As Falácias da Teoria dos Bens Públicos e a Produção de Segurança Hans-Hermann Hoppe Tradução: Klauber Cristofen Pires & Revisão: João Marcos Theodoro As Falácias da Teoria dos Bens Públicos e a Produção de Segurança Hans-Hermann Hoppe Tradução: Klauber Cristofen Pires & Revisão: João Marcos Theodoro E m 1849, em uma época em que o li- beralismo clássico ainda era a força ideológica dominante e os termos “economista” e “socialista” eram geralmente considerados antônimos, Gustave de Molinari, um renomado economista belga, escreveu: Se existe uma verdade bem estabe- lecida na economia política, é esta: que em todos os casos, para todas as merca- dorias que servem à provisão das neces- sidades tangíveis ou intangíveis do con- sumidor, é do melhor interesse dele que o trabalho e o comércio permaneçam livres, porque a liberdade do trabalho e do comércio tem, como resultado ne- cessário e permanente, a redução má- xima do preço. E esta: que os interesses do consumidor de qualquer mercado- ria devem sempre prevalecer sobre os interesses do produtor. Assim, ao se- guirmos esses princípios, chegamos a esta rigorosa conclusão: que a produ- ção de segurança deveria, nos interes- ∼ 29 de julho de 2017. Discussão em AncapChannel. □ ses dos consumidores desta mercadoria intangível, permanecer sujeita à lei da livre competição. Donde se segue: que nenhum governo deveria ter o direito de impedir que outro governo entrasse em competição com ele ou que reque- resse que os consumidores adquirissem exclusivamente os seus serviços. 1 Ele comenta sobre seu argumento ao dizer: “Ou isto é lógico e verdadeiro, ou os princí- pios sobre os quais a ciência econômica está baseada são inválidos”. 2 Existe aparentemente apenas uma saída para essa desagradável conclusão (isto é, para todos os socialistas): argumentar que existem bens particulares para os quais, por algumas razões especiais, o raciocínio econômico acima não se aplica. É isso o que os assim chamados teóricos dos bens públicos estão determinados a provar. 3 Contudo, demonstrarei que na ver- 1 Gustave de Molinari, The Production of Security , trans. J. Huston McCulloch (New York: Center for Libertarian Studies, Occasional Paper Series No. 2, 1977), p. 3. □ 2 Ibid., p. 4. □ 3 Para várias abordagens dos teóricos dos bens públicos veja James dade tais bens especiais ou razões especiais não existem, e que, em particular, a produção de segurança não apresenta nenhum problema diferente dos da produção de quaisquer outros bens ou serviços, sejam casas, queijos ou segu- ros. Não obstante seus vários seguidores, toda a teoria dos bens públicos é falha, pedante, obscura, com inconsistências internas, non se- quiturs e apela para e joga com preconceitos populares e crenças assumidas, mas desprovi- das de qualquer mérito cientíco que seja. 4 Com que se parece, então, a rota de fuga que os socialistas encontraram para evitar a conclusão de Molinari? Desde a época de Mo- M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962); James M. Buchanan, The Public Finances (Homewood, Ill.: Richard Irwin, 1970); idem, The Limits of Liberty (Chicago: University of Chicago Press, 1975); Gordon Tullock, Private Wants, Public Means (New York: Basic Books, 1970); Mancur Olson, The Logic of Collective Action (Cam- bridge, Mass.: Harvard University Press, 1965); William J. Baumol, Welfare Economics and the Theory of the State (Cambridge: Har- vard University Press, 1952). □ 4 Sobre o que vem em seguida veja Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1970), pp. 883ff.; idem, “The Myth of Neutral Taxation”, Cato Journal (1981); Walter Block, “Free Market Transportation: Denationalizing the Roads”, Journal of Libertarian Studies 3, no. 2 (1979); idem, “Public Goods and Externalities: The Case of Roads”, Journal of Libertarian Studies 7, no. 1 (1983). □ linari, tornou-se mais comum responder “sim” à questão de se existem bens aos quais dife- rentes tipos de análise econômica se aplicam. Como matéria de fato, é quase impossível en- contrar um único livro de economia contem- porâneo que não destaque a importância vital da distinção entre bens privados, para os quais a verdade da superioridade econômica de uma ordem capitalista de produção é geralmente admitida, e os bens públicos, para os quais é geralmente negada. 5 Determinados bens ou serviços (inclusive a segurança) são denomi- nados especiais porque seu gozo não pode ser restrito àqueles que de fato nanciaram sua produção. Em vez disso, as pessoas que não participam do seu nanciamento também são beneciadas por eles. Tais bens são chamados bens ou serviços públicos (em oposição aos bens ou serviços privados, que beneciam ex- clusivamente as pessoas que por eles pagam). Devido a essa característica especial dos bens públicos, argumenta-se, o mercado não pode 5 Veja por exemplos William J. Baumol e Alan S. Blinder, Economics, Principles and Policy (New York: Harcourt, Brace, Jovanovich, 1979), cap. 31. □ produzi-los, pelo menos não em quantidade ou qualidade sucientes; portanto, a ação estatal compensatória é exigida. 6 Os exemplos dados por diferentes auto- res dos alegados bens públicos variam larga- 6 Um outro critério frequentemente usado para os bens públicos é o do “consumo sem rivalidade”, ou não rival. Geralmente, ambos os critérios parecem coincidir: quando os free riders (N. do T.: caronas, os que usufruem sem pagar) não podem ser excluídos, o consumo não rival é possível, e quando eles podem ser excluídos, o consumo se torna rival, ou assim parece. Todavia, tal como os teóricos dos bens públicos argumentam, essa coincidência não é perfeita. É concebível, dizem eles, que, embora a exclusão dos caronas seja possível, sua inclusão pode não estar conectada a qualquer custo adicional (isto é, o custo marginal da admissão dos caronas é zero) e que o consumo do bem em questão pelo carona admitido adicionalmente não levará necessariamente a uma subtração no consumo do bem disponível aos demais. Esse bem também seria público. Assim, posto que a exclusão seria praticada no livre mercado e que o bem não se tornaria dispo- nível para um consumo não rival a todos – ainda que isso não requeresse nenhum custo adicional – então, de acordo com a lógica estatista-socialista, isso conguraria uma falha de mercado, i.e., um nível subótimo de consumo. O estado teria, portanto, de avocar parar si a produção de tais bens. (Uma sala de cinema, por exemplo, poderia estar ocupada somente pela metade, de modo que a admissão gratuita de novos espectadores seria sem custos, já que o fato de eles assistirem não incorreria em uma diminuição do gozo pelos demais que pagaram; logo, o lme seria qualicado como um bem público. Entretanto, já que o dono do cinema se engajaria em praticar a exclusão, ao invés de permitir aos espectadores caronas o ingresso, as salas de cinema estariam sujeitas à nacionalização). Sobre as numerosas falácias envolvidas na denição de bens públicos em termos de consumo não rival, leia as notas de 12 a 17 abaixo. □ mente. Os autores frequentemente classicam o mesmo bem ou serviço diferentemente, dei- xando quase nenhuma classicação de um bem em particular sem disputa, o que claramente pressagia o caráter ilusório de toda a distin- ção. 7 Não obstante, alguns bens que gozam de um status particularmente popular como bens públicos são: o corpo de bombeiros, que evita que a casa do vizinho pegue fogo, portanto dei- xando-o lucrar com a minha brigada de bom- beiros, mesmo que ele não contribua em nada para nanciá-la; ou a polícia, que, ao patru- lhar em volta de minha propriedade, afasta os potenciais invasores também da casa de meu vizinho, embora ele não auxilie no pagamento das rondas; ou o farol, um exemplo particu- larmente querido aos economistas, 8 que ajuda um navio a encontrar a sua rota mesmo que o seu proprietário não contribua com um cen- tavo na sua construção ou manutenção. Antes de continuar com a apresentação e 7 Sobre esse assunto veja Walter Block, “Public Goods and Externa- lities”. □ 8 Veja, por exemplo, Buchanan, The Public Finances , p. 23; Paul Samuelson, Economics (New York: McGraw Hill, 1976), p. 166. □ exame crítico da teoria dos bens públicos, irei investigar o quão útil é a distinção entre bens públicos e privados para ajudar a decidir o que deve ser produzido pela iniciativa privada e o que deve ser fornecido pelo estado ou com a sua ajuda. Mesmo a mais supercial análise poderia não falhar ao apontar que o uso do alegado critério de não exclusividade, antes de apresentar uma solução razoável, poderia conduzir a um grande problema. Embora pelo menos à primeira vista pareça que alguns dos bens e serviços providos pelo estado poderiam de fato ser qualicados como bens públicos, certamente não é tão óbvio quantos desses bens que de fato são produzidos pelo estado poderiam gurar na lista dos bens públicos. Estradas de ferro, correios, telefones, ruas e similares parecem ser bens cujo uso possa ser restrito às pessoas que de fato o nanciam e, portanto, aparentam ser bens privados. E parece ser o mesmo caso com relação a mui- tos aspectos do multidimensional bem “segu- rança”: tudo que possa ser coberto por seguro teria de ser classicado como um bem privado. Todavia, isso não é suciente. Bem como tan- tos bens providos pelo estado aparentam ser bens privados, outros tantos produzidos pri- vadamente parecem encaixar-se na categoria de bens públicos. Claramente meus vizinhos lucrariam com o meu bem cuidado jardim de rosas, já que eles poderiam apreciar a vista sem jamais ter de ajudar-me com a jardinagem. O mesmo se dá com todos os tipos de melhorias que eu possa fazer em minha propriedade, as quais poderiam incrementar também o valor das propriedades vizinhas. Mesmo aqueles que não atiram uma única moeda no chapéu po- dem lucrar com a performance de um músico de rua. Os passageiros do ônibus que são bene- ciados com o desodorante que uso também não me ajudam a comprá-lo, e todos os que se encontram comigo lucram com o meu esforço, embora sem a sua ajuda nanceira, para me tornar uma pessoa mais amável. Agora, será então que todos estes bens – jardins, benfeito- rias, música de rua, desodorantes e melhorias pessoais – devem ser fornecidos pelo estado ou com a sua assistência? Bem como indicam esses exemplos de bens públicos produzidos privadamente, há algo se- riamente errado com a tese dos teóricos dos bens públicos de que os bens públicos não podem ser produzidos privadamente, mas, ao contrário, requerem a intervenção estatal. Cla- ramente, eles podem ser fornecidos pelos mer- cados. Além disso, evidências históricas nos in- dicam que todos os atualmente chamados bens públicos que são providos hoje pelo estado fo- ram, na verdade, em alguma época passada, fornecidos por empreendedores privados, ou mesmo ainda hoje o são em diferentes países. Por exemplo, os serviços postais outrora foram privados em quase todo lugar; as ruas são - nanciadas privadamente e ainda o são às vezes; mesmo os amados faróis foram inicialmente o resultado da iniciativa privada 9 ; forças polici- ais, detetives e árbitros privados existem; e a ajuda para os doentes, os velhos, os pobres, os órfãos e as viúvas têm sido uma preocupação tradicional das organizações de caridade pri- vadas. Portanto, dizer que tais atividades não podem ser realizadas por um sistema puro de mercado é falsicado enormemente pela expe- 9 Veja Ronald Coase, “The Lighthouse in Economics”, Journal of Law and Economics 17 (1974). □ riência. Fora isso, outras diculdades surgem quando a distinção entre bens públicos e privados é usada para se decidir o que deve ou não ser pro- duzido pelo mercado. O que dizer, por exem- plo, da produção dos chamados bens públicos caso esta não cause consequências positivas para outras pessoas, mas negativas, ou se as consequências forem positivas para uns e ne- gativas para outros? E se o vizinho cuja casa foi salva do incêndio pelo corpo de bombeiros desejasse que ela se consumisse nas chamas (talvez por estar com o seu seguro super-ava- liado)? E se os meus vizinhos detestam rosas, ou os demais passageiros do ônibus acham o aroma do meu desodorante desagradável? Adi- cionalmente, mudanças na tecnologia podem mudar o caráter de um dado bem. Por exemplo, o desenvolvimento da TV a cabo, um bem que era público (aparentemente), veio a se tornar privado. E mudanças nas leis de propriedade – da apropriação de propriedade – podem ter justamente o mesmo efeito de mudar o cará- ter público-privado de um bem. O farol, por exemplo, é um bem público somente enquanto o mar for público também. Porém, se for permi- tido que partes do oceano também se tornem propriedades privadas, tal como ocorreria em uma ordem social puramente capitalista, en- tão como o brilho da luz do farol se estende até uma distância limitada, seria claramente possível excluir os não pagadores de seus ser- viços. Deixando de lado esse nível mais ou menos esquemático de discussão e analisando a distin- ção entre bens públicos e privados mais com- pletamente, descobrimos que a distinção torna- se totalmente ilusória. Uma distinta dicotomia entre bens públicos e privados não existe, e esta é essencialmente a razão pela qual há tan- tos desentendimentos sobre como classicar um dado bem. Todos os bens são mais ou me- nos privados ou públicos e podem mudar – e constantemente mudam – o seu grau de pu- blicidade ou privacidade, na medida em que mudam os valores e avaliações das pessoas e a própria composição da população. Para reco- nhecermos que eles jamais cairão para sempre em uma ou outra categoria, devemos apenas relembrar o que faz de alguma coisa um bem. Para que algo seja um bem, deve ser reconhe- cido e tratado como escasso por alguém. Isto é, não há nada que possa ser tido como um bem em si mesmo; bens são bens apenas aos olhos do observador. Nada é um bem a menos que alguém subjetivamente o avalie como tal. Todavia, quando os bens jamais são bens por si próprios, quando nenhuma análise físico- química pode identicar algo como sendo um bem econômico, inexiste claramente qualquer critério xo e objetivo capaz de classicar um bem como público ou privado. Esses jamais po- derão ser bens privados ou públicos enquanto tais. O seu caráter público ou privado depende de quantas pessoas – se muitas ou poucas – consideram-nos como sendo bens, com o grau no qual são públicos ou privados mudando ao longo dessas mudanças de avaliação numa es- cala que vai de um até o innito. Mesmo coisas que aparentam ser completamente privadas, tais como o interior do meu apartamento ou a cor do meu pijama, podem tornar-se, por- tanto, bens públicos tão logo alguém comece a se preocupar com eles 10 , e bens aparente- 10 Veja, por exemplo, a defesa irônica que Block faz a favor de as mente públicos, tais como o exterior da minha casa ou a cor do meu sobretudo, podem ser tor- nar bens extremamente privados no momento em que as pessoas pararem de se preocupar com eles. Além disso, todo bem pode continua- mente mudar as suas características. Ele pode mesmo mudar de bem público ou privado para um mal público ou privado e vice-versa, de- pendendo somente das mudanças no ânimo das pessoas em preocupar-se com eles. Se é assim, então nenhuma decisão, qualquer que seja, pode ser baseada na classicação de bens como públicos ou privados 11 . De fato, para se fazer isso, seria necessário perguntar vir- tualmente a cada indivíduo sobre cada único bem se ele se importa ou não com ele – se po- meias serem bens públicos em “Public Goods and Externalities”. □ 11 Para evitar aqui qualquer equívoco, todo produtor individual e toda associação de produtores tomando decisões conjuntas po- dem, a qualquer tempo, decidir sobre a conveniência de produzir um bem baseados numa avaliação do seu caráter público ou pri- vado. De fato, decisões sobre produzir ou não bens públicos de maneira privada são constantemente feitas dentro da estrutura de uma economia de mercado. O que é impossível é decidir igno- rar ou não o resultado do funcionamento de uma economia livre baseado no conhecimento do grau de publicidade ou privacidade de um bem. □ sitivamente ou negativamente, ou talvez em que extensão – para se determinar quem pode lucrar com o quê, e quem deve, portanto, par- ticipar do nanciamento da produção desses bens (ademais, como poderíamos saber se esta- riam a falar a verdade?). Tornar-se-ia também necessário monitorar continuamente todas as mudanças dessas avaliações, com o resultado de que nenhuma decisão denitiva poderia jamais ser feita com respeito à produção do que quer que fosse, e como consequência da absurdidade dessa teoria todos nós estaríamos mortos há muito. 12 12 De fato, portanto, a introdução da distinção entre bens públicos e privados é um retrocesso na era pré-subjetivista da Economia. Do ponto de vista da economia subjetivista, não há bens que objetivamente possam ser categorizados como públicos ou priva- dos. Essa é essencialmente a razão pela qual o segundo critério proposto para os bens públicos – permitir o consumo não rival (ler nota 6 acima) – também desaba. Porque como poderia qual- quer observador externo determinar se a admissão de um carona adicional sem pagamento não iria com certeza levar a uma sub- tração no consumo desse bem pelos demais? Claramente, não há nenhum meio pelo qual ele pudesse fazer isso. De fato, pode ser que o gozo de alguém por assistir a um lme ou dirigir numa rodovia seja consideravelmente reduzido se mais pessoas forem admitidas no cinema ou na estrada. De novo, para se descobrir se esse é ou não o caso, seria necessário perguntar a cada indivíduo – e poderia ser que nem todos concordassem (e então?). Além disso, uma vez que até mesmo um bem que permita um consumo não rival não é um bem gratuito, como consequência da admissão Todavia, mesmo que ignoremos todas es- sas diculdades e nos disponhamos a admitir, em nome do debate, que a distinção entre bens públicos e privados se sustenta, o argumento não prova o que deveria. Ele nem fornece ra- zões conclusivas pelas quais os bens públicos – assumindo que estes formem uma catego- ria separada de bens – devam ser produzidos, quaisquer que sejam, nem pelas quais o es- tado, preferencialmente à iniciativa privada, é que deve produzi-los. O que a teoria dos bens públicos essencialmente diz, com a já mencio- nada distinção conceitual, é: os efeitos positi- vos dos bens públicos para as pessoas que não contribuem em nada para a sua produção ou nanciamento prova que estes bens são dese- jáveis. Porém, evidentemente, eles não seriam de caronas adicionais multidões eventualmente se formariam, e portanto cada um teria de ser novamente questionado sobre a “margem” apropriada. Em adição, meu consumo pode ou não ser afetado dependendo de quem está sendo admitido de graça, de modo que eu também teria de ser indagado sobre isso. Por m, todos podem mudar de opinião sobre todas essas questões a qualquer tempo. É, então, do mesmo jeito impossível decidir se um dado bem é um candidato para a produção estatal (prefe- rencialmente à privada) com base no critério do consumo não rival, assim como no da não exclusividade (veja também a nota 17 abaixo). □ produzidos, ou ao menos não em quantidade e qualidade suciente, em um mercado livre e competitivo, uma vez que nem todos os que se beneciariam de sua produção também con- tribuiriam nanceiramente para torná-la pos- sível. Com a nalidade de produzir esses bens (que são evidentemente desejáveis, mas que de outra maneira não seriam produzidos), o es- tado deve pular dentro e auxiliar na produção. Esse tipo de raciocínio, que pode ser encon- trado em quase todo texto de economia (sem exclusão dos laureados pelo prêmio Nobel), 13 é completamente falacioso em dois aspectos. Por primeiro, para se chegar à conclusão de que o estado tem de fornecer os bens públicos que de outra forma não seriam produzidos, deve-se ocultar uma norma dentro da linha de raciocínio. Da armação segundo a qual certos bens, devido a algumas de suas caracte- rísticas, não seriam produzidos, não se pode concluir que eles deveriam ser produzidos. Po- 13 Veja Paul Samuelson, “The Pure Theory of Public Expenditure”, Review of Economics and Statistics (1954); idem, Economics, cap. 8; Milton Friedman, Capitalism and Freedom (Chicago: University of Chicago Press, 1962), cap. 2; F. A. Hayek, Law, Legislation and Liberty (Chicago: University of Chicago, 1979), vol. 3, cap. 14. □ rém, com uma norma utilizada para justicar sua conclusão, os teóricos dos bens públicos claramente abandonaram as fronteiras da eco- nomia enquanto ciência positiva wertfrei . Ao invés disso, eles têm se movido em direção aos domínios da moral e da ética, e assim se es- peraria receber uma teoria da ética enquanto disciplina cognitiva, de modo que pudessem legitimar o que fazem e justicadamente deri- var essa conclusão. Mas dicilmente se pode salientar o bastante que, em nenhum lugar na literatura da teoria dos bens públicos, pode-se encontrar algo que mesmo remotamente se relacione com uma teoria cognitiva da ética 14 14 Os economistas, em anos recentes, particularmente os da Escola de Chicago, têm crescentemente se preocupado com a análise dos direitos de propriedade. Harold Demsetz, “The Exchange and Enforcement of Property Rights”, Journal of Law and Economics 7 (1964); idem, “Toward a Theory of Property Rights”, American Economic Review (1967); Ronald Coase, “The Problem of Social Cost”, Journal of Law and Economics 3 (1960); Armen Alchian, Economic Forces at Work (Indianapolis: Liberty Fund, 1977), parte 2; Richard Posner, Economic Analysis of the Law (Boston: Brown, 1977). Tais análises, porém, não têm nada a ver com ética. Ao contrário, representam tentativas de substituir considerações sobre eciência econômica pelo estabelecimento de princípios éticos justicáveis [sobre a crítica a tais esforços veja Murray N. Rothbard, The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands, N.J.: Huma- nities Press, 1982), cap. 26; Walter Block, “Coase and Demsetz on Private Property Rights”, Journal of Libertarian Studies 1, no. 2 (1977); Ronald Dworkin, “Is Wealth a Value”, Journal of Legal Studies 9 (1980); Murray N. Rothbard, “The Myth of Eciency”, em Mario Rizzo, ed., Time Uncertainty and Disequilibrium (Le- xington, Mass.: D.C. Heath, 1979). Em última análise, todos os argumentos de eciência são irrelevantes porque simplesmente não existe nenhum meio não arbitrário de medição ou pesa- gem, nem utilidades ou desutilidades individuais agregadoras das quais resulte alguma dada alocação dos direitos de proprie- dade. Portanto, qualquer tentativa de recomendar algum sistema em particular de atribuição de direitos de propriedade em ter- mos de sua alegada maximização do “bem-estar social” é uma fraude pseudocientíca. Veja em particular Murray N. Rothbard, Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics (New York: Center for Libertarian Studies, Occasional Paper Series No. 3, 1977); também Lionel Robbins, “Economics and Political Economy”, American Economic Review (1981). O Princípio da Unanimidade, que Buchanan e Tullock, seguindo Knut Wicksell ( Finanztheoretische Untersuchungen , Jena: Gustav Fischer, 1896), têm repetidamente proposto como um guia para a política econômica também não deve ser confundido com um princípio ético propriamente. De acordo com esse princípio, as mudanças na política que devem ser decretadas são somente as que possam encontrar unânime consenso – e isso certamente soa atraente; todavia, mutatis mutandis , ele também determina que o status quo seja preservado se houver menos do que o acordo unânime em qualquer proposta de mudança, o que soa muito me- nos atrativo, porque implica que qualquer dado estado presente de coisas com respeito à alocação dos direitos de propriedade ou como um ponto de partida ou como um estado a ser continu- ado deve ser legitimado. Porém, os teóricos da escolha pública não oferecem nenhuma justicativa em termos de uma teoria normativa dos direitos de propriedade para a sua audaciosa sus- tentação, como seria necessário. Por conseguinte, o princípio de unanimidade é em última instância desprovido de um funda- mento ético. De fato, porque iria legitimar qualquer status quo concebível, o mais caro princípio dos buchananitas não é menos do que um completo absurdo enquanto critério moral. Sobre isso Deve-se, portanto, armar desde o início que os teóricos dos bens públicos estão fazendo mau uso de qualquer prestígio que possam ter como economistas positivos devido aos pro- nunciamentos nas matérias em que, tal como os seus próprios escritos indicam, não pos- suem qualquer autoridade que seja. Mas e se eles tropeçaram em algo correto por acidente, sem o ter defendido por meio de uma elabo- rada teoria moral? Torna-se aparente que nada pode estar mais distante da realidade tão logo se formule explicitamente a norma que seria necessária para se chegar à conclusão de que o estado tem de auxiliar na provisão dos bens públicos. A norma requerida para alcançar a conclusão acima é esta: sempre que alguém, de alguma maneira, prova que a produção de um bem ou serviço em particular tem um efeito positivo para outrem, mas não seria produzida no todo ou em parte, seja em qualidade, seja veja também Rothbard, The Ethics of Liberty cap. 26; idem, “The Myth of Neutral Taxation”, pp. 549f. O que quer que ainda reste do princípio da unanimidade é re- duzido, por Buchanan e Tullock, seguindo de novo os passos de Wicksell, ao ponto de uma unanimidade “relativa” ou “aproxi- mada”. □