SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros LEÃO, RM. Transas na cena em transe : teatro e contracultura na Bahia [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, 342 p. ISBN 978-85-232-0941-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Transas na cena em transe teatro e contracultura na Bahia Raimundo Matos de Leão TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TEA TEA TEA TEA TEATRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRACUL CUL CUL CUL CULTURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitor Naomar Monteiro de Almeida-Filho Vice-Reitor Francisco JosÈ Gomes Mesquita EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Diretora Fl·via Goullart Mota Garcia Rosa Conselho Editorial Titulares ¬ngelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninı El-Hani Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti JosÈ Teixeira Cavalcante Filho Maria do Carmo Soares Freitas Suplentes Alberto Brum Novaes AntÙnio Fernando Guerreiro de Freitas Armindo Jorge de Carvalho Bi„o Evelina de Carvalho S· Hoisel Cleise Furtado Mendes Maria Vidal de Negreiros Camargo RAIMUNDO MATOS DE LE√O TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TRANSAS NA CENA EM TRANSE TEA TEA TEA TEA TEATRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRA TRO E CONTRACUL CUL CUL CUL CULTURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA TURA NA BAHIA EDUFBA Salvador, 2009 ©2008, By Raimundo Matos de Le„o Direitos de ediÁ„o cedidos ‡ EDUFBA Feito o depÛsito legal. Revis„o de texto Tereza Bilotta EditoraÁ„o EletrÙnica e arte-final da Capa Rodrigo Oyarz·bal Schlabitz IlustraÁ„o da capa Programa da peÁa - ìA casa de Bernarda Albaî, criaÁ„o de Eduardo Esteves de Almeida NormalizaÁ„o Normaci C. dos Santos EDUFBA Rua Bar„o de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina, 40170-290 Salvador-BA Tel/fax: (71) 3283-6164 www.edufba.ufba.br edufba@ufba.br Sistema de Bibliotecas - UFBA Le„o, Raimundo Matos de. Transas na cena em transe: teatro e contracultura na Bahia / Raimundo Matos de Le„o : EDUFBA, 2009. 400 p. : il. ISBN 978-85-232-0563-8 (broch.) 1. Contracultura. 2. Teatro Experimental. 3. Teatro - Bahia. 4. Teatro - Censura - Bahia - 1969 - 1974. 5. Artes - Censura - Brasil. I. TÌtulo. CDD - 792.098142 Aos amigos e companheiros que o teatro me deu, especi- almente a JosÈ Possi Neto. Em memÛria de Eduardo Esteves de Almeida, Fl·vio Im- pÈrio e Roberto (Tic„o) Wagner Leite, contraculturais. A meus sobrinhos ñ Messias, Filipe, Fernanda, Sara e Douglas ñ e a suas descobertas. Agradecimentos Agradecimentos Agradecimentos Agradecimentos Agradecimentos Uma p·gina comporta um determinado n ̇mero de agradecimentos e eles s„o tantos e especiais que n„o cabem em uma lista. No entanto, reco- nhecer e nomear a colaboraÁ„o daqueles que se dispuseram a partilhar co- migo a aventura pela HistÛria do Teatro na Bahia È um dever ao qual n„o me furto, estendendo meus agradecimentos a todos que contribuÌram direta ou indiretamente para a realizaÁ„o do livro. Com imenso prazer, registro a orientaÁ„o de Cleise Furtado Mendes. Sua intervenÁ„o objetiva, crÌtica e animadora foi inestim·vel para a seguran- Áa de meu trabalho. Assinalo os incentivos e a cooperaÁ„o de SÈrgio Coelho Borges Farias, cutucando-me sempre. Sem as suas exortaÁıes n„o teria me aventurado a longo curso. Sou-lhe grato tambÈm pela amizade iniciada quan- do da criaÁ„o do Centro Universit·rio de Cultura e Arte (CUCA), nos idos de 1970. Menciono tambÈm a sensÌvel ajuda de LÌlian Reichert Coelho e Teresa Bilotta, leitoras atentas e mestras no ofÌcio de fazer com que a lÌngua portu- guesa ñ minha p·tria ñ n„o seja maculada. Com gratid„o, reconheÁo a ajuda de Orlanita Ribeiro, que me cedeu seu acervo de fotos e recortes. AgradeÁo a Hebe Alves, a Ana Paula Feitosa e a todos que se dispuseram a dar seus depoimentos; a Harildo DÈda, pelas constantes consultas que lhe fiz, e a Suzi Spencer, a quem recorri em busca de programas das peÁas encenadas pela Escola de Teatro. Sou grato aos professores, colegas e funcion·rios do Programa de PÛs- GraduaÁ„o em Artes CÍnicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em especial ‡queles que estiveram junto a mim durante o perÌodo em que cursei as disciplinas do Doutorado. N„o posso relegar ao esquecimento o apoio de Antonio Fernando C. Pinto, auxiliar de bibliotec·rio do Instituto HistÛrico e Geogr·fico nem deixar de agradecer aos demais funcion·rios da instituiÁ„o. Registro meu reconheci- mento aos funcion·rios do setor de periÛdicos da Biblioteca P ̇blica do Esta- do da Bahia na pessoa de Manoel AntÙnio Pires da Silva. Meus agradecimentos a Giancarlo Salvagni, pelas provocaÁıes e pela resoluÁ„o de problemas do cotidiano; a Regina Bilotta, Cledys Magnavita de Almeida, Marcos Barbosa, Jacyan Castilhos, ConceiÁ„o Souza Schetty e Joviniano Borges da Cunha, pela torcida; aos colegas professores do curso de Artes CÍnicas da Faculdade Social, pela cumplicidade; a meus alunos, por perceberem e ag ̧entarem as tensıes do professor estressado, mas con- tente por continuar estudando. Ainda que tardiamente, agradeÁo a Maria Alice Coelho, por me acolher no momento em que fui posto em liberdade, depois da pris„o arbitr·ria, pelo Departamento de Ordem PolÌtica e Social (DEOPS) de S„o Paulo, em 1974. Foi na pris„o que comprovei a dura realidade dos porıes da ditadura. AgradeÁo ‡ CoordenaÁ„o de AperfeiÁoamento de Pessoal de NÌvel Su- perior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento CientÌfico e TecnolÛgico (CNPq), por viabilizarem a pesquisa e aos professores ¬ngela Reis, Edward MacRae, Marli Geralda Texeira, examinadores. Eles eram m·gicos, realmente. E eles vieram atÈ aqui. Tudo foi transformado pela presenÁa deles. Eles mesmos contavam que, por cada cidade que passavam, tudo se transformava, eles mudavam tudo. Quando eles falavam, ninguÈm acreditava, alguns fingiam por interesse, mas ninguÈm acreditava realmente. ... difÌcil acreditar no incrÌ- vel quando vocÍ se depara com ele, o incrÌvel fant·stico que est· presente em tudo, a cada momento, em todo lugar, porque encarnado e encarcerado, aqui e agora, mascarado e escondido pelos h·bitos, pelos nomes, o cotidiano o sufoca e vocÍ n„o o reconhece [...] A gente n„o vÍ que est· vendo, que est· tudo aÌ [...] A gente tanto finge que acaba acreditando no fingimento [...] Pano de Boca (Personagem Magra) Fauzi Arap Pelas brechas, pelas rachas. Torquato Neto SUM¡RIO SUM¡RIO SUM¡RIO SUM¡RIO SUM¡RIO 13 | P P P P P ref·cio - ref·cio - ref·cio - ref·cio - ref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito Uma histÛria em tr‚nsito Uma histÛria em tr‚nsito Uma histÛria em tr‚nsito Uma histÛria em tr‚nsito 17 | P P P P PrÛlogo rÛlogo rÛlogo rÛlogo rÛlogo P P P P Primeiro Ato ñ Entradas para a Cena em T rimeiro Ato ñ Entradas para a Cena em T rimeiro Ato ñ Entradas para a Cena em T rimeiro Ato ñ Entradas para a Cena em T rimeiro Ato ñ Entradas para a Cena em Transe ranse ranse ranse ranse 29 | Cena 1 - Questıes conceituais 33 | Cena 2 - Ide·rio contracultural, conflitos e tensıes 44 | Cena 3 - ManifestaÁıes reativas 46| Cena 4 - Propostas estÈticas, di·logos (im)possÌveis 49 | Cena 5 - Rom‚nticos revolucion·rios, tanto faz no Sul como no Norte Segundo Ato ñ O T Segundo Ato ñ O T Segundo Ato ñ O T Segundo Ato ñ O T Segundo Ato ñ O Teatro Iluminado de Sol eatro Iluminado de Sol eatro Iluminado de Sol eatro Iluminado de Sol eatro Iluminado de Sol 55 | Cena 1 - Escola de Teatro e as novas tendÍncias 58 | Cena 2 - Olhar dos crÌticos baianos Sobre Alberto DíAversa 63 | Cena 3 - Pelas ribaltas do teatro baiano 67 | Cena 4 - Os artistas e a crise do teatro 69 | Cena 5 - O projeto cultural do Estado 73 | Cena 6 - Apesar da Censura, h· criaÁ„o artÌstica 81 | Cena 7 - AproximaÁıes e desvios entre tendÍncias 96 | Cena 8 - Jovens realizadores e suas idÈias 104 | Cena 9 - PolÌcia invade o Teatro Castro Alves T T T T Terceiro Ato ñ Caminhando nas T erceiro Ato ñ Caminhando nas T erceiro Ato ñ Caminhando nas T erceiro Ato ñ Caminhando nas T erceiro Ato ñ Caminhando nas Trevas, T revas, T revas, T revas, T revas, Tirando L irando L irando L irando L irando Leite das P eite das P eite das P eite das P eite das Pedras edras edras edras edras 111 | Cena 1 - Um grito preso na garganta 121| Cena 2 - Teatro para crianÁas 129 | Cena 3 - Baixa temporada 134 | Cena 4 - Perdas, danos e ganhos 142 | Cena 5 - A morte de Carmem Miranda ou fim da estÈtica tropicalista 146 | Cena 6 - O Plano Piloto Quarto Ato ñ O P Quarto Ato ñ O P Quarto Ato ñ O P Quarto Ato ñ O P Quarto Ato ñ O Palco: EspaÁo Sacro alco: EspaÁo Sacro alco: EspaÁo Sacro alco: EspaÁo Sacro alco: EspaÁo Sacro-P -P -P -P -Profano rofano rofano rofano rofano 153 | Cena 1 - A ribalta manchada de sangue 170 | Cena 2 - Ritos de Jesus Chediak 182 | Cena 3 - Shambala 190 | Cena 4 - InvenÁıes: teatro vivo ñ teatro morto Quinto Ato ñ Navegar È P Quinto Ato ñ Navegar È P Quinto Ato ñ Navegar È P Quinto Ato ñ Navegar È P Quinto Ato ñ Navegar È Preciso, Viver T reciso, Viver T reciso, Viver T reciso, Viver T reciso, Viver TambÈm ambÈm ambÈm ambÈm ambÈm 203 | Cena 1 - O teatro de grupo sob a forÁa dionisÌaca 211 | Cena 2 - Outras poÈticas na cena teatral baiana 221 | Cena 3 - Olhar sobre o ìvazioî n„o t„o vazio 231 | Cena 4 - O encontro de Jo„o Augusto com o Teatro Livre da Bahia 245 | Cena 5 - As muitas cenas da Escola de Teatro e a aÁ„o do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA) Sexto Ato ñ A ìCena V Sexto Ato ñ A ìCena V Sexto Ato ñ A ìCena V Sexto Ato ñ A ìCena V Sexto Ato ñ A ìCena Vazia azia azia azia aziaî est· cheia de Ar î est· cheia de Ar î est· cheia de Ar î est· cheia de Ar î est· cheia de Ar, Som e F ̇ria , Som e F ̇ria , Som e F ̇ria , Som e F ̇ria , Som e F ̇ria 261 | Cena 1 - JosÈ Possi Neto: poÈtica, processos e idÈias do encenador 283 | Cena 2 - A Casa de Bernarda Alba , Tito AndrÙnico , Marylin Miranda : recepÁ„o 294| Cena 3 - ¡lvaro Guimar„es apÛs o Verbo Encantado 302 | Cena 4 - O teatro popular de Jo„o Augusto 311 | EpÌlogo EpÌlogo EpÌlogo EpÌlogo EpÌlogo 327 | R R R R ReferÍncias eferÍncias eferÍncias eferÍncias eferÍncias P P P P Pref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito ref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito ref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito ref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito ref·cio - Uma histÛria em tr‚nsito Uma histÛria do teatro brasileiro que afinal contemple a diversidade de realizaÁıes cÍnicas emergentes dos muitos mundos que engendram este paÌs ainda est· por ser escrita. Quando isso acontecer ñ talvez dentro de mais uma dÈcada, com a convergÍncia de estudos realizados em diferentes regi- ıes e com dados suficientes sendo reunidos e publicados ñ pesquisadores, artistas ou simples curiosos das artes cÍnicas poder„o surpreender-se com a descoberta de uma variedade de formas e tendÍncias que em muito ultrapas- sam o j· conhecido. Por enquanto, o matizado painel de nossas teatralidades sÛ se deixa entrever graÁas ‡ realizaÁ„o anual de cerca de vinte festivais, em v·rios estados brasileiros, promovendo a vital circulaÁ„o de espet·culos e o encontro entre grupos e artistas das diferentes regiıes. A bibliografia existente nessa ·rea de estudos, com pouquÌssimas exce- Áıes, concentra-se na produÁ„o de textos e espet·culos do Rio de Janeiro e de S„o Paulo. 1 Para ampliar esse enfoque, tÍm sido especialmente relevantes as pesquisas desenvolvidas nos cursos de pÛs-graduaÁ„o em artes cÍnicas, que aos poucos v„o mapeando a diversidade do cen·rio teatral brasileiro. 2 1 Um exemplo recente desse enfoque centralizado na produÁ„o do sul do paÌs È o Dicion·rio de Teatro Brasileiro , editado em S„o Paulo, pela Perspectiva, em 2006. Na Bahia, dois trabalhos pioneiros mere- cem citaÁ„o: HistÛria do Teatro , de NÈlson Ara ̇jo (Salvador: FUNCEB, 1978), que na seÁ„o dedicada ao teatro brasileiro inclui a produÁ„o dos estados do Nordeste, e Teatro na Bahia atravÈs da imprensa , de Aninha Franco (Salvador: FCJA/COFIC/FCEBA, 1994), que faz um levantamento exaustivo, baseado em crÌticas e coment·rios de jornais baianos, de todos os espet·culos encenados em Salvador, de 1900 a 1990. 2 Destaco, dentre os resultados recentes de tais pesquisas, Abertura para outra cena: o moderno teatro da Bahia (Salvador: FundaÁ„o GregÛrio de Mattos: EDUFBA) livro em que Raimundo Matos de Le„o estuda o perÌodo de 1946 a 1966 e identifica, a partir da criaÁ„o da primeira escola de teatro de nÌvel univer- sit·rio na AmÈrica do Sul ñ a Escola de Teatro da ent„o Universidade da Bahia ññ o momento em que tem inÌcio um movimento de modernizaÁ„o e profissionalizaÁ„o das artes cÍnicas locais; por outro ‚ngulo, Jussilene Santana, em Impressıes modernas: teatro e jornalismo na Bahia (Salvador: Vento Leste, 2009) investiga o comportamento da imprensa baiana na cobertura dos eventos teatrais nos anos que se seguiram ‡ implantaÁ„o da Escola de Teatro, entre 1956 e 1961. H· cerca de dez anos, parcerias entre a PÛs-GraduaÁ„o em Artes CÍnicas da Universidade Federal da Bahia e outras universidades, do Par· ao Paran·, vÍm abrindo espaÁo para estudos que ampliam o conhecimento existente e produzem peÁas para o irisado mosaico da cena brasileira, a fim de que, tambÈm no teatro, o Brasil possa se conhecer de corpo inteiro. Mas sequer È necess·rio levar em conta a situaÁ„o acima esboÁada para que o leitor perceba o alcance e a relev‚ncia da publicaÁ„o de Transas na Cena em Transe ñ Teatro e Contracultura na Bahia, livro em que Raimundo Matos de Le„o recorta um dos mais ricos e controvertidos perÌodos da arte brasileira ñ entre 1967 e 1974 ñ para reconstruir um itiner·rio esclarecedor da convivÍncia dos nossos artistas com a censura e a repress„o polÌtica, as- sim como das estratÈgias criativas que usaram para driblar essa Època som- bria e manter acesa a luz dos refletores. Se este livro nos oferecesse apenas, como de fato oferece, uma leitura crÌtica da produÁ„o teatral na Bahia durante esse tumultuado perÌodo ñ gra- Áas ao garimpo minucioso de eventos registrados em jornais, revistas e pro- gramas de espet·culos, ‡ escuta atenta de depoimentos de artistas e intelec- tuais e ‡ an·lise perspicaz da recepÁ„o, surpreendendo os golpes e contragolpes de discursos que revelam as tendÍncias estÈticas e polÌticas en- t„o em curso ñ j· representaria uma contribuiÁ„o indispens·vel ‡ historiografia do teatro no Brasil. Mas o estudo que aqui se apresenta vai muito alÈm disso, pois contÈm uma tese no sentido original do termo: uma afirmaÁ„o lanÁada num dado campo de conhecimento, que ao se sustentar em dados e argu- mentos convincentes pode produzir o deslocamento de idÈias e valores que se supunham estabelecidos. De fato, em Transas na Cena em Transe ñ Teatro e Contracultura na Bahia , todo os lances discursivos, todas as cenas no palco e na arena polÌti- ca, enfim todas as transaÁıes que fazem contracenar os sujeitos histÛricos orbitam em torno de uma afirmaÁ„o que brilha desde o primeiro ato dessa trama e lhe confere novo sentido. Sua sÌntese poÈtica est· no tÌtulo do sexto ato: ìA ëcena vaziaí est· cheia de ar, som e f ̇riaî. Ou seja: o teatro brasileiro que se fez na Bahia, entre 1967 e 1974, ao mesmo tempo cerceado pela censura polÌtica e desafiado a reinventar-se pela via libert·ria do ide·rio contracultural, buscou sua voz e sua aÁ„o por formas atÈ ent„o inusitadas, baseadas na experimentaÁ„o e na recusa de limites, povoando o palco com seus gritos, sua rebeldia, sua festa e agitando a platÈia dividida entre o con- t·gio delirante e a violenta rejeiÁ„o. Ou, como resume o autor: ìN„o h· silÍncio nem vazio na cena em transeî. Para revelar a fal·cia contida na express„o ìvazio culturalî com que alguns sociÛlogos se referem ‡ produÁ„o artÌstica do perÌodo pÛs- AI 5 , Raimundo Matos vai buscar n„o sÛ nos palcos, mas nas cenas da vida brasi- leira aqueles agrupamentos de personagens que se fazem e se desfazem, perfilados em diferentes posiÁıes, em diferentes momentos, entre os limites de uma corrente mais ortodoxa da esquerda, de tendÍncia nacional-popular, e uma vanguarda contracultural, experimental e heterodoxa, compondo num espectro bem mais matizado do que sonham as simplificaÁıes ideolÛgicas. Recusando hierarquias e exclusıes, o autor se empenha em desconstruir (ou seja: revelar a construÁ„o de) uma oposiÁ„o simplÛria entre engajamento e alienaÁ„o, entre milit‚ncia e desbunde, respons·vel por reduÁıes caricatas que empobrecem a multiplicidade e o vigor das experiÍncias ent„o em curso. Tais caricaturas ñ o militante barbado de botequim versus o hippie florido e ìviajanteî que nos acostumamos a ver em tantas charges de jornais e revistas ñ s„o apenas o esboÁo ilustrativo de visıes maniqueÌstas que por muito tem- po funcionaram como nuvem de fumaÁa a encobrir a forÁa de ruptura com que idÈias e aÁıes saltam de m ̇ltiplos pontos desse espaÁo-tempo em tran- se, com que fluxos individuais e coletivos experimentam trocas e apropria- Áıes, atravessam territÛrios e se espalham em rotas mundializadas, produzin- do transformaÁıes em todos os campos da vida humana: na polÌtica, na sexualidade, nos comportamentos cotidianos, nas artes. Nesta obra, que chega para tornar-se sem d ̇vida uma peÁa indispens·- vel na construÁ„o de uma histÛria do teatro no Brasil, Raimundo Matos, sem descuidar do rigor metodolÛgico e da clareza conceitual, desconfia sabia- mente das ilusıes de imparcialidade, ciente de que seu relato tem o sentido e o valor de uma rememoraÁ„o e, como produÁ„o de subjetividade, est· sujei- to a todas as Ínfases e apagamentos, a todas as reconfiguraÁıes de cenas e personagens de que nossa memÛria È capaz. Tendo sido testemunha e ator em muitos dos acontecimentos narrados, o historiador assume o envolvimento de um narrador-personagem e ao fazÍ-lo envolve tambÈm a nÛs, seus leito- res, nas emoÁıes dessa reminiscÍncia. Existe tambÈm um segundo Ètimo, um sentido artÌstico do termo tese que se aplica ao presente estudo . TÈsis, na danÁa e na m ̇sica dos antigos gre- gos, designava o ìtempo forteî, o tempo em que o ritmo era marcado pela batida dos pÈs no ch„o. ... de um tempo assim que nos fala Raimundo Matos, em sua leitura compreensiva, abrangente da produÁ„o teatral, na Bahia, sob o influxo da contracultura. Um tempo forte. Uma Època em que È preciso ìestar atento e forteî. AtenÁ„o ao zumbir dos discursos, ‡s palavras de or- dem, ‡s ameaÁas e promessas que chovem ‡ direita e ‡ esquerda, e forÁa para correr o risco de soprar novos ‚nimos contra a corrente de ar do seu tempo. As p·ginas deste livro est„o tecidas n„o apenas por lances individuais de irreverÍncia e por experiÍncias radicais compartilhadas no trabalho de grupos, por pequenas e grandes cenas de um paÌs em transe. Aqui tambÈm se recolhem os sonhos e promessas de uma geraÁ„o. Quando os revemos ago- ra, do nosso mirante histÛrico, È difÌcil n„o sentir uma pontada de nostalgia ou uma espÈcie de saudade do futuro ent„o anunciado. FaÁo eco ‡s palavras do autor: ìNas malhas dessa rememoraÁ„o, preocupo-me em fazer luzir sem nostalgia os eventos que marcaram um instante da nossa modernidade, os projetos realizados, os postergados, os reprimidos e cooptados pela voraci- dade consumista e tecnolÛgica.î Estou entre aqueles que acreditam que, no frigir das utopias, os valores libert·rios da contracultura deixaram marcas e traÁos que ainda hoje pontilham o melhor de nossa rota: o respeito ‡s dife- renÁas, a recusa de todo e qualquer discurso autorit·rio, a liberdade sexual e a percepÁ„o de que milit‚ncia polÌtica n„o se reduz a embates partid·rios, principiando pelos mais simples gestos cotidianos e pelo direito de cada um a fazer uso do prÛprio corpo. Se È possÌvel dizer que o teatro na Bahia, sobretudo desde os anos 80, cresceu e diversificou-se, ganhando novos espaÁos, atraindo produtores, lan- Áando atores e diretores de grande talento, conquistando seu p ̇blico, deve- se tambÈm reconhecer que tais avanÁos se fizeram graÁas ao trabalho inici- ado nas dÈcadas de 60 e 70, em que existiam apenas o talento e a teimosia de alguns pioneiros, que decidiram estar e manter-se em cena quando isso representava uma opÁ„o de vida cujo risco nÛs hoje mal podemos conceber. Aqui se encontram atores, diretores, dramaturgos, cenÛgrafos, artistas da cena, enfim, que viveram e produziram numa Època de tumulto, transidos de inqui- etaÁ„o diante da supress„o de seus direitos b·sicos e ao mesmo tempo revi- gorados por sua condiÁ„o de transeuntes em direÁ„o ao espaÁo utÛpico de uma nova sociedade. Povoam este relato seus nomes e feitos, suas d ̇vidas e contradiÁıes, seus excessos e fracassos, seus passos traÁando percursos que nos compete antes de tudo compreender, para desafiar os transes e transas de nosso prÛprio tempo. Por entre os cacos das utopias, ainda reluzem remi- niscÍncias dessas vidas empenhadas em resistir ‡ opress„o (sob todas as suas formas) e inventar um novo modo de viver e contracenar no palco do mundo. O livro que Raimundo Matos aqui nos oferece È um belo e incontorn·vel testemunho dessa resistÍncia e dessa esperanÁa. Cleise Mendes 17 P P P P PrÛlogo rÛlogo rÛlogo rÛlogo rÛlogo O ato teatral comeÁa com uma seq ̧Íncia de sinais ñ na tradiÁ„o, as ìpancadas de MoliËreî ñ chamando a atenÁ„o do p ̇blico para aquilo que se vai narrar no tablado. Como a imagem do palco est· presente nessa escrita sobre a HistÛria do Teatro na Bahia, evoco a convenÁ„o, para situar o leitor, solicitando-lhe os sentidos e a imaginaÁ„o na criaÁ„o dessa atmosfera ne- cess·ria para o ìinterc‚mbio da experiÍnciaî, a ìconservaÁ„oî e a ìpossibi- lidade de reproduÁ„oî da narrativa, idÈias benjaminianas presentes em O narrador: consideraÁıes sobre a obra de Nikolai Leskov (1994). Assim, tomo como ponto de referÍncia a necessidade de n„o deixar o passado cair no esquecimento. Soadas as pancadas, o prÛlogo comunica alguns temas im- portantes para compreens„o de Transas na Cena em Transe: teatro e contracultura na Bahia Escrever este trabalho sobre a criaÁ„o teatral na Bahia no perÌodo em que o ide·rio contracultural espalhava-se no societal e, por conseguinte, no palco, È uma tarefa das mais gratificantes. O primeiro motivo para a escolha do tema, de ordem pessoal, diz respeito ao interesse por esse momento, ins- tante em que me fiz homem de teatro, ao ingressar na Escola de Teatro e tambÈm no curso de HistÛria da Faculdade de Filosofia e CiÍncias Humanas, espaÁos da Universidade Federal da Bahia. A dupla formaÁ„o È significante para a construÁ„o deste trabalho defendido no Programa de PÛs-GraduaÁ„o em Artes CÍnicas Universidade Federal da Bahia (UFBA) para obtenÁ„o do tÌtulo de Doutor. Portanto, o perÌodo enfeixado por essa reflex„o È o momento da formaÁ„o universit·ria do narrador. Sou testemunha de vista e participante de muitos acontecimentos, tran- sas e agenciamentos rememorados. Tendo atuado como assistente de dire- Á„o em A Casa de Bernarda Alba e como intÈrprete em Biedermann , A Com- panhia das Õndias , Macbeth , Tito AndrÙnico e As Feras , argumento ìque a produÁ„o do conhecimento È processual, que este processo È histÛrico, indi- 18 vidual e coletivo ao mesmo tempo, derivado da pr·xis humana e, por isso mesmo, n„o linear nem neutro como queria a ciÍncia positivistaî (P¡DUA, 1997, p. 28). Os temas que aparecem em Transas na Cena em Transe , principalmente os que se referem ‡ milit‚ncia e ao desbunde, j· haviam me interessado. Quando do assassinato de John Lennon, escrevi a peÁa AcrelÌrico , PrÍmio Nacional de Literatura 2004 ñ Dramaturgia, da FundaÁ„o Cultural do Estado da Bahia. No texto AcrelÌrico (LE√O, 2005), narro a trajetÛria de um grupo de jovens estudantes do ColÈgio da Bahia ñ Central, seu ingresso na universida- de, seus posicionamentos e dilemas com relaÁ„o ao ide·rio da Època: milit‚ncia ou desbunde. O trabalho litero-dram·tico, resultado de uma co- moÁ„o ñ assassinato de um artista ñ, da pesquisa em jornais, revistas e livros lanÁados pÛs-censura, traÁa um painel em que as idÈias de engajamento surgem como atrativo para os jovens estudantes. Retomo essas questıes sob outro viÈs, no entanto, a curiosidade pela tem·tica È a mesma. O segundo motivo, mais expressivo porque menos subjetivo, liga-se ao desejo de contribuir para os estudos teatrais na Bahia ñ sua historiografia ñ compreendendo-a como um fenÙmeno que se amalgama ao da HistÛria do Teatro Brasileiro, narrativa contada sempre do ponto de vista dos aconteci- mentos que se d„o no eixo Rio ñ S„o Paulo. Sem ignor·-los, j· que se entre- laÁam ao que se fez em Salvador no perÌodo focalizado, centralizo meu olhar sobre a aÁ„o dos sujeitos que no espaÁo soteropolitano ergueram suas ìbar- ricadasî cÍnicas no tempo da contracultura. Relato, portanto, as investidas e os esforÁos dessa gente em busca da comunicaÁ„o com o p ̇blico, preen- chendo de criatividade, lirismo, insolÍncia, insubordinaÁ„o e tambÈm de medo e acomodamento um tempo que se quer ìvazioî. A narrativa È pontuada por acontecimentos que se d„o fora do palco. Eles s„o lastros para a compreens„o dos interc‚mbios entre o real e o imagi- n·rio. As transformaÁıes que tomam de assalto a realidade social no tempo evidenciado, infiltram-se no teatro. Nesse processo de contaminaÁ„o, locali- zo a guinada que se d· na maneira de pensar as transformaÁıes: no inÌcio da dÈcada de sessenta, os esforÁos encetados no sentido da mudanÁa tinham como eixo o coletivo, norteador do pensamento de esquerda; na dÈcada seguinte, defende-se a postura individual como impulso para romper com o estabelecido. A cena teatral espelha essa metamorfose. Considerando a leitura que se faz da cultura brasileira no perÌodo, tem- po categorizado como de ìvazio culturalî, posiciono-me diferentemente para problematizar a quest„o e desviar-me dessa postura fortemente arraigada de que tudo o que foi produzido pÛs-AI 5 È destituÌdo de criticidade e apresenta- se como manifestaÁ„o alienada e alienante. Nessa leitura, enviesada, identi- fico traÁos da caretice reinante e tambÈm da postura patrulheira que toma 19 conta de segmentos da esquerda brasileira na cena em transe, mais acentu- adamente a partir da segunda metade da dÈcada de setenta. Tal posicionamento, ditado pela situaÁ„o ìbeco sem saÌdaî em que se encontra parte da frente nacionalista , revela a face fraturada desse agrupamento multicolorido, que se aglutina pÛs-golpe militar para fazer-lhe frente e contri- bui para as tensıes entre as correntes abrigadas sob um mesmo guarda- chuva (MOSTA«O, 1982; RIDENTI, 2000). Os dados trabalhados resultam da pesquisa nos jornais da Època, da leitura de parte dos programas das peÁas encenadas entre 1967 e 1974, dos artigos e de uma sÈrie de referÍncias teÛricas que iluminam o percurso e facilitam o entendimento dos fenÙmenos que se encontram no interior do palco da contracultura e est„o inseridos nos limites da investigaÁ„o. A opÁ„o pelos sete anos deve-se ao temor do pesquisador em abarcar a dÈcada de setenta em sua totalidade. No entanto, a dataÁ„o arbitr·ria ñ coerente com os estudos recorrentes sobre o tema, baliza esse perÌodo, ìreconhecido como sendo aquele em que as idÈias da contracultura se propagam pelo paÌs. Es- sas idÈias declinam no fim dos anos setenta, mas n„o desaparecemî. Coinci- dentemente È o momento em que o Brasil vive intensa explos„o criativa, cujo marco inicial È 1967, e enfrenta os tempos mais sombrios e difÌceis do gover- no ditatorial instalado no poder desde 1964. EsclareÁo que a leitura das fontes prim·rias foi inestim·vel para a con- secuÁ„o dos objetivos do projeto. Sem elas dificilmente poderia chegar a termo, tendo em vista a inexistÍncia, atÈ o momento, de trabalhos historiogr·ficos sobre o teatro na Bahia no perÌodo. Creio que o trabalho tenha seu mÈrito, ainda que exponha lacunas decorrentes das minhas limita- Áıes, mais que do esquecimento. Sem recorrer ‡s fontes secund·rias, n„o seria possÌvel ordenar as cate- gorias que serviram de b ̇ssola para olhar o social, o polÌtico e, principal- mente, o estÈtico, preocupaÁ„o maior. No primeiro ato da narrativa, exponho os conceitos que sustentam a minha trajetÛria, firmando-a nas pegadas de Walter Benjamin ñ conceito de histÛria ñ e de Octavio Ianni ñ conceito da transculturaÁ„o . Ao longo dos atos seguintes, recorro aos autores que susten- tam n„o somente as teorias teatrais, lastro para avaliar a produÁ„o teatral soteropolitana, mas tambÈm ‡ variada gama de conceitos de que me valho para afirmar o problema discutido em Transas na Cena em Transe Nesse caudal de autores, n„o posso me furta de salientar a valiosa con- tribuiÁ„o de Edelcio MostaÁo e Marcelo Ridenti para uma compreens„o do perÌodo, naquilo que ele tem de contraditÛrio, inovador e transformador, seja nas idÈias, seja nas aÁıes. EsclareÁo que MostaÁo e Ridenti enfatizam em seus trabalhos a visada do polÌtico, o pensamento polÌtico dos intelectuais e dos artistas. Meu olhar È sobre o estÈtico, embora n„o deixe de remetÍ-lo ao