ARTIGO TULIO CARIELLO* AS TRANSFORMAÇÕES DA CHINA E O BRASIL HÁ UMA SÉRIE DE OPORTUNIDADES DE COOPERAÇÃO ENTRE OS DOIS PAíSES POUCO EXPLORADAS EM ÁREAS COM GRANDE POTENCIAL, COMO TECNOLOGIA E TURISMO M QUALQUER DEBATE sobre economia e rela- ções exteriores no Brasil, tornou-se lugar-comum a E constatação de que nunca estivemos tão próximos da - China como hoje. Apesar de intensa, a centralidade da relação bilateral para o Brasil é um fenômeno re- cente, com início no processo de extroversão da economia chinesa por meio da expansão do comércio e dos investi- mentos no exterior, sobretudo a partir da crise de 2008. O modelo de crescimento chinês, que por muitos anos priorizou investimentos públicos em infraestrutura e urba- nização, enriquecendo o comércio internacional de commo- dities energéticas, minerais e agrícolas, colocou o Brasil em rota de convergência com o país asiático, tendo pautado o perfil das relações bilaterais nas últimas décadas. De fato, em termos quantitativos, a relação comercial é um exemplo de evolução bem-sucedida no contexto bilateral. Segundo dados do Ministério da Economia, a corrente de comércio entre os dois países, que em 2008 era de US$ 36,5 bilhões, bateu recorde histórico em 2018, com montante de cerca de US$ 100 bilhões. Em uma década, a participação da China no comércio exterior do Brasilevoluiu de 10%para 23%, e desde então mantemos sucessivos superávits com o país, nosso principal parceiro comercial desde 2009. Os investimentos chineses no Brasil também chamam a atenção. De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China, esses aportes, praticamente inexistentes até a primeira década dos anos 2000, atualmente somam estoque de mais de US$ 60 bilhões, com investimentos significativos em setores essen- ciais para a economia nacional, como geração e transmissão de energia elétrica, petróleo e gás, indústrias diversas e ser- viços financeiros. Somado a isso, segundo a Inter-American Dialogue, a China já fez empréstimos ao Brasil que somavam por volta de US$ 30 bilhões até o final de 2017,colocando o país atrás apenas da Venezuela, em análise regional. Mas ainda que os númerós saltem aos olhos, a relação econômica bilateral, sobretudo em termos de comércio e investimentos, merece uma análise critica do lado brasileiro. Praticamente tudo o que vendemos para a China se concentra em soja, minério de ferro e petróleo, enquanto compramos vasta gama de manufaturados. Há de se con- siderar também que as exportações brasileiras, por serem excessivamente concentradas em commodities, estão su- jeitas a oscilações do mercado internacional, que, apesar de eventualmente beneficiarem o Brasil, são insustentáveis em longo prazo. O caso atual é ilustrado pela influência dos deslocamentos de mercado com a disputa comercial sino-a- mericana e a epidemia de peste suína africana na China, que por hora têm beneficiado o setor agroexportador brasileiro. Em relação aos investimentos, há evidente assimetria. Enquanto a China se consolida como uma das principais origens de aportes em termos de fluxo no Brasil, dados do Banco Central indicam que o estoque de investimentos no sentido inverso soma pouco mais de US$ 300 milhões. Ou seja, o cerne da relação entre as duas partes ainda é relati- vamente limitado ao comércio e aos investimentos, que na - 76 • Coordenador de Análise e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) grande maioria das vezes tem como protagonista o lado chi- nês da balança. Apesar disso, há uma série de intercâmbios que poderiam ser cultivados de forma a explorar com maior intensidade as potencialidades de muitos outros setores, com foco em oportunidades para o Brasil. Nesse contexto, o primeiro desafioé ~stimular maior agre- gação de valor às exportações brasileiras destinadas ao país asiático. Recentemente, com as transformações propostas pelo Congresso do Partido Comunista, o consumo doméstico passará a ser novo elemento de destaque na formação do PIE chinês, o que tem potencial para desenvolver ainda mais a forte complementaridade econômica entre os dois países. A classemédia chinesa em ascensão,cada vez mais exigente em termos de variedade e qualidade dos produtos, pode se transformar em um potencial cliente. Produtores brasileiros deveriam buscar conhecer melhor aquele mercado e entender o perfil de seus consumidores, que têm exposição cada vez maior a novidades e tendências vindas do exterior e maior propensão a comprar produtos high-end e diferenciados. Nessa esteira, o Brasil também poderia se beneficiar do acelerado crescimento do embarques internacionais de turistas chineses. Conforme dados do China Outbound Tourism Research Institute, no ano 2000 os chineses con- tavam com algo em torno de 10,5 milhões de turistas no exterior. Em 2018, esse número chegou à impressionante FOTO: GETTY ImRGES marca de 150 milhões. No Ocidente, de Amsterdã a Lima, é cada vez mais comum encontrar propagandas voltadas especificamente para turistas chineses. Cabe mencionar também as oportunidades na área de tecnologia. Para além do CBERS, programa conjunto entre Brasil e China de produção de satélites, reconhecido como exemplo de cooperação Sul-Sul na área tecnológica, há gran- de potencial nos segmentos de telefonia móvel e internet. O desenvolvimento da tecnologia 5G na China, somado ao amplo uso de canais para compras online no país asiático, aproxima compradores chineses e vendedores de todo o mundo. Por sua vez, as tecnologias de inteligência artificial e reconhecimento facial, cada dia mais incorporadas ao cotidiano dos chineses, podem contribuir largamente para o desenvolvimento do setor de segurança pública, desafio urgente para muitos estados brasileiros. Em conclusão, é primordial que o governo brasileiro, o setor privado e a academia continuem os esforços em bus- ca de um maior entendimento das dimensões das transfor- mações da China e seus impactos para o Brasil. Nesse sen- tido, o que de fato levará as relações bilaterais a níveis mais elevados é o constante desenvolvimento de uma agenda estratégica e de longo prazo, que acompanhe as evoluções socioeconômicas da China e favoreça um ambiente de sus- tentabilidade econômica entre as duas partes. ~ - 77