constate alguma irregularidade ou violação de direitos , denuncie ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Ordem dos Advogados do Brasil, aos Conselhos de Meio Ambiente e à Agência Nacional de Mineração (ANM) Na sua cidade já existe uma barragem de rejeitos? A validade de uma lei pode parecer ser para sempre. No caso da Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, pode passar a impressão de que nenhuma nova barragem será construída em Minas Gerais. Mas na vida real e principalmente nos bastidores das tomadas de decisões, infelizmente, não é bem assim que as coisas acontecem. #Conheça A Lei “Mar de Lama Nunca Mais” continua sob ameaça: Alguns artigos dela aguardam regulamentação Ela pode ser alterada pelos deputados estaduais e pelo governador do Estado O Governo de Minas Gerais pode recomendar a implantação de novos projetos minerários mesmo com suspeitas de violação à nova legislação. #Monitore Mantenha-se informado quanto a: Notícias de que algum empreendimento minerário está chegando à sua cidade Articulações políticas para aprovarem ou mudarem leis ambientais Declarações dos governantes em relação à Lei “Mar de Lama Nunca Mais” #Aja Caso perceba qualquer tentativa de ataque às conquistas em relação ao meio ambiente e à vida de sua família: Procure a imprensa e produza documentos (fotos, áudios, vídeos e textos) Crie um movimento junto à sua comunidade e se fortaleçam para lutar Procure o Ministério Público de Minas Gerais e denuncie Está tudo resolvido? Não!