u ̨ 8 b ÿ ̨ Filodebate u Temporada 2, Episódio 9 A Ditadura Militar Existiu? Brasil 1964–1985: Fatos e Interpretações Olavo de Carvalho vs. Marco Antonio Villa „ Olavo de Carvalho Filósofo e Escritor 1948–2022 Marco Antonio Villa Historiador Ditadura à Brasileira Acesse Nossos Canais Å YouTube @Filodebates } Telegram t.me/DebateIAs Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Análise por Filodebates © 2025 ORCID: 0009-0009-6962-0797 2 Sumário Sumário Sumário 1 Abertura 3 0.1. 1964: Golpe, Revolução, Crise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 0.2. O Que É, Afinal, “Ditadura”? Definindo os Termos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 0.3. Repressão, Números e “Brandura” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 0.4. Luta Armada, Democracia e Quem “Venceu” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 0.5. MDB, Arena e a Transição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 0.6. Voltando à Pergunta: A Ditadura Militar Existiu? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 1. Fechamento do Debate 27 2. Sínteses em Confronto 28 3. Placar Analítico Final 30 3.1. Justificativa do Veredito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 4. Questionário de Avaliação 32 Gabaritos Comentados 43 Referências Bibliográficas 54 1 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Nota Metodológica Es t e documen t o ap r esen t a uma r econs tr ução d i a l é ti ca baseada em t e xt os , a rti gos e ví deos de O l a v o de Ca rv a l ho e Ma r co A n t on i o Vill a . Tr a t a - se de um deba t e h i po t é ti co que con fr on t a as pos i ções de ambos sobre o período 1964–1985. • As falas de Olavo são baseadas em seus artigos, livros e transcrições de vídeos; • As falas de Villa são baseadas em seu livro Ditadura à Brasileira e entrevistas; • Onde há incerteza documental, isso é explicitado; • Erros inerentes de cada autor são preservados, não corrigidos, mas contextualizados. Ma t e ri a l sup l emen t a r — como os áud i os do Supe ri o r Tri buna l M ilit a r — é c l a r amen t e dema r cado e não atribuído aos debatedores. 2 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Abertura D u r an t e mu it o t empo , f a l a r em “ d it adu r a m ilit a r” no B r as il pa r ec i a co i sa pac ífi ca : de 1 96 4 a 1 98 5, pon t o Mas não é bem ass i m Há quem chame 1 96 4 de “r e v o l ução r eden t o r a ”, há quem negue que t enha ha vi do d it adu r a ou d i ga que , se hou v e , f o i “ b r anda ” dema i s O u tr os i ns i s t em em “ 2 1 anos de trevas” sem distinções internas. Nos ú lti mos qua r en t a anos , o ace rv o documen t a l c r esceu eno r memen t e En tr e 1 9 7 9 e 1 98 5, o p r o j e t o “ B r as il: Nunca Ma i s ” cop i ou , às escond i das , 711 p r ocessos da J us ti ça M ilit a r — ce r ca de um m il hão de pág i nas de au t os , i n t e rr oga t ó ri os , l audos méd i cos , sen t enças , t odos p r oduz i dos pe l os p r óp ri os ó r gãos do r eg i me Em 2 014, a Com i ssão Nac i ona l da V e r dade r esponsab ili zou cen t enas de agen t es po r vi o l ações de d ir e it os humanos e mapeou dezenas de centros de tortura. Material Documental Recente Ma i s de dez m il ho r as de áud i os de sessões do Supe ri o r Tri buna l M ilit a r, gua r dadas desde os anos 1 9 70, começa r am a vir a púb li co Em uma sessão de 2 4 de j unho de 1 9 77, o gene r a l Rod ri go O c t á vi o , m i n i s tr o do S T M , r e l a t a o caso de uma mu l he r g r á vi da de tr ês meses que abo rt ou após choques e l é tri cos na gen it á li a no DO I- C OD I, e pede i nqué rit o : “t a i s acusações , a meu v e r, de v em se r de vi damen t e apu r adas ”. Em ou tr a sessão , de 1 3 de ou t ub r o de 1 9 7 6 , o m i n i s tr o Wa l dema r T o rr es da Cos t a a fir ma : “ Começo a ac r ed it a r nessas t o rt u r as po r que j á há p r eceden t e ”. Um a l m ir an t e , J ú li o de Sá B i e rr enbach , f a l a de “i nd iví duos co v a r des ” que espancam p r esos Um r e vi so r adm it e , em 1 9 7 6 : “ E l es apanham mesmo ... ou a gente confessa ou entra no pau”. Esses documen t os não são pan fl e t os da opos i ção ; são f a l as de gene r a i s , a l m ir an t es , b ri gade ir os , ministros de tribunal superior militar, registradas em fitas. † Os Debatedores O l a v o de Ca rv a l ho (1 9 4 8 – 2 0 22 ): F il óso f o e esc rit o r b r as il e ir o D esen v o lv eu aná li se p r óp ri a do pe rí odo m ilit a r, d i s ti ngu i ndo qua tr o “r eg i mes ” d i s ti n t os e c riti cando t an t o a “f a l s ifi cação esque r d i s t a ” quan t o a apologia militar tosca. Ma r co A n t on i o Vill a : H i s t o ri ado r b r as il e ir o , au t o r de D it adu r a à B r as il e ir a e J ango : um pe rfil P r opõe o conce it o de “ d it adu r a à b r as il e ir a ” pa r a o pe rí odo 1 968 –1 9 7 8 , r ecusando t an t o a na rr a tiv a de “ 2 1 anos idênticos” quanto a negação da existência de ditadura. 3 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? ° A Pergunta Central “ A d it adu r a m ilit a r e xi s ti u ? Sob r e t udo o l hando pa r a 1 96 4: aqu il o f o i um go l pe que i ns t au r ou uma ditadura? Ou alguma outra coisa?” O deba t e e x põe o con flit o en tr e duas l e it u r as d i s ti n t as do pe rí odo , ambas c ríti cas da h i s t o ri og r a fi a dominante, mas por razões diferentes. 4 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? ̨ ̨ Tragada 1 1964: Golpe, Revolução, Crise „ Olavo de Carvalho Se hou v e na h i s t ó ri a da A mé ri ca L a ti na um ep i sód i o su i gene ri s , f o i a Re v o l ução de Ma r ço — ou , se qu i se r em , o go l pe de ab ril — de 1 96 4. Numa década em que gue rril has e a t en t ados espouca v am po r t oda pa rt e , seques tr os e bombas e r am pa rt e do co ti d i ano e a ascensão do comun i smo pa r ec i a irr es i s tív e l, o ma i o r esquema r e v o l uc i oná ri o j á mon t ado pe l a esque r da nes t e con ti nen t e f o i desman t e l ado da no it e para o dia e sem qualquer derramamento de sangue. Pa r a en t ende r 1 96 4, é p r ec i so começa r sepa r ando duas co i sas : o go l pe que de rr ubou J oão G ou l a rt e o r eg i me que v e i o depo i s Q uan t o à de rr ubada de J ango , eu d i go , t e xt ua l men t e : “ Con tr a o p ri me ir o desses atos, nada se pode alegar de sério.” J oão G ou l a rt acobe rt a v a a i n t e rv enção a r mada de Cuba no B r as il desde 1 96 1, es ti mu l a v a a d ivi são nas Fo r ças A r madas pa r a p r o v oca r gue rr a c ivil, des r espe it a v a c i n i camen t e a Cons tit u i ção e e l e v a v a os gastos públicos até as nuvens, provocando uma inflação que reduzia o povo à miséria. A de rr ubada do p r es i den t e f o i um a t o l eg íti mo , apo i ado pe l o Cong r esso e po r t oda a op i n i ão púb li ca , e x p r essa na Ma r cha da Fam íli a com D eus pe l a Li be r dade — ma i o r man if es t ação de massas da nossa história. 5 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? „ Olavo de Carvalho O go l pe não p r oduz i u d ir e t amen t e o r eg i me m ilit a r. Es t e f o i nascendo de uma sequênc i a de tr ans - f o r mações — quase “ go l pes i n t e r nos ” — cu j as consequênc i as n i nguém pode ri a p r e v e r em ma r ço de 1964. Na no it e de 3 1 de ma r ço pa r a 1 º de ab ril, uma mob ili zação m ilit a r me i o i mp r o vi sada b l oqueou as r uas , pôs a li de r ança esque r d i s t a pa r a co rr e r e i ns t au r ou um no v o r eg i me num pa í s de d i mensões con ti nen t a i s — sem que hou v esse , na g i gan t esca ope r ação , ma i s que duas víti mas : um es t udan t e ba l eado na pe r na ac i den t a l men t e po r um co l ega e o lí de r comun i s t a G r egó ri o Beze rr a , ma ltr a t ado po r soldados no Recife. O s m ilit a r es j ama i s f o r am os mons tr os que a esque r da os p i n t ou e t ambém j ama i s f o r am os li be rt ado r es do B r as il como e l es p r óp ri os se p i n t am O que acon t eceu f o i que lí de r es c ivi s como Ca rl os L ace r da , A dhema r de Ba rr os , A u r o Mou r a A nd r ade e ou tr os c ri a r am um mo vi men t o popu l a r que co l ocou nas ruas o maior protesto de massas que tinha havido até então. 6 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa Em 1 96 4 o B r as il não e r a um pa r a í so democ r á ti co ag r ed i do de f o r a , mas t ambém não e r a uma Cuba tr op i ca l p r es t es a nasce r. E r a um pa í s em r áp i da tr ans f o r mação — i ndus tri a li zação , ê x odo r u r a l, m i g r ação no r des ti na pa r a o Sudes t e , u r ban i zação ace l e r ada — com um s i s t ema po líti co i ncapaz de absorver esse mundo novo. Eu t ambém começo d i zendo que 1 96 4 não ca i u do céu O B r as il vi nha , desde 1 93 0, numa sequênc i a de c ri ses r eso lvi das fr equen t emen t e à ma r gem da o r dem cons tit uc i ona l. D esde 1 93 0, passamos po r Re v o l ução de 3 0, Cons tit u i ção de 3 4, Es t ado No v o em 3 7, t en t a tiv a de go l pe i n t eg r a li s t a em 38 , r edemoc r a ti zação em 45, c ri se de 54 com o su i c í d i o de V a r gas , c ri se de 55 com tr ês p r es i den t es em um mês , r enúnc i a de J ân i o em 6 1, pa rl amen t a ri smo de ocas i ão O E x é r c it o f unc i onou como espéc i e de “poder moderador” informal, sempre com a carta do golpe à mão. É f undamen t a l sepa r a r 1 96 4 da h i s t ó ri a da d it adu r a N i nguém em ma r ço - ab ril de 6 4 i mag i na v a um r eg i me de 2 1 anos A i n t e rv enção e r a vi s t a como de cu rtí ss i ma du r ação , com e l e i ção p r es i denc i a l p r og r amada pa r a 3 de ou t ub r o de 1 96 5 e t é r m i no do manda t o em 3 1 de j ane ir o de 1 966 — p r omessa feita por Castelo Branco em seu discurso de posse. 7 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa A G ue rr a F ri a e a p r esença de fi gu r as como Li nco l n G o r don e V e r non Wa lt e r s i n fl uenc i a r am a con j un t u r a , mas r ecuso a i de i a de que 6 4 t enha s i do um go l pe “f e it o pe l o i mpe ri a li smo ame ri cano ”. Como conc l uo no livr o : “ No con j un t o dos acon t ec i men t os a pa rti c i pação do go v e r no ame ri cano f o i desp r ez ív e l, d iv e r samen t e do que r eza a l enda Os a t o r es po líti cos se mo v e r am pe l a d i nâm i ca i n t e r na e não como ’marionetes do imperialismo’.” O que d i go no livr o é que a democ r ac i a f o i go l peada à esque r da e à d ir e it a Ha vi a go l pes em p r epa r ação de t odos os l ados . 1 96 4 não ca i do céu É o r esu lt ado de uma tr ad i ção go l p i s t a que vi nha desde 1 889 A so l ução esco l h i da — i n t e rv enção m ilit a r com apo i o c ivil amp l o — não f o i a ún i ca poss ív e l, mas se inscreve nessa tradição triste de resolver crises políticas com tanques. 8 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? ̨ ̨ Tragada 2 O Que É, Afinal, “Ditadura”? Definindo os Termos Ü Contexto A n t es de d i ze r “ s i m ” ou “ não ”, os do i s d i scu t em o que en t endem po r d it adu r a O l a v o i ns i s t e em sepa r a r qua tr o pe rí odos . Vill a p r e f e r e f a l a r em f ases d i s ti n t as den tr o de um mesmo c i c l o c ivil- m ilit a r, com peso espec i a l pa r a o A I-5. A mbos , cu ri osamen t e , c riti cam os m ilit a r es a pa rtir de uma tr ad i ção comum : o positivismo. „ Olavo de Carvalho T udo o que t enho li do sob r e 1 96 4 se d ivi de en tr e : a ) f a l s ifi cação esque r d i s t a ; b ) apo l og i a t osca , sem critério. Toda essa bibliografia, somada, não tem valor intelectual nenhum. O u tr a con f usão bás i ca da “ h i s t ó ri a o fi c i a l” é f a l a r em “r eg i me m ilit a r” como se f osse um b l oco Eu escrevi isso com todas as letras: “Para esse trabalho, a exigência preliminar, até hoje negligenciada, é d i s ti ngu ir en tr e o go l pe que de rr ubou J oão G ou l a rt e o r eg i me que acabou po r p r e v a l ece r nos vi n t e anos segu i n t es . (. . . ) Na v e r dade , não hou v e um ’r eg i me m ilit a r’. Hou v e qua tr o r eg i mes , mu it o d if e r en t es entre si.” P ri me ir o , o r eg i me saneado r e mode r n i zado r de Cas t e l o B r anco Q uem d i sse r que , nesse pe rí odo , hou v e r es tri ção sé ri a à li be r dade , es t á men ti ndo Cas t e l o demo li u o esquema po líti co comun i s t a sem sufocar as liberdades públicas. Segundo , o pe rí odo de con f usão e op r essão que começa com Cos t a e S ilv a , p r ossegue na J un t a M ilit a r e cu l m i na no me i o do go v e r no Méd i c i: a í t emos , de f a t o , o auge da r ep r essão É aqu i que s it uo a “ditadura em sentido pleno”. T e r ce ir o , o pe rí odo Méd i c i p r op ri amen t e d it o : vit ó ri a con tr a a gue rril ha , t en t a tiv a fr acassada de r e t o r no à democ r ac i a e sucesso econôm i co es tr ondoso — o B r as il sobe da 4 6 ª pa r a a 8 ª econom i a do mundo. Médici foi o melhor administrador que já tivemos, apesar de mau político. Q ua rt o , a d i sso l ução do r eg i me , com G e i se l e F i gue ir edo : po líti ca econôm i ca soc i a li zan t e , co rr upção , inserção no eixo terceiro-mundista. 9 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? „ Olavo de Carvalho Sob r e a tr ad i ção i n t e l ec t ua l das nossas Fo r ças A r madas : e l as f o r am f o r madas desde o sécu l o 1 9 na men t a li dade pos itivi s t a A i de i a pos itivi s t a é a e xti nção da a tivi dade po líti ca e sua subs tit u i ção po r uma adm i n i s tr ação c i en tífi ca d it a t o ri a l com uma d it adu r a de t écn i cos e m ilit a r es Es t a é a dou tri na pos iti- vi s t a cen tr a l: e li m i na r a d i scussão po líti ca , li be r dade , d i scussão púb li ca e tr oca r t udo po r concepções técnicas e científicas impostas desde cima. O nde o pos itivi smo consegu i u se i mpo r, l ogo em segu i da f o i subs tit u í do pe l o comun i smo — e l e ab r e as po rt as pa r a o comun i smo O pos itivi smo não pode f aze r f ace ao comun i smo po r que e l e é o pa i do comun i smo E l e ab r e as po rt as pa r a o comun i smo , e l e t apa a boca da d ir e it a , dos conse rv ado r es , dos cristãos, e daí sobra o quê? O monopólio ideológico de esquerda, como aconteceu no Brasil. O s m ilit a r es en tr ega r am o pa í s à esque r da E a esque r da en t ão dom i nou o pa í s po r 3 5 anos , hum il hando os militares diariamente. 10 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa No meu livr o , eu t ambém r ecuso a na rr a tiv a t osca Não f o r am 2 1 anos de d it adu r a homogênea , nem f o r am 2 1 anos de “r e v o l ução r eden t o r a ”. O que tiv emos f o i uma “ d it adu r a à b r as il e ir a ”, com f ases distintas. Eu esc r e v o l ogo no i n í c i o : “ O r eg i me m ilit a r b r as il e ir o não f o i uma d it adu r a de 2 1 anos Não é poss ív e l chama r de d it adu r a o pe rí odo 1 96 4–1 968 ( a t é o A I-5), com t oda a mo vi men t ação po líti co - cu lt u r a l que ha vi a no pa í s Mu it o menos os anos 1 9 7 9 –1 98 5, com a L e i de A n i s ti a e as e l e i ções d ir e t as pa r a os governos estaduais em 1982. Que ditadura no mundo foi assim?” Mas i sso não que r d i ze r que 6 4– 68 t enha s i do um passe i o democ r á ti co No livr o , eu desço ao de t a l he dos a t os i ns tit uc i ona i s j us t amen t e pa r a mos tr a r essa g r adação O A I-1, de 9 de ab ril de 1 96 4, j á r ompe a l óg i ca cons tit uc i ona l c l áss i ca : no p r eâmbu l o , esc rit o po r F r anc i sco Campos , a “r e v o l ução vit o ri osa ” se p r oc l ama Pode r Cons tit u i n t e , ac i ma da p r óp ri a Cons tit u i ção de 1 9 4 6 Pe l o a rti go 7 º , suspende , po r se i s meses , as ga r an ti as de vit a li c i edade e es t ab ili dade , pe r m iti ndo dem i ssões , aposen t ado ri as e r e f o r mas “ med i an t e i n v es ti gação sumá ri a ”. O a rti go 10 º au t o ri za cassa r d ir e it os po líti cos po r dez anos e manda t os l eg i s l a tiv os , e x c l u i ndo qua l que r ap r ec i ação j ud i c i a l. Em do i s meses , 4.454 pessoas f o r am atingidas, 2.757 delas militares. 11 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa A g r ande ques t ão é : que d it adu r a t em e l e i ções no qua l a opos i ção ganha ? Em 1 96 5 tiv emos e l e i ções pa r a go v e r nado r es em 11 es t ados , e a opos i ção ganhou em do i s es t ados - cha v e : G uanaba r a e R i o de J ane ir o . Tiv emos e l e i ções em 66 , tiv emos e l e i ções em 68 Q ue d it adu r a t em passea t a dos Cem M il como tiv emos no R i o de J ane ir o ? Q ue d it adu r a t em os f es tiv a i s de mús i ca popu l a r que nós tiv emos no B r as il entre 64 e 68? O pe rí odo 6 4– 68 é uma comb i nação de au t o rit a ri smo com r esqu í c i os da o r dem democ r á ti ca da Constituição de 46. Então nós temos um mix que explica esse período. En tr e 1 968 e 1 9 7 8 , a í s i m , sob o A I-5, t emos o que chamo de “ d it adu r a à b r as il e ir a ” — “ uma das d it adu r as ma i s bem es tr u t u r adas da A mé ri ca L a ti na ”, mas com pecu li a ri dades : p r es i den t e podendo f echa r o Cong r esso , cassa r manda t os e d ir e it os po líti cos po r dez anos , i n t e rvir em es t ados , suspende r ga r an ti as de j u í zes , dec r e t a r r ecesso do Pa rl amen t o e go v e r na r po r dec r e t o -l e i. Po r ba ix o , um apa r e l ho r ep r ess iv o — DO I- C OD I, DO PS , O ban , SN I — que t o rt u r ou e ma t ou Mas t ambém f achada i ns tit uc i ona l ( Cong r esso , pa rti dos b i ná ri os , e l e i ções con tr o l adas ), es t a ti smo desen v o lvi men ti s t a , e x pansão de un iv e r s i dades e estatais. D e 1 9 7 9 a 1 98 5, t emos uma tr ans i ção t u t e l ada : L e i da A n i s ti a ap r o v ada pe l o p r óp ri o r eg i me , r eo r gan i za - ção pa rti dá ri a , e l e i ções d ir e t as es t adua i s , mas com Paco t e de A b ril, senado r b i ôn i co , Co l ég i o E l e it o r a l. Ainda era um regime de exceção, em decomposição, com elementos de democracia reaparecendo. 12 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? ̨ ̨ Tragada 3 Repressão, Números e “Brandura” E Material Suplementar — Não Atribuído aos Debatedores Fo i o p r óp ri o gene r a l Rod ri go O c t á vi o , em 1 9 77, quem desc r e v eu “t o rt u r as e se ví c i as das ma i s r equ i n t a - das ”. Fo i o m i n i s tr o A ma ríli o Sa l gado quem f a l ou , em 1 9 7 6 , de um p r eso que con f essou assa lt o t omando “ ma rt e l adas ”. Fo i Sob r a l P i n t o quem mos tr ou ao tri buna l l audo de méd i co m ilit a r a t es t ando t o rt u r a em cliente seu. Foi um revisor do STM quem disse, com todas as letras: “eles apanham mesmo”. Esses r eg i s tr os não r espondem , soz i nhos , a t odas as ques t ões po líti cas Mas t o r nam ma i s d ifí c il sus t en t a r que a repressão foi apenas um “nada estatístico”. „ Olavo de Carvalho A b i b li og r a fi a dom i nan t e d i sso lv eu a o ri g i na li dade do ep i sód i o de 6 4 numa sopa de l uga r es - comuns sob r e “vi o l ênc i a ” e “r ep r essão ”, en f a ti zando casos i so l ados e om iti ndo núme r os compa r a tiv os Eu esc r e vi que essa h i s t o ri og r a fi a “ consag r ou uma vi são i n v e rti da e ca ri ca t u r a l dos acon t ec i men t os , en f a ti zando a t é à demênc i a os f e it os s i ngu l a r es de vi o l ênc i a e om iti ndo s i s t ema ti camen t e os núme r os compa r a tiv os que mos tr a ri am — sem ab r anda r, é c l a r o , a sua f e i u r a mo r a l — a sua pe rf e it a i nocu i dade histórica.” Eu escrevi: “ O s trezentos esquerdistas mortos após o endurecimento repressivo com que os militares r esponde r am à r eação t e rr o ri s t a da esque r da , em 1 968 , r ep r esen t am uma t a x a de vi o l ênc i a bem modes t a pa r a um pa í s que u ltr apassa v a a cen t ena de m il hões de hab it an t es , p ri nc i pa l men t e quando compa r ada aos 17 m il d i ss i den t es assass i nados pe l o r eg i me cubano numa popu l ação qu i nze v ezes meno r. Com ma i s n iti dez a i nda , na nossa esca l a demog r á fi ca , os do i s m il p ri s i one ir os po líti cos que chega r am a hab it a r os nossos cá r ce r es f o r am ri go r osamen t e um nada , em compa r ação com os 100 m il que aba rr o t a v am as cadeias daquela ilhota do Caribe.” E conc l uo : “L onge de se ca r ac t e ri za r pe l a c r ue l dade r ep r ess iv a , a r espos t a m ilit a r b r as il e ir a se des t acou pela brandura de sua conduta.” 13 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa Eu não en tr o nessa con t ab ili dade macab r a de “tr ezen t os con tr a dezesse t e m il”, po r que e l a des vi a da pergunta principal: não é “quem matou mais?”, mas sim “que tipo de regime foi esse?”. É bom l emb r a r que a d it adu r a v a r gu i s t a ma t ou ma i s que a d it adu r a m ilit a r, mas n i nguém r ecusa o tít u l o de d it adu r a ao Es t ado No v o A d it adu r a é chamada d it adu r a Es t ado No v o . V ocê t em d it adu r a an t es de 3 0 a 33 , i nc l us iv e os apo i ado r es do r eg i me do C l ube 3 de O u t ub r o em 3 0 f a l am “ o nosso go v e r no d it a t o ri a l”. En t ão no B r as il nós t emos uma tr ad i ção de d it adu r a ; a d it adu r a e r a bem vi s t a no Brasil porque a nossa ditadura não tem nada a ver com a Argentina. A d it adu r a a r gen ti na t em de se r compa r ada , no sen ti do h i s t ó ri co , po r que não há nenhuma r e l ação en tr e o r eg i me b r as il e ir o e o r eg i me de l á . L á deses t ab ili zou a econom i a ; aqu i es t a ti zou . L á acabou com o ens i no púb li co do t e r ce ir o g r au ; aqu i e x pand i u a un iv e r s i dade púb li ca de t e r ce ir o g r au A qu i mode r n i zou a econom i a , amp li ou , d iv e r s ifi cou a econom i a ; l á a i ndús tri a f o i du r amen t e , quase que des tr u í da , a i ndús tri a a r gen ti na En t ão se v ocê f o r compa r a r, as bases i deo l óg i cas da d it adu r a b r as il e ir a eram uma e da Argentina era outra. 14 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa Quando eu entro nos números, inclusive usando o levantamento do próprio Elio Gaspari, a escala da r ep r essão se l e tiv a fi ca c l a r a Só em 1 96 4, p ri me ir o ano , há 2 0 3 denúnc i as de t o rt u r a e 2 0 mo rt os — 9 de l es ap r esen t ados o fi c i a l men t e como su i c í d i os Em 1 969 , p ri me ir o ano do A I-5, são 1.0 2 7 denúnc i as de t o rt u r a e 1 9 mo rt os ; em 1 9 70, 1. 2 0 6 denúnc i as e 3 0 mo rt os Em 1 9 71, 3 0 m ilit an t es das o r gan i zações de esque r da são mo rt os — me t ade “ desapa r ece ”; no mesmo ano , essas o r gan i zações ma t am 2 1 pessoas Em 1973, as esquerdas perdem 58 militantes, 18 deles desaparecidos. Não são es t a tí s ti cas da “ esque r da r essen ti da ”; são núme r os r econs tr u í dos a pa rtir de p r ocessos da J us ti ça M ilit a r, l audos do I M L e depo i men t os co l h i dos desde o p r o j e t o B r as il: Nunca Ma i s E po r tr ás dos núme r os há nomes : Vl ad i m ir He r zog , mo rt o no DO I- C OD I de São Pau l o em 1 9 75; o me t a l ú r g i co Manue l F i e l F il ho , mo rt o no mesmo l oca l em 1 9 7 6 ; o depu t ado Rubens Pa iv a , desapa r ec i do em 1 9 71 e r econhec i do o fi c i a l men t e como mo rt o sob cus t ód i a m ilit a r décadas depo i s ; S t ua rt Ange l, ama rr ado a um jipe e arrastado na pista da Base Aérea do Galeão. O núme r o t o t a l de mo rt os no B r as il pode se r meno r que em Cuba ou na A r gen ti na , mas i sso não muda a na t u r eza do r eg i me : concen tr ou pode r, suspendeu d ir e it os , r ep ri m i u opos it o r es com vi o l ênc i a il ega l. Chama r i sso de “ b r ando ” po r que ma t ou menos é uma esco l ha mo r a l e po líti ca , não um a r gumen t o histórico. 15 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? ̨ ̨ Tragada 4 Luta Armada, Democracia e Quem “Venceu” „ Olavo de Carvalho D u r an t e t oda a h i s t ó ri a da esque r da mund i a l, os comun i s t as v o t a r am a seus conco rr en t es soc i a l- democ r a t as um ód i o ma i s p r o f undo do que a li be r a i s e cap it a li s t as O t empo , no en t an t o , deu ao “r enegado Kau t sk y” a vit ó ri a sob r e a tr ucu l ênc i a l en i n i s t a E , se os nossos m ilit a r es t udo fi ze r am j us t amen t e pa r a ap r essa r essa vit ó ri a , po r que con ti nua r a cons i de r á -l os f an t asmas de um passado t eneb r oso , em v ez de r econhece r ne l es os p r ecu r so r es de um t empo que é me l ho r pa r a t odos , i nc l us iv e para as esquerdas? O s m ilit a r es b r as il e ir os que ri am uma esque r da soc i a l- democ r á ti ca pa rl amen t a r, à eu r ope i a A r ep r essão que e x e r ce r am — com t odos os seus e x age r os — vi sa v a neu tr a li za r uma r e v o l ução comun i s t a em ma r cha , não sup ri m ir a opos i ção em ge r a l. A o fi m e ao cabo , a esque r da b r as il e ir a se tr ans f o r mou j us t amen t e n i sso que e l es dese j a v am Só que , ao i n v és de ag r adece r, con ti nua a se ap r esen t a r como vítima absoluta, monopolizando a memória do período. D u r an t e a d it adu r a , quem e rr ou g r o t escamen t e f o r am os m ilit an t es da l u t a a r mada E l es não de f end i am a democ r ac i a Não apa r ece , em seus documen t os , uma v ez seque r a pa l a vr a “ democ r ac i a ” como ob j e tiv o Q ue ri am “ d it adu r a do p r o l e t a ri ado ”, em v e r sões cubana , so vi é ti ca ou ch i nesa A gue rril ha f o i “suicidária” e “maligna”. Serviu, sobretudo, para justificar o endurecimento da repressão. 16 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa Nos ú lti mos anos se conso li dou uma v e r são f a l ac i osa : a de que os m ilit an t es da l u t a a r mada comba t e r am a d it adu r a em de f esa da li be r dade e que os m ilit a r es t e ri am v o lt ado pa r a os qua rt é i s g r aças às suas ações. Isso é uma falsificação histórica. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. A qu i eu es t ou i n t e ir amen t e de aco r do com uma pa rt e do que o O l a v o d i z — e em t o t a l desaco r do com outra. Conco r do que nenhum g r upo de l u t a a r mada de f end i a a democ r ac i a Se v ocê pega r co l e t âneas de documen t os como “I magens da Re v o l ução ”, de D an i e l A a r ão Re i s e J a ir Fe rr e ir a de Sá , com dezenas de comun i cados de A L N , V A R - Pa l ma r es , MR - 8 , V PR , C O LI N A , v ocê não acha uma v ez a pa l a vr a “ democ r ac i a ” como ob j e tiv o O que que ri am e r a d it adu r a do p r o l e t a ri ado , com v a ri ações : mode l o cubano , so vi é ti co , ch i nês D emoc r ac i a li be r a l, v o t o , pa rl amen t o ? I sso e r a “il usão pequeno - bu r guesa ”. A l u t a a r mada não passou de ações i so l adas de assa lt os a bancos , seques tr os , a t aques a i ns t a l ações militares e só. Apoio popular? Nenhum. A A L N f a l a numa “l u t a p r o l ongada ” que desemboca r á num “ e x é r c it o r e v o l uc i oná ri o de li be rt ação nac i ona l”. A V A R - Pa l ma r es a fir ma lit e r a l men t e : “ o ob j e tiv o da r e v o l ução b r as il e ir a é (. . . ) a d it adu r a do p r o l e t a ri ado ”. O MR - 8 esc r e v e que “ a gue rr a r e v o l uc i oná ri a cons tit u i a mane ir a de r eso lv e r a contradição principal”. 17 Filodebate — A Ditadura Militar Existiu? Marco Antonio Villa D i sco r do fr on t a l men t e da i de i a de que f o r am e l es que “tr ou x e r am a democ r ac i a ”. Q uem cons tr u i u a abe rt u r a f o r am ou tr os : pa rl amen t a r es do M D B , como Ly sâneas Mac i e l, A l enca r Fu rt ado , U ly sses G u i ma r ães ; go v e r nado r es e l e it os em 82 , como F r anco Mon t o r o , T anc r edo , B ri zo l a ; b i spos como D om Pau l o E v a ri s t o A r ns , D om Hé l de r Câma r a ; mo vi men t os como o Fem i n i no pe l a A n i s ti a , de T he r ez i nha Ze r b i n i; es t udan t es , s i nd i ca li s t as , j o r na li s t as , a rti s t as Esses f a l a v am em e l e i ção d ir e t a , anistia, Constituinte. A l u t a a r mada , de rr o t ada , t en t a ho j e r eesc r e v e r sua b i og r a fi a pa r a posa r de vit o ri osa Não é só i n j us t o com quem r ea l men t e l u t ou pe l a democ r ac i a ; é pe ri goso po r que r e f o r ça a l óg i ca de que só se muda o país “na marra”. A l u t a democ r á ti ca é que f o i he r o i ca Q uan t os não f o r am — eu que ri a v e r a l guém t e r co r agem em 1 9 70 no i n t e ri o r aqu i de São Pau l o ab rir um d ir e t ó ri o do M D B O pad r e na m i ssa f a l a : “ não se m i s t u r e com aquele homem perigoso que abriu o diretório do MDB”. Essas ações — assa lt os a banco , seques tr os , e x p l osões , a t en t ados a qua rt é i s — não ti nham apo i o popu l a r. A passea t a dos Cem M il, s i m , t e v e base soc i a l amp l a No mesmo d i a em que se f az i a a passea t a no R i o , hou v e um a t en t ado ao QG do II E x é r c it o em São Pau l o , que ma t ou um r ec r u t a que pode ri a se r qualquer jovem. 18