TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2020.0000048955 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante A. T. DE V. DE B. E T., são impetrados M. J. ( DE D. DO S. DE V. C. I. I. C. D. E T. I. DE P. S. e M. P. DO E. DE S. P.. ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Denegaram a segurança. V. U. Sustentou oralmente o Advogado Jose Antonio Cozzi e fez uso da palavra o Ilustríssimo Procurador de Justiça Dr. Francisco José Taddei Cembranelli.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO SALE JÚNIOR (Presidente) e GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI. São Paulo, 30 de janeiro de 2020. CLÁUDIO MARQUES RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo VOTO Nº 19786 Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Criminal Mandado de Segurança nº: 2223842-30.2019.8.26.0000 Impetrante: Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, representada pelo advogado José Antônio Cozzi Impetrados: MMª Juíza de Direito do Setor de Atendimento de Crimes contra Infante, Idoso, Deficiente e Vítima de Tráfico Internacional de Pessoas (SANCTVS) e a 3ª Promotoria de Justiça Criminal, ambas da Comarca de São Paulo/SP Mandado de Segurança Busca e apreensão de objetos ligados aos crimes sexuais noticiados Apuração de envolvimento de membros da entidade religiosa investigada Pleito de suspensão do procedimento investigatório Não acolhimento - Ilegalidade ou abuso de poder não detectados - Segurança denegada. Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, impetrado advogado José Antônio Cozzi, em favor da Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, entidade religiosa, em que se apontou como autoridades coatoras a MMª Juíza de Direito do Setor de Atendimento de Crimes contra Infante, Idoso, Deficiente e Vítima de Tráfico Internacional de Pessoas (SANCTVS) e a 3ª Promotoria de Justiça Criminal, ambas da Comarca de São Paulo/SP, contra a r. decisão judicial proferida a fls. 405/406 do processo nº 1001060-74.2019.8.26.0050, em trâmite junto ao Foro Central Criminal da Barra Funda, relativa a pedido de busca e apreensão. O impetrante alegou, em síntese, que a d. Promotoria de Justiça apontada como uma das autoridades coatoras teria instaurado Procedimento Investigatório Criminal (PIC) a fim de apurar supostos crimes de abusos sexuais cometidos por alguns membros de religião cujas vítimas seriam Testemunhas de Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Jeová, delitos estes que já estariam prescritos em sua maioria, por ocasião dos fatos, de modo que a investigação seria genérica, pois não especificaria, exatamente, o que se pretendia. Sustentou que não existiria, nos autos, qualquer prova quanto ao cometimento de alguma ilegalidade ou omissão por parte da instituição Impetrante, mas, ao contrário, as provas juntadas aos autos pelo Ministério Público indicariam que a impetrante se preocuparia em proteger os menores em seu meio, orientando seus dirigentes a respeito. Afirmou que teriam sido juntadas notícias de fontes inidôneas ao procedimento, notícias estas de outros países, extraídas da internet, não tendo sido oportunizado à Defesa o conhecimento em relação à identidade das fontes, observando-se, ainda, que documentos em língua estrangeira, traduzidos extraoficialmente por pessoa desconhecida violaria o quanto disposto no art. 236 do Código de Processo Penal. Asseverou, também, que a Acusação teria tomado conhecimento das supostas vítimas por meio de fonte não oficial, qual seja, mensagem eletrônica proveniente de um telefone celular, na qual constaria apenas nome e prenome de alguns ofendidos, sem menção à data dos fatos. Salientou que a busca e apreensão teria sido concedida pelo MM. Juízo “a quo” diante da falsa notícia de que os documentos atrelados a tais circunstâncias teriam sido destruídos por determinação advinda de membros da instituição religiosa, o que teria suposto respaldo em notícia veiculada na data de 10.09.2019. Argumentou que tal medida seria manifestamente abusiva, porquanto o seu fundamento residiria em notícia de mídia da internet, proveniente da Austrália, sem qualquer apuração no Brasil. Ainda que assim não fosse, defendeu que os arquivos de uma entidade religiosa estariam protegidos pelo sigilo eclesiástico, tratando-se de grave infração à garantia constitucional da inviolabilidade da liberdade religiosa e proteção aos locais de culto e a suas liturgias, previsto no art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal. Relatou que, a despeito da ordem judicial de busca e apreensão ter Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo abrangido apenas endereços localizados na capital, em 30/09/2019, o referido mandado teria sido cumprido na sede da impetrante, em Cesário Lange/SP, momento em que diversas atividades estariam sendo realizadas; no mesmo dia, outros agentes policiais teriam comparecido à sede da instituição religiosa em questão para cumprir o mesmo mandado de busca e apreensão, tendo sido impedidos, haja vista a suposta ilegalidade da conduta. Narrou que, no dia no dia 1º/10/2019, teria postulado a revogação da decisão que teria determinado a busca e apreensão. Inclusive, no dia seguinte, a Promotoria teria comparecido perante a juíza para esclarecer que a notícia que teria motivado a busca e apreensão indevida se referiria à Austrália, bem como que o documento mencionado nem sequer indicaria abuso sexual de menores. Além disso, afirmou que o livro “Pastoreiem”, produzido pelas Testemunhas de Jeová, capítulo 22, parágrafo 26, traria orientações específicas para anciões de congregação atinentes às alegações de abuso sexual de menores, no sentido que os registros deveriam ser mantidos no arquivo, por tempo indeterminado. Aduziu que, até o momento, a ordem supostamente abusiva continuaria em vigor e, desde o dia 29/09/2019, a instituição religiosa impetrante estaria sujeita não só a sofrer com novas buscas e apreensões, mas diversos templos religiosos da instituição, localizados na cidade de São Paulo, estariam sofrendo a mesma medida indevida, com arrombamentos, violação de um escritório jurídico, relatando, outrossim, que documentos contábeis e fiscais teriam sido revirados e até mesmo celulares de fiéis teriam sido vistoriados. Argumentou que o direito à liberdade religiosa, à privacidade, à honra e outras garantias constitucionais estariam sendo vilipendiados neste procedimento, a pretexto de se investigarem crimes prescritos. Defendeu que, durante a investigação de crimes, nunca teria ocorrido resistência das Testemunhas de Jeová em colaborar com as autoridades, razão pela qual a busca e apreensão serviria apenas para violar o sigilo eclesiástico, expor dados sensíveis de pessoas alheias à investigação e violar garantias constitucionais de uma entidade religiosa e de seus fiéis; a busca e apreensão teria sido totalmente infrutífera. Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Anotou que os registros das buscas e apreensões somente indicariam que todas as apreensões teriam sido realizadas com excesso ao mandado, o qual determinaria busca e apreensão de objetos ligados a estupro de vulneráveis referente às vítimas indicadas e qualificadas no mandado, no entanto, nenhum objeto apreendido teria relação com as vítimas nele referidas. Afirmou que, de posse de mandado genérico (em afronta ao art. 243, inciso I, do CPP), baseado em notícias da internet, e em relatos de supostas vítimas sem qualquer suporte documental, a polícia teria executado a referida ordem sem limites, arrombando armários, verificando celulares de pessoas não investigadas, invadindo residência e escritório jurídico, fazendo ameaças, executando a ordem judicial mais de uma vez no mesmo local, apreendendo objetos sem qualquer relação com mandado, sendo que as ilegalidades continuariam ocorrendo, pois haveria relatos de que os policiais permaneceriam retornando aos templos religiosos para mais diligências. Acrescentou, a fls. 581/586, que, em 02/10/2019, dois advogados da Impetrante teriam comparecido no gabinete da representante do Ministério Público, objetivando esclarecer alguns pontos obscuros nos quais se basearia o pedido cautelar de busca e apreensão, oportunidade em que a d. Promotora de justiça teria feito perguntas estranhas à investigação de abuso sexual, além de ter gravado a conversa informal sem qualquer aviso prévio, o que autorizaria a exclusão do acesso destes advogados aos autos, sob o fundamento de que os causídicos não possuiriam mandato para atuar fora da Comarca de Cesário Lange, de forma a se criar, arbitrariamente, uma limitação territorial para o exercício da advocacia, em clara violação frontal às prerrogativas da advocacia no Brasil, o que teria sido deferido pela autoridade judicial. O impetrante se insurgiu, também, contra esta decisão, pois o MM. Juízo de Primeiro Grau estaria, mais uma vez, negando a realização do controle referente ao poder investigatório do Ministério Público, permitindo, assim, que a investigação sem parâmetros continuasse ocorrendo. Requereu, liminarmente, a suspensão do procedimento investigatório criminal a cargo da 3ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, bem como dos efeitos da decisão judicial proferida a fls. 405/406 do feito nº Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 5 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 1001060-74.2019.8.26.0050, em trâmite junto ao Foro Central Criminal da Barra Funda (SANCTVS), referente a pedido de busca e apreensão criminal efetuada nos templos religiosos e na sede da instituição religiosa impetrante. Em sede liminar, indeferiu-se a medida vindicada (fls. 592/597). A seguir, sobrevieram as informações (fls. 611/612 e 623/624), bem como o parecer da douta Procuradoria Geral da Justiça, no sentido de denegação da segurança (fls. 626/634). É o relatório. Depreende-se pelos autos que a Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados está sendo investigada por suposta infração ao art. 217-A, “caput”, do Código Penal, pois, em datas incertas e em diversos locais desta cidade e comarca da capital, nove vítimas teriam entrado em contato com o Ministério Público do Estado de São Paulo para narrarem os abusos sexuais experimentados à época em que integrariam os Salões do Reino das Testemunhas de Jeová. Segundo consta, ao relatarem a membros da congregação sobre os abusos sofridos, os ofendidos teriam sido orientados a não denunciarem às autoridades, já que os preceitos da organização exigiriam a confissão do agente infrator ou, no mínimo, duas testemunhas presenciais da prática do crime. Instaurou- se, então, o PIC nº 94,0003.0007376.2019.4 para melhor se elucidarem os fatos. Frente às informações de que haveria determinação, por parte de integrantes da entidade religiosa, ora paciente, no sentido de que fossem destruídos todos os documentos relacionados à apuração dos fatos ocorridos, a n. Promotora de Justiça, impetrante, pleiteou a apreensão de bens localizados em alguns dos templos, a fim de coletar evidências referentes ao delito noticiado. Tal requerimento fora deferido, r. “decisum” contra o qual se insurge o impetrante. Pois bem, o impetrante em momento algum logrou demonstrar ter direito líquido e certo à pretendida suspensão do procedimento investigatório instaurado em desfavor da instituição religiosa. Ao contrário do alegado pelo impetrante, a investigação em questão contém indícios bastante relevantes quanto à prática de crimes sexuais, a Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo justificar, nos termos do art. 240 do Código de Processo Penal, as buscas e apreensões determinadas pelo MM. Juízo “a quo”. Aliás, no tocante à busca e apreensão, o renomado jurista Eugênio Pacceli de Oliveira ensina: “Trata-se, por certo, de medida de natureza eminentemente cautelar, para acautelamento de material probatório, de coisa, de animais e até de pessoas, que não estejam ao alcance espontâneo, da Justiça. A medida, cautelar no que se refere à questão probatória e à segurança de pessoas, também é excepcional por implicar a quebra da inviolabilidade do acusado ou de terceiros, tanto no que se refere à inviolabilidade do domicílio quanto no que diz respeito à inviolabilidade pessoal. Por isso, somente quando fundadas razões, quanto à urgência e à necessidade da medida, estiverem presentes, é que se poderá conceder a busca e apreensão, tanto na fase de investigação como no curso da ação penal”(Curso de Processo Penal, 16ª Edição, 2012, p. 432). De mais a mais, a determinação judicial não foi proferida com amparo somente em artigos advindos da internet, como quer fazer crer a Defesa, mas nos relatos de nove vítimas e de testemunhas de defesa, no sentido de que foi emanada ordem para destruição de documentos relativos à apuração interna de crimes sexuais. E, especificamente quanto à proteção constitucional conferida às instituições religiosas, tal não resultou vilipendiada, delineando-se, inclusive, que, em conformidade com a decisão encartada a fls. 590/591, as diligências não deveriam se dar em horários de culto. Dito isto, tem-se bem fundamentada a determinação de busca e apreensão de bens atrelados ao delito sexual em tela. Em que pese a alegação de que a investigação seria genérica, descurou-se a Defesa de comprovar que a ausência de maior particularização tenha acarretado efetivo prejuízo. Conforme autos de busca e apreensão lavrados, não há indícios de que tenha sido extrapolado o limite delineado pela decisão judicial, quando do cumprimento, porquanto restritos os atos àquilo que podia interessar ao caso concreto. Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 7 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Ademais, os executores estavam devidamente instruídos sobre a finalidade da diligência, com apoio na decisão que a determinou, incorporando a fundamentação e a especificação realizadas pelo juízo singular. Na hipótese em tela, além de não evidenciado prejuízo concreto, o ato em nada comprometeu a apuração da verdade substancial/verdade real, mesmo porque a apreensão dos bens somente servirá para melhor esclarecê-la. Tendo em vista que as buscas em questão detêm como motivação a colheita de elementos de convicção (art. 240, §1º, "h" do diploma processual penal), bem como se considerando a inexistência de ilegalidade ou abuso de poder, motivo não há para se suspender o procedimento investigatório criminal e os efeitos da decisão judicial atinente à busca e apreensão criminal efetuada nos templos religiosos e na sede da instituição religiosa impetrante. Diante do exposto, denega-se a segurança. Cláudio Marques relator Mandado de Segurança Criminal nº 2223842-30.2019.8.26.0000 -Voto nº 8
Enter the password to open this PDF file:
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-