A Voz de JORNAL DEFENSOR DOS INTERESSES DA VILA DE PAÇO DE ARCOS E DAS LOCALIDADES CIRCUNDANTES FUNDADO EM 1979 POR ARMANDO GARCIA, JOAQUIM COUTINHO E VÍTOR FARIA Diretor: José Manuel Marreiro | Bimestral | N.º 60, Agosto de 2025 DISTRIBUIÇÃO GRATUÍTA ROBERTES ROBERTES & EMA & EMA AMOR COM PIANO AO FUNDO AMOR COM PIANO AO FUNDO 2 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 FICHA TÉCNICA ESTATUTO EDITORIAL 1 – A VPA é um jornal bimestral de informação geral na área da cultura e da língua portuguesa, em particular na defesa dos interesses dos habitantes da vila de Paço de Arcos e das localidades circundantes. 2 – A VPA pretende valorizar todas as formas de criação e os próprios criadores, divulgando as suas obras. 3 – A VPA defende todas as liberdades, em particular as de informação, expressão e criação. Ao mesmo tempo, afirma-se independente de quaisquer forças económicas e políticas, grupos, lóbis, orientações, e pretende contribuir para uma visão humanista do mundo, para a capacidade de diálogo e o espírito crítico dos seus leitores. 4 – A VPA recusa quaisquer formas de elitismo e visa compatibilizar a qualidade com a divulgação, para levar a informação e a cultura ao maior número possível de pessoas. Propriedade: Associação Cultural “A Voz de Paço de Arcos” Sede: Rua Thomaz de Mello nº4 B 2770-167 Paço de Arcos Direção: Presidente - José M. R. Marreiro; Tesoureiro - Cândido Vintém; Secretário - Luís Amorim Redação: Rua Thomaz de Mello nº4 B 2770- 167 Paço de Arcos E-mail: avozpacoarcos@gmail.com N.I.F.- 513600493 | E.R.C. nº 126726 Depósito Legal: 61244/92 Diretor: José M. R. Marreiro Coord. Edição Online: Renato Batisteli Pinto Coord. Edição Papel: Margarida Almeida Editor: Jorge Chichorro Rodrigues E-mail: jchichorro@avozdepacodearcos.org Sede do Editor: Rua Thomaz de Mello nº4 B 2770-167 Paço de Arcos Revisão: Luís Amorim E-mail: luisamorimeditions@gmail.com Impressão: www.artipol.net Sede do impressor: Rua da Barrosinha, n.º 160 | Barrosinha Apartado 3051 | 3750-742 Segadães, Águeda Portugal Colaboradores: Adelaide Gardete; Andrés Sosa; Ângela Álvares; Carlos Albuquerque; Catulina Guerreiro; Eduardo Barata; Elsa Santos; Francisco Capelo; Graciela Candeias; Helga Aveleiro; Isabel Barata; Jorge C. Rodrigues; José Martins; José Marreiro; Luís Álvares; Luís Amorim; Margarida Almeida; Mário Matta e Silva; Marta Oliveira; Robertes Araújo; Paulo Ferreira; Rui Carvalho; Sílvia Lopes; Tiago Miranda Fotografia: António Passaporte, José Mendonça, Luís Amorim, Margarida Almeida, Idalete Madeira, Renato Batisteli e Tiago Miranda Capa: Robertes Araújo e Ema Lee; foto do arquivo de família Paginação: Andreia Pereira Tiragem: 2000 exemplares Online: avozdepacodearcos.org E-mail: info@avozdepacodearcos.org Publicidade: josemarreiro@gmail.com Tel. : 919 071 841 (José Marreiro) Diretor Honorário: José Serrão de Faria Sub diretora Honorária: Maria Aguiar Foto da capa - Arquivo da família 3 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 EDITORIAL A nossa bela vila de Paço de Arcos recebe no tempo estival as Festas do Senhor Jesus dos Navegan- tes que, estando a comemorar 150 anos de existência, decorreram este ano de 22 a 31 de agosto. Estas Festas são bem uma prova do dinamismo cultural da vila e do seu apego à tradição; assinale-se também a ligação destas Festas ao mar, que faz parte da alma de Paço de Arcos. Este ano, como já é tradição, o programa incluiu uma ver - tente cultural e outra religiosa, tendo sido realizadas duas procissões, uma delas noturna. Houve, no dia da Procissão do Mar, este ano na tarde de domingo, 31 de agosto, a tradicional bênção das embarca - ções no rio Tejo que, como sempre, atraiu um “mar” de gente. Registe-se também, entre as efeméri- des realizadas no concelho, as Festas de Laveiras-Caxias, a decorrerem entre 6 e 21 de setembro. O evento Operafest teve três concertos em Caxias, no Convento da Cartuxa, tendo-se destacado entre as peças apresentadas, a ópera “La Traviata”. Neste nosso número, no texto “Um Verão em Paço de Arcos”, são feitas refe - rências ao Palácio Bessone, na Quinta do Relógio, em Paço de Arcos. Situado sobre o mar, com uma vista privilegiada sobre o litoral lisboeta, mesmo frente aonde hoje passa a linha do comboio, o nobre edifício, frequentado por nobres e poetas, tinha uma torre do relógio e um jardim “com um barco de mogno de 20 metros de comprimento, adornado com incrusta - ções de bronze.” Sem dúvida, este Palácio muito honra a vila histórica de Paço de Arcos, que felizmente tem um patrimó- nio arquitetónico digno de nota, e por isso há quem diga que é “a mais charmosa vila de Portugal”. Refira-se, nesta edição, a entrevista “Concerto a quatro mãos”, feita ao pia- nista Robertes Araújo, de 95 anos, e à sua esposa, Ema Lee, também pianista, duas figuras, sem dúvida, merecedoras da nossa admiração. Por fim, diga-se que estão previstos para breve, eventos promovidos pela Associa - ção Cultural “A Voz de Paço de Arcos”, como é o caso da homenagem a José de Castro, no dia 25 de outubro, na Escola Secundária Luís de Freitas Branco e, em novembro, um evento no mercado de Paço de Arcos. Jorge Chichorro Rodrigues A LIBERDADE DE LER “A VOZ DE PAÇO DE ARCOS” NO FORMATO DIGITAL Digitalize o código ou aceda a avozdepacodearcos.org LEIA - ASSINE - COMPARTILHE 4 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 FESTAS EM HONRA DO SR. JESUS DOS NAVEGANTES A s tradicionais Festas em Honra do Sr. Jesus dos Navegantes voltaram, pela 150ª vez a animar a Vila de Paço de Arcos. A Igreja apresentou o seu programa, come - morações religiosas no seu interior, missas e procissões no exterior. A União de fre - guesias de Oeiras, Paço de Arcos e Caxias (UFOPAC) com a colaboração da Câmara Municipal de Oeiras (CMO) elaborou um vasto programa de atividades culturais e de lazer com a participação de várias entida - des da sociedade civil. Os Bombeiros Voluntários de Paço de Arcos, o Clube Desportivo de Paço de Ar - cos, as Escolas de Dança e de Condução, entre outras associações da União de Fre- guesias (UFOPAC), deram especial brilho às festividades. A Homenagem ao Patrão Lopes com a deposição de coroas de flores ao seu Monu- mento e a romagem ao seu túmulo contou com a participação do Presidente da CMO e da Presidente da UFOPAC, e de elemen- tos dos respetivos executivos. Igualmente presentes, como é habitual, familiares e amigos do homenageado e representantes de outras entidades locais. Vários artistas contribuíram, com as suas actuações, para engrandecer as festas, en - tusiasmando os milhares de frequentado- res locais e os “forasteiros” que vieram de outras localidades do concelho ou do país. O habitual e apreciado fogo de artificio Grande animação na vila de Paço de Arcos 5 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 levou ao rubro o entusiasmo dos milhares de apreciadores destes espetáculos de luz e música que se despediram até ao próximo ano. Realizaram-se muitos outros eventos diversifi- cados, igualmente bas - tante participados. Na impossibilidade de os referir a todos – o Pro - grama foi amplamente difundido - referimos di- versas actividades infan - tis: espetáculos, pinturas faciais, actividades cívi - cas de Protecção Civil. Para os mais crescidos, Workshops de dança, espetáculos musicais, demonstrações de dife - rentes modalidades des - portivas, actuação de Tunas Académicas, DJs, as habituais actuações de nomes fortes da música popular como Quim Barreiros e Toy, uma festa da Lusofonia, com comidas típicas de Cabo Verde, Brasil, Portugal, etc. A variedade de eventos foi muito abrangente, estamos certos de que a todos terá agradado. Até para o ano que vem! Voltaremos a en - contrar-nos de novo com saúde e boa dis - posição para celebrar a vida e para honrar a nossa bela Vila de Paço de Arcos. José Marreiro Fotos de José Mendonça e Renato Batisteli 6 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 CAMINHOS V amos hoje percorrer os nossos CAMINHOS partindo do Largo D. Leonor Faria Gomes, ex - Largo da Estação de Paço de Arcos. Atravessando a linha do caminho de ferro, rumamos à Rua Conde das Alcá - çovas, onde nos deparamos com o pe - rigoso espetáculo proporcionado pelas correrias dos passageiros que preten- dem apanhar o autocarro que, após várias manobras na mini rotunda, se prepara para arrancar em direção ao seu destino. Esta imagem, perigosa e degradan - te, mantêm-se há anos, dificultando o trânsito que atravessa o local, prove- niente de Caxias, ou de Paço de Arcos para Caxias, que, sobretudo, nas horas de ponta é bastante intenso. Para quando o terminal de camio- nagem que depois de se confirmar a impossibilidade de ter o seu lugar no PIPA (Plano In- tegrado de Paço de Arcos), e cujo espaço está ocu - pado por um parque de esta- cionamento da Parques Tejo? No início da rua temos um restau - rante japonês, o Hanghover, e ao lado a churrasqueira A Grelha d’Arcos. Na esquina seguinte, Do largo da estação até ao Bairro Fonte de Maio 7 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 a pastelaria e restaurante Queques da Linha, que é uma referência na zona. Prosseguimos e na esquina seguin- te temos a antiga escola primária do bairro Fonte de Maio, que foi desati- vada e as instalações entregues a uma instituição de carácter social, a Ajuda de Mãe, que presta apoio às mães com manifestas necessidades económicas e familiares, e aos seus filhos. As valên - cias de destaque são berçário, infantá- rio e creche. Descemos a Rua Conde de S. Januá- rio até à Rua Fonte de Maio onde, na esquina com a Rua João Augusto Mo- reira, encontramos a FONTE que dá o nome à rua e ao bairro. Continuamos a descer a Rua Fonte de Maio e encontramos à nossa direita o restaurante Orquídea Azul, e depois, já na esquina, o Lar O Teu Ninho. Estamos na Rua Lino de Assunção, em frente à entrada para a estação do caminho de ferro, à nossa esquerda, o caminho para a zona alta de Paço de Arcos e a ligação a Caxias. Tomamos a Rua Armando Cortez, logo à esquerda uma pastelaria/restau- rante, num edifício de grandes dimen - sões de escritórios e habitação, onde está a empresa de fisioterapia, a Fisio- control, e no fim da rua, o restaurante/ 8 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 esplanada Espaço In Café e o cabelei - reiro LK. Na esquina com a Rua Fonte de Maio, temos o antigo e típico restaurante O Beco, com a sua esplanada interior que é muito apreciada, sobretudo agora no Verão. Voltamos, portanto, à Rua Fonte de Maio, e deparamo-nos com a antiga casa da quinta, há muitos anos desocu- pada, abandonada, em estado avança - do de degradação, e que segundo nos constou vai ser entre - gue, finalmente, ao antigo ocupante, pelo tribunal que dirimiu a questão perante o interesse manifestado por ter outros preten - dentes à proprieda - de, após décadas de abandono por parte da antiga proprietária. Esperemos, então, que em breve possa- mos ver aquela ruína recuperada. Ao lado, no terreno anexo à referida casa, temos um parque de estaciona- mento, gratuito, em boa hora construí - do pela CMO. E assim, chegamos ao topo ocidental do antigo e importante bairro da Vila de Paço de Arcos, o Bairro da Fonte de Maio, que percorremos e ficamos a co- nhecer através das suas lojas e demais serviços que aqui são prestados à po- pulação. Por hoje ficamos por aqui, voltare- mos ao vosso contato com novo CA - MINHOS, no próximo número, entre- tanto, manifestamos o nosso desejo de boas férias com muitas e boas leituras. Texto: José Marreiro Fotografia: José Mendonça CAMINHOS 9 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 ENTREVISTA - ROBERTES ARAÚJO & EMA LEE E ste concerto a quatro mãos traduz- -se numa entrevista a dois distintos pianistas. Ele chama-se José Antó- nio Robertes Araújo Pereira ( RA ), 95 anos, uma vivacidade e vontade de aprender in - saciáveis. Ela chama-se Ema de Melo Lee Ferreira Araújo Pereira ( EL ), 80 anos, doce mas firme, uma memória e cultura notá- veis. Os sublinhados correspondem aos seus nomes artísticos. Duas vidas intensas, plenas, delas have - ria tanto para dizer: os seus valores sóli - dos, o amor/dor pelas vicissitudes dos que amam, a defesa firme da qualidade versus mediocridade, críticos acérrimos da boça - lidade de alguma comunicação social... Uma cumplicidade profunda une o casal: um expressa uma ideia e logo o outro a completa. Ema, mais nova 15 anos do que o marido, é uma cuidadora atenta a po - tenciais ameaças à sua saúde já frágil. Nos espaços onde ele actua - ainda toca pia- no para quem gosta de o ouvir - antevê a corrente de ar perigosa, a janela aberta que pode de- saguar numa constipação... Ema desen - cantada, as portas que não se abrem mais para o marido poder oferecer a ma - gia do seu pia - no ao público que ama. EL – Nasci em Lisboa, em 1945, perto do Largo do Rato, na Rua das Amoreiras. De sete irmãos, sou a mais nova. Uma infância feliz, normal. O apelido Lee vem-me da minha avó inglesa que não conheci, mor- reu antes de eu ter nascido. É uma história de amor que aconteceu no tempo da mo- narquia. O meu avô era violinista na “Or- questra Real”, na corte do Rei D. Carlos de Bragança, ali conheceu a minha avó – Ema Lee -, uma das perceptoras dos pequenos Príncipes: D. Luís Filipe de Bragança e D. Manuel II, último rei de Portugal. AVPA – Uma história de amor com in - gredientes para um romance histórico, um avô violinista na corte de uma dinastia que vivia os últimos dias, uma avó perceptora dos jovens príncipes que teriam um desti- no trágico. Os dois apaixonam-se, casam, têm sete filhos, sete netos e aqui estamos nós a falar com uma ilustre descendente desse amor... AVPA – E nós, José? Fale-nos de si! (In- siste para o chamar José, custa-me horro- res, mas acabo por ceder...) RA – Nasci em Lisboa, em 1930, na Ave- nida Miguel Bombarda, a terceira trans - versal à Avenida da República. Não tenho irmãos nem irmãs, “je suis fils unique” (gosta de falar em francês, logo veremos o moti - vo!) AVPA – Menino mimado... ainda hoje a Concerto a quatro mãos Uma avô inglesa na Corte do Rei D. Carlos. Foto arquivo da família 10 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 Ema o mima muito... RA – De certa maneira sim, mas estou a falar da minha Mãe. Eu vivia com ela, com o meu Pai que era relojoeiro, com a mi- nha avó materna e uma senhora francesa chamada Jeanne Louise Henriette Paine, nascida em Le Havre, Normandia. Veio para Portugal aos 12 anos, os meus Pais tomaram conta dela. Foi a minha segun- da Mãe, ma seconde mère (comove-se, a voz embargada). Mais tarde, mudámos para a Parede, a conselho médico, aquela era a melhor zona de iodo do Mundo e eu tinha problemas ósseos. Um dia, Jeanne entrou em casa, transtornada, a chorar: “O Hitler vai para a frente...” Eram os dias de morte da 2ª guerra mundial, a França estava ocu- pada pelos nazis e ela a chorar, coitadita (comove-se como se tudo se tivesse passa- do ontem). Tive uma infância feliz, houve alguns pro- blemas que me marcaram. A minha avó materna tinha uma irmã mais nova, casada com um senhor de origem alemã. Viviam num palacete na Av. da República, nº 75, onde fui muitas vezes em criança. Ajuda - vam muito a minha avó porque o meu Pai, que queria ser médico, teve problemas na relojoaria (Relojoaria Suíça). Um acidente vazou-lhe um olho, desfez-lhe a carreira médica, ele não nasceu para ser gestor... ODE Á ALEGRIA (1) AVPA – Como surgiu a paixão pela mú- sica na vida de cada um vós? Vocação, in- fluência familiar? EL – Tudo começou na infância. Resi- díamos perto da Fundação Musical “Os Amigos das Crianças” , fundada pela vio - loncelista Adriana de Vecchi, formada pelo método de Montessori . Benemérita e pedagoga condecorada por vários gover - nos, dedicou-se ao ensino da música para crianças sem recursos e que não pagavam mensalidade, inovando com métodos me - nos rígidos, mais livres. “Os Amigos das Crianças” assumiram um papel pioneiro no ensino musical infantil em Portugal, formando gerações de músicos clássicos, alguns integraram orquestras nacionais, outros seguiram o ensino de música. Foi ali que me formei musicalmente, através de um método simples, umas tabuinhas para aprendermos as notas. Escolhi o piano e não o violoncelo, mais tarde arrependi-me porque o violoncelo permitia mais facilmente ser integrada numa orquestra, ter uma remuneração re- gular. O piano é um instrumento isolado, é mais difícil, ou se é concertista ou, no meu caso, fui acompanhante musical em aulas de ballet Sou muito grata a esta Instituição extraor - dinária: ali fiz o Curso de Educação Musi- cal, de Piano e Ballet (sete anos, incluindo audições). Saí dos “Amigos das Crianças”, a famí - lia mudou-se para o Algueirão, era difícil manter as aulas em Lisboa. Passei a ter au - “O melhor do mundo são as crianças.” (Fer- nando Pessoa) - Ema com o neto Tomás - Foto arquivo da família ENTREVISTA - ROBERTES ARAÚJO & EMA LEE 11 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 las particulares de piano. As minhas irmãs eram alunas da Margarida Abreu , coreógrafa e professora de dança, consi - derada a Mãe do ballet clássico em Portugal, juntei-me ao gru- po, aprendi muito. Depois, ingressei na Acade - mia dos Amadores de Música. Vivia perto do Estoril e fiz figu- ração dançada no Teatro Ex - perimental de Cascais, dirigi - do pelo saudoso Carlos Avilez, designadamente nas “Bodas de Sangue”, de García Lorca e na peça “O Comissário de Polícia”. Conheci muito gente, queria fazer teatro dançado. Inscrevi-me no Conservatório Nacional de Teatro. As minhas duas irmãs – os outros eram rapazes – morreram já, com a doença de Alzheimer. Fiz tudo o que me foi possível para suavizar os seus últimos dias, fui cui - dadora a tempo inteiro. MARIA BARROSO - RESISTÊNCIA NO FEMININO AVPA – Ema l eccionou 27 anos , no Co- légio Moderno , como pianista das aulas de ballet . Maria Barroso, durante os lon - gos anos de ditadura, assumiu sozinha a direcção da Instituição, (o marido ora es- tava preso, ora estava exilado). Trabalhou arduamente para manter de pé o Colégio da família e conseguiu! De aparência frágil, de onde lhe viria aque- la força telúrica? Perseguida, vigiada 24 ho- ras por dia pela PIDE, dois filhos menores para criar, nunca vacilou. Que impressão guarda do Colégio e, especificamente, de Maria Barroso? EL – A frequência do curso de piano até ao 6º ano n o Con- servatório Nacional , com os professores Olga Prats e Helena Matos, abriu-me portas, enri- queceu a minha formação. Co- mecei a leccionar no Colégio em 1989, se não me engano. Na épo- ca, Maria Barroso acompanha - va o marido que era Presidente da República, mas quando os compromissos oficiais lho per- mitiam, estava sempre presente. Chegámos a falar as duas sobre a mediocridade que reinava nu- ma certa comunicação social, mas ela pouco podia fazer... Era um conceituado colégio So - bre a Dra. Maria Barroso, direi que era um amor, uma mulher muito para a frente, podíamos falar com ela, sempre aberta para nos ouvir. Quando ingressei, a Directora era a filha, Isabel Soares, mais reservada, mais distante! Tenho uma fo - tografia com a Dra. Maria Barroso, numa festa no colégio. Eu era pianista nas aulas de ballet , fazia os arranjos para os bailados. Foi o acaso que me levou para aquela casa: soube que estavam a recrutar uma pianista de ballet , falei com a Ana Manjericão (pio- neira do ballet em Portugal, trabalhámos juntas 12 anos!). Expliquei que queria sair, candidatei-me e ali fiquei 27 anos... RA – A música em casa dos meus Pais era como respirar. Tínhamos piano, a mi - nha mãe e a minha avó não eram a Valenti - na Lisitsa, mas sabiam ler música (pianista clássica ucraniana, iniciou os estudos aos 3 anos, realizou o seu primeiro recital a solo aos 4 anos). Achava piada ao piano, Ema e Maria Barroso na festa do colégio Moderno - Foto arquivo de família 12 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 comecei a “tocar” com os meus dedinhos, tinha para aí uns três anos... Com o tempo, continuei a tocar no meu piano (os meus filhos já o destruíram). Era um piano verti- cal, acústico, não era um piano electrónico como o que tenho hoje... AVPA – O som é muito diferente... RA – O piano acústico é outra coisa! (Pe- la entoação, pelas pausas, deduzo que fala do parente rico e do parente pobre). Tem que se ligar à corrente, não se afina, está tudo dito! O piano acústico tem um som mais rico, mais robusto, uma ressonância profunda, tem mais força! AVPA – Pianistas portugueses favori- tos? RA – O Sequeira da Costa! Ouviu-me tocar no Bar do Hotel Sheraton, “ Clair de lune ”, uma peça para piano de Claude De - bussy. Bateu-me palmas, deu-me alguns conselhos que agradeci; o Sérgio Varela Cid, foi ouvir-me no Hotel Palácio do Es- toril, coitadito, teve um fim trágico... Uma noite estava a tocar no Muchaxo, um frag - mento de uma peça de Mozart. A Maria João Pires ouviu-me, passou por mim e sorriu-me. Falámos um pouco. Uns dias mais tarde voltou, olhei para ela e resolvi tocar “Consolação” n.3 de Liszt! Na parte final – vingança dos deuses - mandei uma fífia monumental. Olhei para ela, ficou im- passível, nem um só músculo do seu rosto mexeu... toquei várias vezes para o Chico Buarque, convidava-nos para os seus es- pectáculos. Tenho centenas de histórias que poderia contar... O Mário Laginha é do jazz , mas tem uma educação musical como deve ser. O Jorge Moyano, ouvi-o to- car Rhapsody in Blue , de George Gershwin. Ui, que interpretação... Comecei a estudar a Rhapsody , a Ema conhece o Moyano, fo - ram colegas, nos “Amigos das Crianças”. E o Bernardo Sassetti, que perda imensa... A Ema acrescenta ainda o nome de Maria João Pires. O casal é apaixonado por Cho- pin, Mozart, Debussy, Schumann ( O entar- decer ), Franz Liszt... Robertes Araújo aprecia José Mário Bran- co, ama José Afonso. Conta, com a voz embargada pela recordação daquele dia negro, que foi a Setúbal ao funeral; eu di- go-lhe da tristeza que vivi naquele dia 24 de Fevereiro de 1987, arranjei uma “menti- rola” no emprego, e estive em Setúbal até ao último momento. Em todas as ruas, ecoava a “ Balada de Outono ”: Águas das fontes calai / Ó ribeiras chorai / que eu não volto a cantar... Rios que vão dar ao mar/ Deixem meus olhos secar (...). Parecia que o som irrompia do chão... AVPA – Ser pianista estava escrito nas estrelas... RA – Na Parede, a minha Mãe conheceu um senhor que fazia parte de conjuntos musicais. Ouviu-me tocar, gostou, e aí vou eu tocar no Blue Star (as bandas da época). Ema e Robertes tocando piano no Muchaxo Foto de Margarida Maria Almeida ENTREVISTA - ROBERTES ARAÚJO & EMA LEE 13 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 Toquei com o basco “Shegundo Galarza”, tenho ali livros em basco, sei dizer umas palavrinhas... AVPA – Depois fez-se ao mundo por sua conta e risco ! EL – Tocou nos grandes hotéis da época; no Fénix, no Ritz, no Sana Lisboa, no Hotel Palácio do Estoril; no Sheraton, tocou du- rante 12 anos... “ Panorama Bar, no topo do mais alto edi- fício da capital, o Hotel Sheraton , (...) desfruta-se o som aprazível de um pianista com provas dadas, Robertes Araújo que não se limita a fazer músi- ca ambiente, procurando fazer mais, criar ambiente! Artista do gradual e do subtil, estabelece, sem intromis- são, o convívio entre as pessoas. A sua versatilidade é um excelente cartão de visita para quem o escuta e quem vai (ouvi-lo) ao Panorama Bar promete voltar” - 1983, folheto publicitário. RA – Estudei na Faculdade de Econo- mia, fui economista, trabalhava na Portu - gal Telecom. Depois, deixei as economias e dediquei-me a tempo inteiro ao piano. CANÇÃO DE EMBALAR (2) EL – Foi bem mais feliz com o piano, era essa a sua paixão, não sei como é que aguentava trabalhar tanto... tantos filhos, cuidar deles pela manhã! Há as Mães gali - nha, ele foi um autêntico Pai Galo! RA – Tive 10 filhos, todos da mesma Mãe, coitadita. Já morreram três. Dois eram pequeninos. O último foi um soco no estômago, foi há um ano, com 67 anos de idade... foi o maior soco no estômago da minha vida. Chamava-se Fernando, bom rapaz. Tenho sete filhos vivos. Ele não dava importância à saúde, aos médicos! Tenho um filho que vive da música, o Frederico, também é pianista! Tenho três raparigas, quatro rapazes, sete netos, nenhum bisne- to. Falo com as minhas netas e digo-lhes: vocês têm um superpoder: transformar - -me em bisavô! Riem muito com este meu pedido... AVPA – E a Ema? Tenho duas filhas e 4 netos. A mais velha tem três meninas, duas são gémeas, a mais nova tem um rapaz. AVPA – Uma família alargada e harmo- niosa potencia a felicidade... RA – Quando fiz 95 anos, juntei a malta toda na Estalagem do Muchaxo: os meus e os dela! Que alegria! Quando começo no gozo, a dizer que têm que me promover a bisavô, ai Jesus... (ri divertidíssimo, um riso de menino ma- landro!) AVPA – Vamos falar de amor, do vosso ... EL – Era pianista no Muchaxo, há cerca de um ano. O pianista residente foi em - bora e eu perguntei se podia substituí-lo. Aceitaram-me, foi um enorme desafio porque não tocava música ligeira ( bole - ros , cha-cha-cha , salsa ), o meu reportório era clássico. Temos a ideia errada de que quem tem o curso superior de piano sabe Bolo de aniversário dos 95 anos de Robertes Foto Arquivo de família 14 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 tocar tudo: não é verdade! Temos que trei- nar, aperfeiçoar o estilo. Com o Robertes, aprendi muito, foi uma nova etapa, a da música ligeira! Tocava piano para o jet set que frequentavam a selecta Estalagem do Muchaxo (a nobreza europeia, artistas in- ternacionais, políticos, homens da alta fi- nança, que nos fitam das fotografias espa- lhadas pelo bar. Em todas elas, orgulhoso, Tony o proprietário!) Passa ali a história dos anos 60, 70... Como nos conhecemos? Um belo dia, o José meteu-se no seu Volkswagenzinho velhote , foi até ao Muchaxo, encostou- se ao balcão do bar e... RA – Posso explicar ? AVPA – Somos duas, dizemos que não, aquele era o momento da Ema, foi ali que se conheceram, ela a tocar piano, ele curioso por ver uma mulher pianista. Aconteceu o eterno “ Era uma vez ...” EL – Sim, mas intensificou-se quando nos conhecemos melhor. AVPA – É normal que assim seja! Ele era giro, charmoso? EL – Era giro e ainda é! As gargalhadas de José ecoam pelo pequeno apartamen- to. Rimos os três... LOVE OF MY LIFE (3) AVPA – José, o que é que o atraiu na se- nhora pianista? RA – Quis saber quem era ela. Descobri a idade, que trabalhava no Colégio Mo- derno... A Estalagem O Muchaxo ainda hoje é parte importante na história de amor que nos liga, há três décadas. Olhe, apaixonei-me! Foi um amor, foi uma coisa doida, uma coisa doida... Ouvi-a tocar, pensei: ei lá, que é isto? Ela tocava algumas músicas como eu, disse - -lhe que também era pianista. Tocámos juntos. E eu saí-me com esta frase “histó- rica”: Simpatizo consigo (Riem os dois, numa cumplicidade contagiante...). A Ema disse que aquele “simpatizo” teve muito impacto, na época os sentimentos, as palavras eram contidas, tímidas... AVPA – Entretanto, Ema senta-se ao piano, toca Chopin, um dos composito - res queridos do casal. O mar entra por ali dentro, ocupa o espaço todo! Tanta bele - za, o geyser a funcionar , o casario cuidado, os barcos no rio. A casa podia até ser um palacete na Ilha Grega de Santorini, mas tenho uma certeza: o piano será sempre a personagem central no espaço que ha- bitam ! José inicia os dias às 07.00 horas da ma- nhã, com as suas pianadas (tocar piano). Continua a compor regularmente. Faz poemas, também regulamente. Na pre- sente edição do nosso Jornal publicamos, com orgulho, o seu poema “ Balada para um sem-abrigo !”. Outros se seguirão... Naquela casa, há pianadas , de manhã à Robertes e Ema em Oeiras, a seguir ao almoço dos 91 anos, de Robertes em 2021 - Foto arquivo da família ENTREVISTA - ROBERTES ARAÚJO & EMA LEE 15 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 noite, 365 dias por ano! RA – Calma, deixe-me voltar atrás, àquele dia primeiro, a menina Ema dei- xou o Muchaxo, no carro de um cava - lheiro. E eu não gostei nada: “Olá... que é isto?” Uns dias depois, ligou-me, trata- va-se de um amigo. Uf! Que alívio! Não casámos logo: a minha mulher, mãe dos meus 10 filhos, era doente. Casámos, eu teria 25 anos, ela era lindíssima. Tinha um transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), episódios depressivos. Foi internada em casas de saúde, não dormia. Nunca soube da Ema. Respeitei-a sempre, só depois de ela partir é que casámos. AVPA – José comove-se, várias vezes, ao longo da entrevista, é sensível. Tem uma grande vivacidade, riso fácil, sentido de humor desconcertante, uma gargalhada sonora. Modesto, não diz os nomes de quem acompanhou ao piano, os progra- mas de TV em que participou, as celebri- dades que o quiseram ao seu lado: Júlio Isidro, Thilo Krasmann, Simone de Oli - veira, no programa “Piano Bar”, o tempo tudo relativiza. O entardecer encantatório do fim de uma tarde de verão entra pelas janelas, distrai-nos... José diz que tudo o que sabe, o deve à Academia dos Amadores de Música de Lisboa, dirigida por um génio chamado Fernando Lopes - Graça ! AVPA – A Ema entrou na sua vida, foi uma revolução... RA – Ah, ah! Mudou muito, a nossa vi - da... AVPA – Está tudo bem: tem uma mulher extraordinária ao seu lado, cuida de si, é uma exímia pianista. Que mais querer? Agora, o tempo é todinho para a Ema falar da sua vida profissional, da sua ligação ao piano, ao ballet , ao teatro, às artes... EL – Frequentei aulas de ballet no Estú - dio de Águeda Senna, conceituada baila- rina e notável coreógrafa; frequentei aulas de ballet no Teatro Nacional de São Car- los; frequentei também o curso de teatro no Conservatório Nacional. Estudei com a Manuela Varella Cid, bai - larina, coreógrafa e professora de ballet clássico, fundadora do Grupo Experimen - tal de Ballet que esteve na génese do Ballet Gulbenkian. Fui acompanhante musical de exames de ballet da Royal Academy of Dancing , uma honra! Frequentei o curso de piano, 6 anos, no Conservatório Nacional, com as pro- fessoras Olga Prats e Helena Matos. No Conservatório Nacional, frequentei também o Curso de Teatro e Ballet Fui professora na Escola de Dança de Lisboa, do Conservatório Nacional. Fiz concertos em vários auditórios, acompa - nhamento ao piano e arranjos da minha responsabilidade Esta experiência ser - viu-me como trampolim, outras portas se abriram. Ema Lee e Robertes Araújo - Foto Margarida Maria Almeida 16 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 Na verdade, vivia num sufoco - estudar piano, porque tinha que fazer exame. Tea- tro, ballet , era demasiado! Casei, tive duas filhas e optei definitivamente pelo piano. Amei fazer teatro, fazer ballet . Não sei se esta escolha pelas artes tem a ver com a tradição da minha família, lá em casa des - prezávamos a mediocridade de certa co - municação social... AVPA – Robertes Araújo está consciente das suas capacidades, continua a tocar em público; sei que gostaria muito de tocar mais profissionalmente, eventos culturais do concelho de Oeiras... Quem sabe? Fa- la-se tanto de novas oportunidades para os menos jovens: se ao menos o ouvissem para terem uma ideia. Não é uma Maria João Pires, também não é o Grigory Soko- lov ... AVPA – O José nasceu anos depois da 1ª Grande Guerra, os dois atravessaram, jo - vens ainda, a barbárie da 2ª Guerra Mun - dial. Vivemos hoje conflitos sangrentos em larga escala – cerca de 50, um pouco por toda a parte. Há esperança num mun - do melhor? EL – Não sei, gostaria de dizer que sim! Tenho muito receio das alterações climáti - cas, das suas consequências! Há demasia- das ameaças no ar... RA – A esperança existe sempre... mas com muitos, muitos receios... AVPA – E a música? Como a definem? O que representa para a Humanidade? EL – A Música modela o espírito, trans- porta-nos para uma dimensão supe- rior... RA – Agnóstico confesso (diz de ime- diato, a voz embargada pela emoção): A música é a voz de Deus! Acrescenta, de improviso: A Música É imensa! É imensa! Tem o seu próprio valor Com poucas notas apenas Produz Beleza e Amor! AVPA – José, desejamos que continue a deliciar-se com “Os Maias” de Eça de Queiroz, que está a reler com um entu- siasmo tão grande! Ema, desejamos que consiga concretizar todos os seus sonhos, que tenha muitos anos felizes junto do Homem da Sua Vida. Em nome do Jornal “A Voz de Paço de Ar- cos”, um imenso OBRIGADO à Ema, ao José, por tanta generosidade, por tantos ensinamentos! Margarida Maria Almeida (escreve de acordo com a antiga ortografia) Balada para um sem-abrigo Chegou a noite Ouvi o vento bater no vidro da minha janela e os pingos da chuva caindo na vidraça embaciada. Sei que há frio, mas mal o sinto pois tenho bons cobertores e até um aquecedor. e tu, homem da cidade que vives na rua gelada A ti dedico esta balada Meu infeliz camarada. Robertes Araújo ENTREVISTA - ROBERTES ARAÚJO & EMA LEE 17 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 MEMÓRIAS ODE A OEIRAS Memórias de lugares e sensações que vi e senti em forma de viagem “ Não faças muitos planos para a vida pois a vida pode ter os seus planos para ti” já dizia Agostinho da Silva. Citando David Mourão Ferreira “E por vezes as noites durou meses, e por vezes os meses oceanos, e por vezes podemos encontrar em nós, em poucos meses o que a vida nos fez em tantos anos” e aqui em Oeiras surgiram caminhos, de forma inesperada e todas as viagens tem um início. E a Vós partilho esta viagem através dos apontamentos da minha alma. Era uma vez a Susana e a dona Lour - des, duas Mulheres extraordinárias na alma e sapiência, que movidas pela mís- tica de Lima de Freitas, precursor na uni- ficação da Arte e Ciência, se conheceram na icónica Livraria Municipal Verney. E por dessa amizade, meses depois, foi me apresentada uma oportunidade, a resposta foi sim com profunda gratidão, vir trabalhar dois meses em Oeiras no verão. “E tudo vale a pena quando a alma não é pequena” e a minha missão seria cui- dar de sábia Anciã Senhora Helena. Pensava eu que Oeiras seria uma vila elitista, mas estava tão enganada aqui vi- bra o espírito humanista. Comecei a recordar Coimbra e a mi - nha mocidade e a resgatar o idealismo do qual tinha tanta saudade. Ao passear pela vila observo traços, de tradição familiar, em moradias lado a lado seja na casa da Maria Hele - na e Maria Isabel ou do Fernando e Eduardo. Antes de chegar à praia de Santo Ama - ro, encontro o Teatro Independente ainda nenhuma peça assisti, mas ficou claro. Temas polémicos com espírito ir - reverente. Ao atravessar o túnel pintado em tons de mar, geralmente encontros crianças, a doce Infância, ao fundo a torre de Bugio inspira o momento para fotografar e co - meço a sentir a presença do mar na sua fragrância. Chego ao intenso Passeio Marítimo na companhia da minha solitude ao pre - senciar tanta actividade é legítimo afir- mar, caminhar ou correr da saúde. Avisto o areal colorido com as cores de várias instituições, crianças felizes neste tempo prometido criam memórias ao longo de gerações. Oeiras defende e age em nome de inte - gração através do projeto praia acessível a pensar nos que têm dificuldades na lo- comoção, com recursos tomar banho no mar torna-se possível. Devagar devagarinho vou fazendo por vezes o caminho e neste ritmo posso en - contrar um cão para lhe fazer um cari - nho. 18 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 Na parede de uma estrutura centená- ria avisto quadros da universidade in- centivando ao espírito crítico consciên - cia e solidariedade. Afasto-me um pouco para contemplar o Forte, um dos vários que se avista no passeio pela marginal, invocando tem - pos em que entre vida e morte se defen- deu a independência de Portugal. A próxima paragem é o complexo Ina - tel, com atividades para todas e qualquer idade, permitindo que sonhos outrora no papel se transformem em momentos e férias com qualidade. Estou a chegar ao porto de Recreio de Oeiras “o regaço a que regressa depois de todas as tempestades” passear pela Marina é um privilégio e diria mesmo, é medicina. Contemplo a praia da Torre e o Mar Profundo, mas se olho para o lado, área militar, acesso reservado nas minhas costas, ali imponente na Terra imagino que os problemas do mundo estão a ser debatidos pelos senhores da guerra, sus - piro... Desejamos a Paz não um ultimato, mas Cinciberlant recordas o poder que tem a NATO. Agora o caminho pelo passeio maríti - mo é diferente e Oeiras convida a viajar até 1975 e ao verão quente e no caminho até Paço d’Arcos este mural é sem dúvida um dos seus marcos. Sentido respeito ao avistar o passeio da Democracia, retratos de luta poder sangue ideais e Utopia. Mas nas viagens feitas, na rotina mati - nal, nem todos os caminhos me levam. A Marginal de Oeiras tem lindas e perfu - madas flores, no seu Jardim e é um privi- légio, estar tão perto de mim e dos ideais de democracia. Recuamos até ao esplen - dor da Monarquia, o Jardim do Palácio do Marquês de Pombal referência arqui- tectónica a nível nacional, aí caminhei perdida no tempo e na hora a analisar a história e arte, e, também a Flora. Levo poemas na mão, e desejo um lu - gar descobrir, a tão aclamada e mística Cascata dos Poetas aí envolvida na ener - gia, ao ler pude sentir as palavras ganha - rem vida e a voarem como setas. E neste jardim entre estátuas, bustos e recantos, muito há para ver, mas ine - briada pelo aroma no ar fui até adega do MEMÓRIAS 19 Jornal A Voz de Paço de Arcos | 3ª Série | N.º 59 Agosto 2025 Marquês e o vinho Car- cavelos conhecer. Percorri o caminho onde em barricas de car - valho está a envelhecer, mas quem diria que no farol do Bugio o proces - so também pode aconte - cer, de volta ao presente, Oeiras Valley é a marca que envolve empreende- dorismo, como Centro de inovação científico e Tecnológico mas em Oeiras também há um complexo Ar - queológico e o nome que nos vem logo a ideia o povoado pré-histórico em Leceia. Volvidos 30 anos da sua existência, pela primeira vez no Parque dos Poetas, fui caminhar, cada poema que lia conec- tava-me a sua essência, em êxtase fui no regaço de Florbela me encontrar. Levantado do chão um poema, em for - ma de folha, todo eufórico voou do par - que dos poetas até ao centro histórico ouviu dizer que aqui não se fala de equa- ções ou teoremas e que há uma árvore cujas folhas são poemas. De repente, no silêncio, ouve-se um grito lá para os lados do Palácio do Egito, vem sentir a revolução e traz um cravo na mão. Sou um ser de introspeção, rituais e gosto de, ao Domingo, participar na Eu - caristia é um compromisso que faço co- migo, aqui, no interior da igreja Matriz encontrei e paz e fui feliz. Em frente à igreja vejo corações por isso és a rua dos amores a abençoar ca - samentos, uniões com a beleza da suas cores. No largo, à porta da Ga- tafunho, oiço uma garga - lhada. Miúdos e graúdos a escutar uma história, uma manhã familiar animada daquelas que ficam na memória. Caminho junto ao car - ro blindado agradeço estar ali parado houve tempos em que o Chai- mite em ação foi impor um limite. E a alguns passos, qua- se que encostado, encontra se em Oeiras o seu Mercado, aos sábados pela manhã acontece algo muito especial é o mo - mento de Confraternização da Tertúlia Cultural. Foi em Julho, dos avós o seu dia o pri- meiro que aqui entrei, para ler Poesia. E depois desta viagem cheguei aqui e agora já vai longa a mensagem, está a chegar a hora não podia esta viagem/ contemplação encerrar sem mencionar profunda gratidão todos os poemas que escutei de vós com tanto sentimento não vão encontrar na distância terra fértil para o esquecimento. Aqui senti o calor humano na forma como fui recebida, nos afectos não há engano, nutrem laços para a Vida. A Poesia saiu a rua, é de todos, ela é mi - nha ela é tua, Oeiras tem o coro de San - to Amaro que tem uma missão especial, transmitir esperança, amparo, ao dese - jar, a todos, um B