Pedro Conteiro Pessanha Labirintoteca O Tempo e o Lugar da Construção do Leitor Experiência – Conceito – Sonoridades Sugestão de orientador: Ricardo Roclaw Basbaum Resumo: Ao longo da minha pesquisa e produção venho estudando o encontro do leitor com a palavra – o lugar onde esse encontro se dá e seus efeitos, na construção de sentido e de subjetividade. Essa pesquisa também me levou a explorar as diversas possibilidades de suporte e estruturação da palavra, particularmente o livro. A investigação proposta consiste no aprofundamento dessas questões, em um estudo teórico-prático, articulando uma genealogia delas na produção construtiva brasileira com a minha própria produção enquanto artista. Palavras-chave : Livro de Artista; Neoconcretismo; Poema/Processo Justificativa: O encontro crítico com a palavra e suas estruturas é estratégico para investidas artísticas e acadêmicas em países historicamente periféricos devido ao seu protagonismo como instrumento de difusão e produção de conhecimento. A problematização da forma e lugar da recepção da palavra, do contato que se tem com a escrita, em termos epistêmicos e artísticos, gera uma potência de renovação. Ao abordar o texto como matéria, manipulável e moldável, a partir da enzima que cada um traz consigo, podemos formular estruturas decoloniais, graças a sua consequente multiplicação de sentidos. Estruturas essas que serviriam como plataformas para novas construções de si. A negação do autor (e por consequência de uma enunciação anterior linear e inequívoca) capacita uma mudança de postura, de meros reprodutores a um lugar muito mais incisivo, de atores. E m todo livro existe uma possibilidade de abordagem prismática, de desdobramento, independente da vontade de quem o escreveu: a linguagem fala por si, a criação está nos olhos de quem lê Os esforços para a evocação desse leitor, que constrói um texto e é construído ao mesmo tempo, foram muitos ao longo da produção construtiva brasileira. Proponho nessa investigação um levantamento desses esforços e estratégias, uma análise de suas diferenças e confluências, assim como a elaboração de novas propostas que a atualizem e a levem adiante, botando o empenho em movimento e continuação. Desde a graduação, venho estudando e experimentando proposições que tragam a tona essa capacidade criadora do olho, a partir da palavra. Pretendo que essa pesquisa se dê como uma continuação desse caminho, em busca de uma voz própria, estruturada em uma escuta ativa. Objetivos: Levantamento bibliográfico sobre o encontro do leitor com a palavra e seus efeitos, na arte. Aprofundamento teórico em fenomenologia a partir de Merleau-Ponty. Estudo dos encontros possíveis da palavra com a arte a partir de Ricardo Basbaum. Investigação sobre a construção do sujeito na arte a partir de Tania Rivera. Estudo crítico sobre as estruturas da palavra, em particular o livro, a partir de Amir Brito- Cadôr, Paulo Silvera, Julio Plaza, Ulises Carrión e Clive Phillpot. Levantamento e análise crítica dos esforços que são atravessados pelas questões estudadas na arte construtiva brasileira, principalmente na obra de Ferreria Gullar, Lygia Pape, Wlademir Dias-Pino e Neide Sá. Visitas a bibliotecas com acervos de livros de artista, como o CCBB – RJ e o Museu de Arte do Rio, assim como conversas com seus gestores. Elaboração de propostas artísticas próprias que complementem e se articulem com as questões estudadas. Apresentação: Na virada do século XX, algo no estatuto da escrita parece mudar. A palavra, usualmente sujeita a uma mensagem única, um discurso linear de seu autor, passa por um processo emancipatório, ao ser dotada de independência no espaço e se tornar passível de outras aproximações de leitura: começa a falar por si. Roland Barthes, em seu texto A Morte do Autor , localiza o momento inicial histórico desse processo no poema Um Lance de Dados (1897) de Stéphane Mallarmé (1842-1898): “(;...) Mallarmé, sem dúvida o primeiro, viu e previu em toda a sua amplitude a necessidade de pôr a própria linguagem no lugar daquele que até então se supunha ser o seu proprietário; para ele, como para nós, é a linguagem que fala, não é o autor” (BARTHES, 2004, p. 59). O poeta francês é visto como precursor dessa troca de posições do autor pela própria matéria que ele manipula por explodir as palavras do seu poema ao longo de páginas duplas, deixando de integrar versos e passando a pautar momentos, aproximando-se de uma ideia de partitura. Ao livrar- se de um enfileiramento temporal único, assumindo o branco da página como elemento semântico, a linguagem toma a frente, possibilitando uma leitura prismática: o tempo se dilata e acelera, multiplicando-se os caminhos e os sentidos possíveis. As palavras criam relações entre si que vão além de seu mero encadeamento lógico, uma vez que dando-lhes espaço elas dão a ver algo de si que não aparece quando dispostas em fila. Barthes parece entender que dotar o escrito de um autor é como encerrá-lo em um momento sempre anterior, de expressão de um emissor fixo. Ao negar-lhe a anterioridade da escrita, algo parece acontecer na linguagem: “ninguém a diz: sua fonte, sua voz não é o verdadeiro lugar da escritura: é a leitura” (BARTHES, 2004, p. 63). Essa autonomia da palavra parece ter como consequência última um efeito, o surgimento do leitor. Tania Rivera, ao debruçar-se sobre esse fenômeno, anuncia uma interessante hipótese “na medida em que na liguagem estamos todos – não por acaso fala-se em língua materna: talvez a língua nos crie” (RIVERA, 2012, p. 73). Deparamo-nos com a ideia que não existe um sujeito anterior, que depois se depara com a palavra, e sim que esse se cria em um processo. “Em vez de pressupor o sujeito como origem, emissor da coisa linguagem, deve-se pensá-lo como efeito efêmero de certas operações de linguagem”(RIVERA, 2012, p.92). A partir da liberdade inaugurada em Mallarmé, de caminhar pela página e montar sua leitura, o leitor passa a ser aquele que constrói o texto, e, simultaneamente, se constrói no processo. Interessa-me, nessa investigação, procurar o espaço e o tempo dessa construção e elaborar estruturas que a ativem e tornem esse processo evidente. A esses espaços erráticos, abertos ao tempo e ao outro, proponho o nome de Labirintos. Seriam campos sem centro nem fim definidos, onde cada bifurcação é uma escolha capaz de criar sentido, de fazer surgir uma nova face da palavra que só dela poderia surgir quando aproximada enquanto caminho, independente de uma linearidade única. Propostas onde o tempo de leitura se dilate a ponto do leitor possa se perceber lendo. “Se perceber percebendo”, como diz Rivera ressoando a fenomenologia de Merleau-Ponty. Em suma, n ovas propostas de espaço para novas construções de si. O aparecimento da palavra no campo na arte se dá de várias formas, e pautadas por diversos tipos de relação, “seja a partir da produção de enunciados, em paralelo com a inovação visual (manifestos, textos de artistas, crítica de arte), seja a palavra tomando parte da construção visual da obra (desde o cubismo...) ou o texto que se quer como obra de arte (desde Marcel Duchamp...)” (BASBAUM, 2016, p. 24). Dentre todas essas manifestações, nos interessam aquelas engajadas na “criação de um espaço intensivo que envolverá ainda o fruidor, enquanto receptor criativo da obra”(BASBAUM, 2016, p. 24). Esses espaços construtivos parecem surgir como consequência de estruturas, máquinas, que, no seu funcionamento interno, tem como subproduto a produção de um campo e de um tempo para o leitor se construir, a partir da sua leitura. Se trata de um processo diagramático, se pensarmos que: “um diagrama pode implicar em transformações do espectador ao tomar parte, junto com um objeto de arte, de uma estratégia que o envolve em um processo de ativamento e participação (...) toda vez que o espectador é capturado pelo trabalho em um campo de intensidade, um diagrama pode ser traçado/desenhado, materializando este processo”(BASBAUM, 2016, p. 69-70). Essa função diagramática é interna às muitas estruturações possíveis da palavra na arte que se propõe construtiva. Dentre essas diversas estruturas, elegeremos uma em particular como base para essa investigação. Suportes tradicionais e históricos da palavra, os livros aparecem como um ponto de partida para minhas propostas de labirintos. Protagonistas da manifestação física da linguagem escrita na cultura material, eles trazem alguns privilégios sobre outras formas de registro das palavras, como por exemplo o “desdobramento simultâneo a nossos olhos daquilo que nossos ouvidos só poderiam captar sucessivamente” (BUTOR, 1974, p.214), o que permite uma sobreposição de tempos, tanto na página, sua unidade mínima, quanto na justaposição dessas, que traz a tona seu volume e o apresenta como coisa no mundo. No entanto, parto desse livro abordando criticamente sua sequencialidade, abandonando uma ideia de neutralidade do suporte, apontando sua autonomia e especificidade. Esse livro, crítico e específico a sua própria estrutura, é geralmente chamado de livro de artista. Ulises Carrión (1941- 1989), artista mexicano, os define como “obra que não pode existir de outro modo, a não ser no livro”(CARRIÓN, 2008, p. 169), ou seja, quando seu suporte é coincidente e indissociável de seu conteúdo. O mexicano, porém, não é o único a tentar defini-lo. A conceituação do que é um livro de artista se mantém em constante disputa. Paulo Silveira realizou um levantamento das diversas tentativas feitas ao longo do tempo em definir o que seria o livro de artista em A Página Violada – Da ternura à injúria na Construção do livro de artista. Muitas foram as aproximações possíveis, por se tratar de objetos com características heterogêneas, que flutuam entre diversos campos de conhecimento. Paulo acaba por decidir abraçar esse deslocamento constante: “Aqui encontramos o inesperado ponto de indefinição de limites onde esse trabalho tenta transitar. Ou seja, dentro do problema plástico que o uso com ou sem violação de um suporte tradicional suscita, existe outro problema subjacente a ele que é a definição do que a coisa é” (SILVEIRA, 2001, p. 31). O livro de artista aparece em um lugar fronteiriço, em movimento, que não se encaixa confortavelmente nem na biblioteca nem no museu, sempre entre, pois ele “transforma o texto em um acontecimento na página, e assim apaga as fronteiras que ainda existem entre as duas áreas. O próprio livro em questão é um híbrido, obra teórica e artística ao mesmo tempo”(CÂDOR, 2016, p.296). Não interessa a essa investigação, portanto, enrijecer e espremer o que seriam os livros de artista em uma única definição. Até porque a nomenclatura em questão traz dificuldades para a investigação proposta aqui, uma vez que ela resgata a centralidade da autoria, de um sujeito artista anterior que define o livro – e nesse sentido, se insere na contramão do processo emancipatório que a palavra e o livro trilham, pelo menos desde Mallarmé. Defendo, e trago isso como proposta metodológica, que em todo livro existe uma possibilidade de abordagem crítica, de desdobramento, independente da vontade de seu autor, estando essa potência nos olhos de quem lê . “ Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas ”(BORGES, 1981, p.93) . Trato esses objetos como coisa no mundo, matéria moldável, passíveis de leituras prismáticas, como as palavras na página de Um Lance de Dados . Prefiro chamá-los, simplesmente, de livros Tento trazer a tona essa capacidade criadora do leitor no meu livro Navalha no Olho (2018), p rojeto final de graduação em Artes na UFF. Ele funciona como um manual de leitura, onde proponho uma instrumentalização do olhar, ao distribuir palavras e citações entre sólidos planificados e no espaço entre eles e convidando o leitor a montá-los. A espacialização da página, além de afastar a noção falsa de seu funcionamento em um plano virtual e neutro, dotada de uma imaterialidade que geralmente a ela atribuímos ao desprezarmos sua espessura, também permite novas leituras ao gerar ângulos novos. Seus vértices multiplicam as aproximações possíveis, podemos girar as palavras nas mãos e descobrir seus avessos, gerando tempos dilatados para a construção de sentido e de si. Carrión pensa os livros não como “um mostruário de palavras, nem um saco de palavras”, mas sim “uma sequência de espaços”, onde “cada um desses espaços é percebido em um momento diferente – um livro é também uma sequência de momentos” (CARRIÓN, 2011, p.5). O virar de páginas, a percepção e manipulação ativa desses momentos, seriam, justamente, um espaço no tempo estratégico para a construção do leitor se dar. Podemos traçar um paralelo entre esse folhear com o corte da fita de moebius em Caminhando (1964), proposição de Lygia Clark (1920-1988), exemplo que Tania Rivera usa para ilustrar esse tempo construtivo: “o sujeito (...) se temporaliza, pondo-se em marcha como nada mais do que esse próprio ato e materializando-se como não mais que um sutil mas poderoso efeito de subversão espacial” (RIVERA, 2013, p. 33). A retomada contínua de um momento de criação, consequência dessa espacialização, é o motor da construção do leitor. Isso parece ecoar em ainda outras propostas dos movimentos construtivos brasileiros, em especial o neoconcreto. Vejamos o que diz o Manifesto Neoconcreto, de 1959, buscando se diferenciar de uma experiência gestaltiana de fruição que denunciavam na produção concreta paulista: “A Gestalt, sendo ainda uma psicologia causalista, também é insuficiente para nos fazer compreender esse fenômeno que dissolve o espaço e a forma como realidades causalmente determináveis e os dá como tempo - como espacialização da obra. Entenda-se por espacialização da obra o fato de que ela está sempre se fazendo presente, está sempre recomeçando o impulso que a gerou e de que ela era já a origem. E se essa descrição nos remete igualmente à experiência primeira - plena - do real, é que a arte neoconcreta não pretende nada menos que reacender essa experiência. A arte neoconcreta funda um novo ‘espaço’ expressivo” (GULLAR, 2007). Isso não é coincidência. O livro parece ocupar um espaço genealógico nas características participativas da produção do grupo. Ferreira Gullar (1930-2016), em “Experiência Neoconcreta”, introduz a ideia de que fruta (1959) , um de seus livro-poemas, teria sido a inspiração de Clark para fazer seus Bichos (1960-66) , não só porque suas “formas são semelhantes as dele”, mas também porque “trata-se nos dois casos de manusear o objeto para desvelá-lo, do mesmo modo que no livro- poema” (GULLAR, 2007, p.39). Ele procede, assumindo que “De fato, a origem da participação do espectador na obra não poderia ter sido mais natural e simples: nasceu do livro, que é, por definição, um objeto manuseável” (GULLAR, 2007, p.50). Mas não apenas em um lugar de origem aparecem os livros no neoconcretismo. Experimentações com sua estrutura são recorrentes ao longo da produção do grupo. Paulo Venancio afirma que “ em nenhum outro lugar do mundo, como foi no ano de 1959 ou em qualquer outro, o livro tenha estado em tão alto grau de reavaliação e transformação e ocupando uma centralidade única como na arte brasileira do período ” (VENANCIO FILHO, 2012, p.217). Desse ano são os Livros-Poema (1959) , de Gullar, descritos pelo próprio como “a tentativa de usar a página (o livro) como um elemento interior ao poema. Nesta experiência, poema e livro não mantêm entre si uma relação meramente circunstancial, mas estão de tal modo integrados que é impossível distingui-los: poema e livro nascem num só e mesmo ato, uma vez que o impulso que determina as palavras e sua posição na página determina também o formato da página e os cortes” (GULLAR apud PONTUAL, 1971 p.201-202). No mesmo ano que Gullar os desenvolvia, Lygia Pape (1927-2004) concebe um livro que se apresenta como chave singular para toda a proposição neoconcreta, O Livro da Criação (1959) Pape, ao deixar as páginas do seu livro dispersas no espaço, concede-lhe um caráter montável, gerando espécie de jogo cujo fim não é outro senão a construção, que ao “recriar o livro criando a si próprio, a sua própria gênese; a experiência primeira (...) é, metaforicamente, a Biblia neoconcreta – Biblia invertida, digamos assim; não do Criador, mas da criatura. (...) Não é improvável que esteja aí, de forma livre, uma nova propedêutica, uma inventiva pedagogia de uma meta-leitura” (VENANCIO FILHO, 2012, p. 218) De novo, se perceber percebendo. Mas não é apenas no neoconcretismo que essa ênfase na construção do leitor e no uso crítico da estrutura do livro se manifestou no Brasil. Wlademir Dias-Pino (1927-2018), antes ainda de Pape e Gullar, lançava o livro A Ave (1956) , onde “inaugura uma interatividade diversa entre leitor e poema e nos convida a elaborar novas versões da obra, uma vez apreendida sua lógica de funcionamento” (CAMARA, 2015, p. 13). O livro explora suas condições materiais, sua leitura se dá através da transparência das páginas, as relações possíveis entre as palavras e seus códigos, como um programa: “o interessante para mim não era que a pessoa encontrasse o livro pronto, (...) é preferível que ela leia a estrutura e reconstrua o processo” (DIAS-PINO, 2015. p. 13). Antes vinculado ao movimento da poesia concreta, Dias-Pino vai singularizando sua produção ao estabelecer uma diferenciação entre poesia e poema, na busca de abarcar outras dimensões, além das verbais, para dentro de sua estrutura a fim de capacitar novas leituras. “A poesia era, então, tomada como um conceito abstrato, enquanto o poema era ressaltado por seu aspecto material, tátil, passível de ser manipulado, rasgado, notado pela possibilidade da transformação, manipulação e processo. (...) Nesta ocasião, o sentido da palavra poema foi ampliado a tal ponto que se pode designá-lo como um objeto, um procedimento (...) a partir do seu pensamento estrutural em relação ao espaço. (NOBREGA, 2017, p. 12)”. O Movimento Poema/Processo, baseado a partir desses postulados, trazia a tona o lugar e o tempo ( no poema e em processo ) da construção de uma leitura. Outra artista desse movimento, Neide Sá (1940-), foi autora de diversas proposições que buscavam evocar esse processo. Os livros vazados , série desenvolvida pela artista a partir dos anos 70, eram constituídos de folhas de papel cartão coloridas com pequenas incisões, que quando eram sobrepostas davam “origem a formas geométricas vazadas de modo que as formas de uma página se inter-relacionam com formas de outras páginas, originando assim múltiplas possibilidades de leitura” (MARGUTTI, 2014, p. 80). A artista parece interessada justamente na estruturação desse campo onde essa leitura se torna possível, diz ela: “O que me fascina na expressão geométrica é a malha, a estrutura virtual que dá as coordenadas para a criação de formas no espaço” (SÁ, 2014, p.80). Cabe a essa investigação indagar as diferentes estratégias desses artistas para engajar a construção do leitor através de estruturas específicas, articulando essa pesquisa com proposições próprias, que botam essas engrenagens em movimento. VOO (2019), que desenvolvi durante a residência Carmen Portinho, na Galeria Desvio, é um exemplo desse processo na minha produção artística. Consiste em três cubos de papel que levitam dentro de um cilindro de vidro graças ao vento gerado por ventiladores portáteis. O primeiro e o último cubo tem as vogais A e E distribuídas por suas faces, enquanto o cubo do meio conta com as consoantes V, S e R. As palavras se formam e transformam no ar, deixando de existir logo após o leitor conseguir capturá-las, dando lugar a outras. De fato, as palavras nunca se dão de uma vez, formando-se sempre em processo . A formulação de sentido depende da carga que o leitor traz consigo, a partir de uma leitura ativa. Essa, como outras das minhas propostas, tem como objetivo último a ativação de uma postura permanentemente crítica e atuante por parte do leitor, que, ao se perceber criador, nunca mais será o mesmo: “Como uma armadilha, quando te pega pelo pé, ao te soltar fica uma marca, para sempre. Eu quero isso. Um arranhar, um osso quebrado, a alma alarmada” (PAPE, 2011,p. 209). Um processo que se perpetua pelo contágio. Labirintoteca consiste na elaboração e materialização de uma coleção de arapucas para novas construções textuais e subjetivas, uma série de livros que não se encerram em si, mantendo-se em eterno estado de desdobramento, a partir de contínuos encontros com outros olhos, expostos a ativos recortes e construções. Hipótese: A investigação busca oferecer uma análise crítica da experiência que o leitor tem com a palavra, assim como suas estruturações possíveis e as investidas históricas na arte construtiva brasileira que a evoquem, buscando as atualizar em proposições artísticas próprias. Acreditando que o livro seja um objeto que ocupa politicamente uma centralidade na produção e difusão de conhecimento na arte, ao mesmo tempo que aparece como origem da participação ativa no neoconcretismo e no poema/processo, mostra-se necessário um estudo analítico e propostas para sua ressignificação. Aposta-se que esse processo seja essencial para uma produção de arte brasileira engajada em sua descolonização. Metodologia: A investigação pretende se debruçar sobre o encontro do leitor com a palavra e seus efeitos, a partir de aprofundamento teórico sobre a fenomenologia, a partir de Merleau-Ponty; as relações possíveis entre palavra e arte a partir de Ricardo Basbaum; a construção do sujeito na arte a partir de Tania Rivera, assim como suas estruturas possíveis, em particular o livro, a partir de Amir Brito- Cadôr, Paulo Silvera, Julio Plaza, Ulises Carrión e Clive Phillpot. É de intenção dessa pesquisa que seu tema de estudo influencie também seu método. Nos aproximaremos da bibliografia estudada com uma posição de apropriação, de encontro e leitura ativa. Ao destacarmos e pormos em relação palavras oriundas de contextos diferentes, geramos entre elas uma combinação que desdobra um sentido que ultrapassa sua mera soma. Como em um ideograma, em que “em que a justaposição de elementos produz um novo sentido que não estava em nenhum dos elementos isolados” (CADÔR, 2016, p. 49)”, a produção textual dessa investigação pretende afirmar sua postura de criação. Propostas artísticas sairão de indagações e vias que da pesquisa possam vir a surgir, botando em movimento os questionamentos levantados, complementando e entrecruzando o texto. O levantamento da produção atravessada pelas questões de interesse dessa pesquisa ao longo da arte construtiva brasileira, principalmente na produção de Ligia Pape, Ferreira Gullar, Wlademir Dias-Pino e Neide Sá, assim como a análise de suas confluências e diferenças, também faz parte das intenções dessa investigação. Essa parte da pesquisa será complementada com visitas a bibliotecas com acervo de livros de artista, como o CCBB-RJ e o Museu de Arte do Rio, assim como conversas com seus dirigentes. Cronograma: 1 o Semestre: - Levantamento bibliográfico - Leitura e aprofundamento teórico dos autores escolhidos. - Visita a bibliotecas com acervo de livros de artistas, consequente ampliação do conhecimento de obras que dialoguem com as questões estudadas. - Conversa com os dirigentes institucionais das bibliotecas. - Articulação da produção artística histórica levantada com a bibliografia estudada. - Atividades curriculares. 2 o Semestre: - Continuação do levantamento bibliográfico e leitura de seus autores. - A partir dos encontros gerados, início de uma produção textual. - Elaborar uma linha central para a escrita da dissertação. - Fase de elaboração das propostas artísticas práticas. - Atividades curriculares. 3 o Semestre: - A partir da qualificação e das orientações subsequentes, pensar uma estrutura textual da dissertação que se alinhe e complemente o seu próprio tema. - Fase prática das propostas autorais. - A partir da materialização das propostas artísticas, pensar como elas se articularão com a parte textual da pesquisa. - Redação da dissertação. - Atividades curriculares. 4 o Semestre: - Redação da dissertação. - Revisão da dissertação. - Defesa. Bibliografia: BASBAUM, Ricardo. Além da Pureza Visual. Porto Alegre: Zouk Editora, 2016. BARTHES, Roland. A Morte do Autor . In: O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BORGES, Jorge Luis. Camões, por Jorge Luis Borges . São Paulo: Estado de São Paulo, 19 de abril de 1981, pag. 93. BUTOR, Michel. O Livro como Objeto. In Repertório. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. CADÔR, Amir Brito. O Livro de Artista e a Enciclopédia Visual. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. CAMARA, Rogério. Poesia/Poema. In CAMARA, Rogério; MARTINS, Priscilla (Org.). Poesia/Poema – Wlademir Dias-Pino. Brasília: Estereográfica, 2015. CARRIÓN, Ulises. Quant aux livres . Genève: Héros-Limite, 2008. CARRIÓN, Ulises. A Nova Arte de Fazer Livros . Belo Horizonte: C/ Arte, 2011. DIAS-PINO, Wlademir. Poesia/Poema. In CAMARA, Rogério; MARTINS, Priscilla (Org.). Poesia/Poema – Wlademir Dias-Pino. Brasília: Estereográfica, 2015. FENOLLOSA, Ernest e POUND, Ezra. The Chinese Written Character as a Medium for Poetry Nova York: City Lights Publishers, 2001 GULLAR, Ferreira. Experiência Neoconcreta. São Paulo: Cosac Naify, 2007. GULLAR, Ferreira apud PONTUAL, Roberto. O livro, livre Revista de Cultura Vozes, no. 3, abril de 1971. MARGUTTI, Mário. Do Poema Visual ao Objeto-Poema. Rio de Janeiro: Lacre, 2014. NOBREGA, Gustavo (Org.). Poema/Processo: Uma Vanguarda Semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2017. PAPE, Lygia. A Chave do Livro. In Lygia Pape: Espacio Imantado. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2011. RIVERA, Tania. Hélio Oiticica e a Arquitetura do Sujeito. Niterói: Editora da UFF, 2012. RIVERA, Tania. O Avesso do Imaginário. São Paulo: Cosac Naify, 2013. SÁ, Neide. In MARGUTTI, Mário. Do Poema Visual ao Objeto-Poema. Rio de Janeiro: Lacre, 2014. SILVEIRA, Paulo A Página Violada – Da ternura à injúria na Construção do livro de artista. Rio Grande do Sul: UFRGS Editora , 2001. VENANCIO FILHO, Paulo. Recriação do Livro. In Lygia Pape: Espacio Imantado. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2011.