ARTIGO TULIO CARIELLO* AS TRANSFORMAÇÕES DA CHINA E O BRASIL HÁ UMA SÉRIE DE OPORTUNIDADES DE COOPERAÇÃO ENTRE OS DOIS PAíSES POUCO EXPLORADAS EM ÁREAS COM GRANDE POTENCIAL, COMO TECNOLOGIA E TURISMO M QUALQUER DEBATE esses aportes, praticamente inexistentes até a primeira década sobre economia e rela- dos anos 2000, atualmente somam estoque de mais de US$ 60 ções exteriores no Brasil, bilhões, com investimentos significativos em setores essen- tornou-se lugar-comum a ciais para a economia nacional, como geração e transmissão E constatação de que nunca estivemos tão próximos da de energia elétrica, petróleo e gás, indústrias diversas e ser- viços financeiros. Somado a isso, segundo a Inter-American Dialogue, a China já fez empréstimos ao Brasil que somavam - China como hoje. Apesar de intensa, a centralidade por volta de US$ 30 bilhões até o final de 2017,colocando o da relação bilateral para o país atrás apenas da Venezuela, em análise regional. Brasil é um fenômeno re- Mas ainda que os númerós saltem aos olhos, a relação cente, com início no processo de extroversão da economia econômica bilateral, sobretudo em termos de comércio e chinesa por meio da expansão do comércio e dos investi- investimentos, merece uma análise critica do lado brasileiro. mentos no exterior, sobretudo a partir da crise de 2008. Praticamente tudo o que vendemos para a China se O modelo de crescimento chinês, que por muitos anos concentra em soja, minério de ferro e petróleo, enquanto priorizou investimentos públicos em infraestrutura e urba- compramos vasta gama de manufaturados. Há de se con- nização, enriquecendo o comércio internacional de commo- siderar também que as exportações brasileiras, por serem dities energéticas, minerais e agrícolas, colocou o Brasil em excessivamente concentradas em commodities, estão su- rota de convergência com o país asiático, tendo pautado o jeitas a oscilações do mercado internacional, que, apesar perfil das relações bilaterais nas últimas décadas. de eventualmente beneficiarem o Brasil, são insustentáveis De fato, em termos quantitativos, a relação comercial é em longo prazo. O caso atual é ilustrado pela influência dos um exemplo de evolução bem-sucedida no contexto bilateral. deslocamentos de mercado com a disputa comercial sino-a- Segundo dados do Ministério da Economia, a corrente de mericana e a epidemia de peste suína africana na China, que comércio entre os dois países, que em 2008 era de US$ 36,5 por hora têm beneficiado o setor agroexportador brasileiro. bilhões, bateu recorde histórico em 2018, com montante de Em relação aos investimentos, há evidente assimetria. cerca de US$ 100 bilhões. Em uma década, a participação da Enquanto a China se consolida como uma das principais China no comércio exterior do Brasilevoluiu de 10%para 23%, origens de aportes em termos de fluxo no Brasil, dados do e desde então mantemos sucessivos superávits com o país, Banco Central indicam que o estoque de investimentos no nosso principal parceiro comercial desde 2009. sentido inverso soma pouco mais de US$ 300 milhões. Ou Os investimentos chineses no Brasil também chamam a seja, o cerne da relação entre as duas partes ainda é relati- atenção. De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China, vamente limitado ao comércio e aos investimentos, que na - 76 • Coordenador de Análise e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) grande maioria das vezes tem como protagonista o lado chi- marca de 150 milhões. No Ocidente, de Amsterdã a Lima, nês da balança. Apesar disso, há uma série de intercâmbios é cada vez mais comum encontrar propagandas voltadas que poderiam ser cultivados de forma a explorar com maior especificamente para turistas chineses. intensidade as potencialidades de muitos outros setores, Cabe mencionar também as oportunidades na área de com foco em oportunidades para o Brasil. tecnologia. Para além do CBERS, programa conjunto entre Nesse contexto, o primeiro desafioé ~stimular maior agre- Brasil e China de produção de satélites, reconhecido como gação de valor às exportações brasileiras destinadas ao país exemplo de cooperação Sul-Sul na área tecnológica, há gran- asiático. Recentemente, com as transformações propostas de potencial nos segmentos de telefonia móvel e internet. pelo Congresso do Partido Comunista, o consumo doméstico O desenvolvimento da tecnologia 5G na China, somado ao passará a ser novo elemento de destaque na formação do PIE amplo uso de canais para compras online no país asiático, chinês, o que tem potencial para desenvolver ainda mais a forte aproxima compradores chineses e vendedores de todo o complementaridade econômica entre os dois países. mundo. Por sua vez, as tecnologias de inteligência artificial A classemédia chinesa em ascensão,cada vez mais exigente e reconhecimento facial, cada dia mais incorporadas ao em termos de variedade e qualidade dos produtos, pode se cotidiano dos chineses, podem contribuir largamente para transformar em um potencial cliente. Produtores brasileiros o desenvolvimento do setor de segurança pública, desafio deveriam buscar conhecer melhor aquele mercado e entender o urgente para muitos estados brasileiros. perfil de seus consumidores, que têm exposição cada vez maior Em conclusão, é primordial que o governo brasileiro, o a novidades e tendências vindas do exterior e maior propensão setor privado e a academia continuem os esforços em bus- a comprar produtos high-end e diferenciados. ca de um maior entendimento das dimensões das transfor- Nessa esteira, o Brasil também poderia se beneficiar mações da China e seus impactos para o Brasil. Nesse sen- do acelerado crescimento do embarques internacionais tido, o que de fato levará as relações bilaterais a níveis mais de turistas chineses. Conforme dados do China Outbound elevados é o constante desenvolvimento de uma agenda Tourism Research Institute, no ano 2000 os chineses con- estratégica e de longo prazo, que acompanhe as evoluções tavam com algo em torno de 10,5 milhões de turistas no socioeconômicas da China e favoreça um ambiente de sus- exterior. Em 2018, esse número chegou à impressionante tentabilidade econômica entre as duas partes. ~ FOTO: GETTY ImRGES - 77
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