Líquido pericárdico Analise microscópica 1 — Visão geral e objetivos da análise do líquido pericárdico A análise laboratorial do líquido pericárdico visa distinguir causas inflamatórias/infecciosas, neoplásicas, hemorrágicas, metabólicas e autoimunes, além de avaliar risco de tamponamento e orientar terapêutica. Avaliações de rotina incluem: exame macroscópico, hematimetria (RBC/WBC), diferencial celular, glicose, proteínas, LDH, cultura microbiológica, citologia e testes dirigidos conforme suspeita (ADA, PCR, IFN- γ , imunocitoquímica, etc.). 2 — Macroscopia e padrões visíveis Cor e aspecto: seroso (amarelo claro), hemorrágico (sangue), turvo (piogênico/chylous/cholesterol), opalescente (colesterol), quilosos (aspecto leitoso) — cada aspecto sugere diagnósticos distintos (ex.: quilopericárdio → lesão linfática, pós-cirúrgico; opalescente com cristais de colesterol → “colesterol pericarditis” crônica). 3— Contagens e valores de referência (orientativos) RBC (hemácias): presença de sangue sugere trauma, sangramento intrapericárdico, neoplasia ou contaminação. WBC (leucócitos): não há valores absolutos universalmente padronizados como “normais” para pericárdio (em geral pequenas quantidades de fluido com baixa celularidade). Em efusões inflamatórias/infecciosas, WBC e % de neutrófilos aumentam; em efusões tuberculosas/virais/autoimunes, há predomínio linfocitário. Revisões recomendam interpretar contagem absoluta e diferencial em conjunto com bioquímica (glicose, proteínas, LDH) e contexto clínico. (Observação: use sempre referência de laboratório local para valores numéricos). A citologia do fluido pericárdico é uma ferramenta diagnóstica importante para efusões malignas, sendo capaz de detectar células tumorais em muitos casos. Os padrões citológicos (classificações intermediárias) têm valor prognóstico: mesmo que não definitivos, ajudam a estratificar risco. A interpretação citológica combinada com o contexto clínico, exames de imagem e técnicas ancilares (imunocitoquímica, molecular) é essencial para aumentar a acurácia diagnóstica e auxiliar no manejo dos pacientes. 4 — Tipos celulares e sua interpretação microscópica Células mesoteliais: células de revestimento do pericárdio; podem aparecer isoladas, em grupos/padrões papilíferos e podem demonstrar reatividade (hipercromasia, núcleos aumentados) confundindo-se com malignidade. Reconhecer padrão reacional vs. neoplásico exige critérios citopatológicos e, frequentemente, imunocitoquímica Neutrófilos: predominância sugere processo agudo/piógeno (bacteriano) ou reação aguda. Linfócitos: predomínio linfocitário favorece tuberculose, viral, neoplásico crônico ou etiologias autoimunes. Em tuberculose pericárdica, frequentemente há linfócitos e proteínas elevadas; ADA geralmente elevada. Eosinófilos: reações medicamentosas, reação alérgica, parasitoses (raro). Células neoplásicas: quando presentes - núcleo pleomórfico, nucléolos proeminentes, arranjos tridimensionais- confirmadas por imunocitoquímica (marcadores específicos) e, se possível, correlação histológica. Citologia possui sensibilidade variável para detectar malignidade; várias séries mostram utilidade prognóstica quando positiva. 5— Cristais encontrados no líquido pericárdico Principais tipos descritos Cristais de colesterol — associados à chamada cholesterol pericarditis: efusões crônicas, frequentemente grandes, com líquido opalescente/leitoso e alto teor de colesterol; descrito em associações com artrite reumatoide, tuberculose, hipotireoidismo e doenças renais. A identificação se faz por microscopia convencional e, quando disponível, polarização (aspecto lamelar). Casos e revisões recentes documentam esse padrão e suas complicações (efusões recidivantes e constritivas) Outros cristais relatados (raros) Cristais de ácido úrico (monourato) — muito raros no pericárdio; mais documentado em articulações (gota). Pirofosfato de cálcio (CPPD) — relatos isolados em cavidades serosas. Como investigar Exame microscópico direto (incluindo lâminas não coradas), microscopia de luz polarizada (birefringência) e dosagem de colesterol/triglicerídeos no fluido (útil para distinguir quiloso vs colesterol-rico). Em casos crônicos com cristais de colesterol, considerar etiologias sistêmicas (AR, TB, hipotireoidismo) 6 — Parasitas e pericárdio — o que aparece e como procurar Principais agentes e evidências Trypanosoma cruzi (Chagas) — pode causar pericardite/pericardite aguda com efusão; detecção direta de tripomastigotas no líquido é rara, mais frequente são achados por imagem, sorologia e PCR; pericardial fluid tem sido usado em estudos sorológicos e post-mortem. Helmintos e outros protozoários — relatos esporádicos (ex.: Echinococcus — cistos que invadem o pericárdio; filárias microfilaria detectada ocasionalmente em líquidos pericárdicos; Schistosoma e outros têm sido implicados em relatos/series recentes). A literatura é composta majoritariamente por casos e séries, não por estudos grandes portanto a detecção direta é incomum, mas descrita. Como proceder se houver suspeita parasitária Solicitar exames dirigidos: PCR para o agente suspeito (se disponível), sorologia (IgM/IgG), colorações e preparo microscópico imediato do fluido (procure formas móveis em lâminas frescas), e cultura/biopsia/pericardiectomia quando indicado. Em áreas endêmicas (p. ex. Chagas), incluir sorologia/PCR de rotina ao avaliar efusões inexplicadas. 7 — Limitações e “pitfalls” que você deve observar Mesotélio reativo vs malignidade — diagnosticar apenas pela morfologia pode ser enganoso; usar IHC e correlação clínica/imagem. ADA elevado não é 100% específico para TB — há casos relatados de tumores com ADA alta; sempre combine com outros dados. Detecção direta de parasitas no fluido é rara — negatividade não exclui etiologia parasitária; use sorologia/PCR/ biopsia quando houver suspeita Referências The usefulness of diagnostic tests on pericardial fluid https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/9149572/ 1997 May;111(5):1213-21. doi: 10.1378/chest.111.5.1213. Acesso: 01 de outubro de 2025 Effusive-constrictive cholesterol pericarditis: a case report https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33554027/b 2020 Dec 11;5(1):ytaa496. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa496. eCollection 2021 Jan. 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