ÁUDIO DESCOMPLICADO: TEORIA E PRÁTICA João Fortunato Instituto Politécnico do Porto Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo Licenciatura em Música, variante Produção e Tecnologias da Música 2024/2025 001 AUDIO DIGITAL Por mais intuitivo que o som seja para nós, humanos, um computador não possui ouvidos para interpretar ruídos. Para que consiga processá-los, é necessário converter o som em dados que ele consiga ler, transformando um sinal contínuo em informação digital. No mundo real, o nosso ouvido funciona de forma semelhante a uma torneira de água. Quando a abrimos, o fluxo de água aumenta gradualmente, ajustando-se de forma contínua à posição do manípulo. Pequenos movimentos resultam em variações subtis no fluxo, tal como acontece com o som analógico. Esta sebenta foi concebida para alunos de música que estão a dar os primeiros passos na gravação e no processamento de áudio. Os conceitos abordados foram cuidadosamente selecionados, pois considero-os essenciais para que um músico se familiarize com o universo do áudio digital. No entanto, para tornar a leitura mais acessível e a prática mais intuitiva, optei por omitir algumas informações mais complexas. O objetivo é proporcionar uma introdução clara e direta, permitindo uma aprendizagem eficiente e envolvente. Os textos estão organizados de forma a seguir o percurso natural do sinal de áudio, desde a captação da pressão sonora por um microfone até à sua reprodução por um altifalante. A cadeia de sinal apresentada foi escolhida por ser uma das mais acessíveis e eficazes para um estudante de música explorar a gravação, o processamento e a reprodução de áudio digital. INTRODUÇÃO No entanto, para que um computador entenda esse fluxo, seria necessário medi-lo em momentos específicos, como se registássemos a quantidade de água que sai da torneira em intervalos regulares. Esse processo é equivalente à digitalização do áudio digital: o som contínuo é captado e convertido em pequenos pontos de informação, permitindo que o computador o armazene e processe. Quanto mais medições forem feitas por segundo (taxa de amostragem), mais fiel será a digitalização do som original. 002 MICROFONE O microfone marca o início de quase todas as cadeias de sinal, sendo o dispositivo responsável por converter a energia acústica de um instrumento em impulsos elétricos que podem ser processados. Existem várias tipologias de microfones, geralmente classificadas segundo duas categorias principais: o tipo de transdutor e o padrão polar O transdutor é o elemento que converte a energia acústica em sinal elétrico, e o seu funcionamento tem um impacto significativo no timbre do som captado. O tipo mais comum e intuitivo é o microfone dinâmico , que funciona de maneira semelhante a um altifalante, mas em sentido inverso. Nele, um diafragma suspenso vibra em resposta às ondas sonoras, movendo-se contra um íman e gerando corrente elétrica. Outro modelo amplamente utilizado é o microfone condensador , que contém uma membrana polarizada eletricamente. Quando esta vibra, provoca variações no fluxo elétrico, produzindo assim o sinal de áudio. Para funcionar corretamente, estes microfones necessitam de uma alimentação elétrica para manter a membrana polarizada, fornecida através do Phantom Power — uma função presente em interfaces e mesas de som que injeta 48 volts diretamente pelo cabo do microfone. O padrão polar de um microfone indica a sua resposta em relação ao ângulo da fonte sonora, determinando quais direções são melhor captadas e quais são rejeitadas. Existem essencialmente três tipos principais de padrões polares: 1. Omnidirecional – Como o próprio nome indica, capta o som de forma uniforme em todas as direções, sem distinção entre frente, traseira ou laterais. 2. Bidirecional (Figura de Oito) – Capta igualmente o som à frente e atrás do microfone, apresentando uma forte rejeição dos sons vindos dos lados. 3. Cardioide – O padrão mais comum, chamado assim pelo seu formato polar semelhante a um coração. Este microfone capta principalmente o som vindo da frente, com alguma rejeição nas laterais e quase total rejeição da parte traseira. Além destes, existem variações do padrão cardioide, como o wide cardioide (que oferece uma captação um pouco mais ampla) e o supercardioide (que apresenta maior rejeição lateral e uma leve captação traseira). 003 PRÉ- AMPLIFICADOR Um microfone, por si só, não gera um sinal com energia suficiente para ser utilizado em equipamentos de áudio. Para isso, é necessário um pré- amplificador, que aumenta o sinal de microfone (normalmente medido em miliVolts) para sinal de linha (medido em Volts). Além de amplificar o som, os pré- amplificadores oferecem outras funcionalidades importantes. Permitem ativar o Phantom Power, essencial para o funcionamento de microfones condensadores, e possibilitam a ligação direta de instrumentos musicais, como guitarras elétricas. Também podem incluir filtros para atenuar frequências graves indesejadas e a opção de inverter a polaridade do sinal, evitando problemas de fase em gravações multicanal. Atualmente, os pré-amplificadores estão integrados em diversos equipamentos de áudio, como mesas de mistura, interfaces de áudio e conversores, que serão abordados a seguir. INTERFACE & CONVERSOR Antes dos computadores serem capazes de processar e armazenar áudio, todos os processos de transformação e gravação do som eram feitos por máquinas analógicas, estas registavam a vibração do ar de forma equivalente, ou seja, o som era representado por um sinal elétrico, magnético ou mecânico que era diretamente proporcional ao sinal acústico. Agora, todo o processo é feito no meio digital dentro de um computador, mas para isso é necessário um conversor que descreva o sinal analógico de um microfone para código que o computador consiga entender. Como vimos antes, para obter esse sinal é necessário efetuar constantemente medições ao sinal analógico, mas essas medições podem ser feitas com velocidades e precisões diferentes. A taxa de amostragem (ou sample rate) determina a frequência com que é medida uma amostra. É necessária uma taxa superior ao dobro da frequência mais aguda que queremos captar, ou seja, se queremos captar 20 000Hz (limite da audição humana) teríamos de ter uma taxa de amostragem superior a 40 000, por isso é que se convencionou a taxa de amostragem de 44 100 (usado nos CDs) e 48 000. Outro parâmetro importante é a precisão com a amostra é calculada. Da mesma forma que se medirmos o tamanho de um lápis com uma régua com a escala em milímetros, conseguimos um resultado muito mais preciso do que se medirmos o mesmo lápis com uma régua com a escala em centímetros porque a primeira tem muitos mais intervalos e menos distância entre eles do que a segunda. O mesmo princípio pode ser aplicado na resolução (ou bit depth) que determina a quantidade de bits estipulados para medir a amostra. Um bit é simboliza um de dois estados possíveis: 0 ou 1. Por exemplo, com uma resolução de dois bits, conseguimos descrever quadro amostras possíveis (00, 01, 10 e 11). No áudio digital, normalmente é utilizada uma resolução de 16 bits, que permite uma escala com 65 000 intervalos possíveis. 004 DIGITAL AUDIO WORKSTATION Uma DAW é no fundo a aplicação que vai interagir com a interface e armazenar/processar o áudio convertido. Existem imensas no mercado com caraterísticas e especialidades diferentes, mas no fundo, todas desempenham a mesma função base – gravar, processar e reproduzir áudio. O mundo de processamento de áudio é gigante e constantemente a ser atualizado com novas formas de manipular o som, existem algumas categorias bastante exploradas como: filtros, compressores, delays e reverberação. As possibilidades são infinitas, cabe ao utilizador saber como utilizar as ferramentas para construir o som que idealiza. CONVERSOR D/A Depois de ser gravado e processado, o áudio precisa de regressar do universo digital ao mundo real. No entanto, antes de poder ser reproduzido por uma coluna, tem de ser convertido novamente em corrente elétrica. Essa conversão, conhecida como D/A (digital para analógica), é normalmente realizada pela mesma interface de áudio que faz a conversão A/D (analógica para digital). Neste processo, a interface reconstrói a forma de onda original a partir das amostras digitais armazenadas. Para garantir uma reprodução limpa e natural, é aplicado um filtro de suavização na saída, que elimina possíveis artefactos ou ruídos provocados pela "colagem" entre amostras — um efeito comum em sinais digitais. AUSCULTADORES COLUNAS & MONITORES No final da cadeia de sinal temos o nosso sistema de escuta normalmente composto por dois canais individuais, o que costumamos chamar o canal esquerdo e direito. Estes canais são endereçados para os nossos altifalantes que podem ser os nossos Headphones, as colunas do nosso portátil ou uns monitores. Apesar de parecerem muito diferentes o seu princípio de funcionamento é basicamente o mesmo, a corrente elétrica transmitida pelo conversor faz com que um íman no centro do cone se desloque na mesma proporção do sinal, fazendo com que o ar ao seu redor vibre criando som que pode ser captado pelos nossos ouvidos. Porém, existem enumeras formas de transmitir essa corrente elétrica para o altifalante. Um monitore de estúdio normalmente não tem só 1 altifalante porque o mesmo cone não consegue ter a potência necessária para deslocar o grande volume de ar necessário para reproduzir a frequências mais graves e ao mesmo tempo a rapidez necessária para criar frequências mais agudas. 005 Sendo assim, uma coluna pode se dividir em duas ou três vias para que cada altifalante tenha tamanhos diferentes otimizados para uma gama de frequências própria. Outro problema é que muitas vezes a saída do conversor não é potente o suficiente para fazer o altifalante vibrar, para isso é necessário um amplificador, esse amplificador pode já estar dentro do sistema da coluna, tornando-a ativa, ou pode ser necessário um amplificador externo tornando a coluna passiva. A vantagem de uma coluna ativa é que o fabricante normalmente constrói o amplificador adequado para todo o sistema, porém uma coluna passiva é mais barata e permite customizar o sistema com amplificadores diferentes dependendo do gosto do consumidor. BIBLIOGRAFIA Fonseca, N. (2011). Introdução à engenharia de som. FCA – Editora de Informática. Marques, M. (2013). Sistemas e técnicas de produção áudio. FCA – Editora de Informática. Roads, C. (1996). The computer music tutorial. The MIT Press. Rumsey, F., & McCormick, T. (2014). Sound and recording: Applications and theory (7th ed.). Focal Press. CONCLUSÕES Todo este processo é utilizado recorrentemente no nosso cotidiano, por exemplo, uma chamada telefónica utiliza um microfone para converter a pressão sonora da voz para impulsos elétricos, que são digitalizados por um conversor, processados para conseguirem ser transmitidos para outro dispositivo, e no final, convertidos novamente para poderem ser reproduzidos pelas colunas de outro telemóvel. A gravação e digitalização democratizou a produção musical, se depois desta leitura achares que precisas de investir grandes quantias para criar uma cadeia de sinal perfeita, olha em redor e explora a música que consegues criar só com o microfone e colunas do telemóvel ou computador. “Não existe um microfones bons ou maus, existem microfones caros e baratos” - Gustavo Almeida