Em minhas mãos Sara Bentes (Desenvolvido a partir do livro “Enquanto Amanhecemos” – lançamento em 20 de maio) Arte gráfica e revisão – Leda Bentes Ela está tão linda dançando. Movimentos bonitos, cada vez mais seguros, o sorriso... ela está brilhando. Eu, sozinha e sem brilho, observo o ensaio da arquibancada. Ela, fluindo com leveza nas mãos de seu partner sob a supervisão do professor. Por que o professor está fazendo ela brilhar tanto? Por que essa coreografia de destaque para ela, que nem queria dançar? Deveria ser eu ali dançando, e de preferência com o professor, e não com o Rafael. Bom, pelo menos ela está dançando com o Rafael e não com o professor… Deus me livre, só falta isso! Finalmente termina. O professor já me viu e está conduzindo Caterine até mim. Devagar eu me levanto. Como ela está radiante, enquanto ele, igualmente feliz, faz elogios a ela e exalta seus avanços. Por que ele tem que ser tão maravilhoso? E por que essa conexão patética entre eles? Eu a odeio por isso. E quanto mais o amo, mais a odeio... Encosto o braço no braço dela, em silêncio, e ela o envolve com a mão. Ele se despede de nós, dá as bênçãos e recomendações, pra ela sempre com mais afeto do que pra mim, e corre de volta para a quadra. – Você viu a coreografia toda? – ela me pergunta, ainda sorrindo de contentamento. - Sim. – E foi bonito? O que você achou? – sua voz já baixou um tom, em reação ao meu “sim” desinteressado. – Está melhorando sim, mas falta muito pra ficar exatamente bonito. – declaro com aquela dicção perfeita que ela costuma elogiar. – Hum, o professor pareceu tão empolgado. – ela fica confusa, já com a cabeça baixa, como é sua postura habitual. – É que ele mal olhou pra vocês durante a dança, ficou anotando coisas no diário. – eu minto. Como eu adoro ser os olhos dela, e fazê-la acreditar no que eu quero que ela acredite. E continuo mentindo: – Mas, em compensação, quem não tira mais os olhos de você é o Rafael, dentro e fora da dança. – Ah, não tem nada a ver. – ela fala no meio daquele risinho ingenuamente lisonjeado dela. – Claro que tem. – Agora eu sorrio. Continuo a guiando para a sala de aula e desfilando qualidades do Rafael, qualidades que me exigem um belo esforço para encontrar, e invento algumas na hora. Ela me ouve atenta, e acompanha cada passo meu. É tão prazerosa a sensação de vê-la depender de mim. Eu a tenho odiado cada vez mais, mas essa sensação é o que ainda me deixa aqui, ajudando pra cima e pra baixo essa menina, que não seria nada nessa escola sem mim. Já eu, sem ela aqui, seria bem mais plena, e o professor teria mais tempo e atenção pra mim, já que ela dá tanto trabalho pra ele. Eu sei, ele já fez a escolha dele, e nem eu nem ela temos qualquer chance com ele. Na verdade ela não tem porque jamais criaria essa chance, tão frágil e insegura que é. Mas eu... Por que não? Sim, ele fez uma escolha, mas no fundo ele é só um homem. E que homem... Talvez só dependa de mim. Está em minhas mãos. Sara Bentes
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