Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Wallace, B. Allan Despertar no sonho : sonhos lúcidos e Ioga Tibetana dos sonhos para o insight e a transformação / B. Alan Wallace ; tradução de Jeanne Pilli. Petrópolis, RJ : Vozes, 2014. Título original : Dreaming yourself awake : lucid dreaming and Tibetan dream Yoga for insight and transformation Bibliografia ISBN 978-85-326-4865-5 – Edição digital 1. Yoga – Budismo tântrico 2. Sonhos lúcidos I. Título. 14-01601 CDD-154.634 Índices para catálogo sistemático: 1. Sonhos : Interpretação : Psicologia 154.634 © 2012 by B. Alan Wallace Esta tradução foi publicada com autorização de Shambala Publications, Inc. 300 Massachusetts Ave., Boston, MA 02115, USA. Título original inglês: Dreaming Yourself Awake – Lucid Dreaming and Tibetan Dream Yoga for Insight and Transformation Direitos de publicação em língua portuguesa – Brasil: 2014, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora. Diretor editorial Frei Antônio Moser Editores Aline dos Santos Carneiro José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração: Gleisse Dias dos Reis Chies Diagramação: Alex M. da Silva Capa: Felipe Souza Aspectos ISBN 978-85-326-4865-5 (edição brasileira digital) ISBN 978-1-59030-957-5 (edição norte-americana impressa) Editado conforme o novo acordo ortográfico. Sumário Introdução Parte I. Sonho lúcido 1 Quiescência meditativa – Como estabelecer a base para a lucidez 2 A teoria do sonho lúcido 3 A prática dos sonhos lúcidos 4 Proficência em sonho lúcido Parte II. Ioga dos sonhos 5 O universo da ioga dos sonhos 6 Prática diurna da ioga dos sonhos 7 Prática noturna da ioga dos sonhos Parte III. Reunindo todos os ensinamentos 8 Colocando os sonhos para funcionar 9 Prática inpidualizada e questões infrequentes 10 Lucidez em meio ao sonho – Uma perspectiva mais ampla Glossário Referências selecionadas Textos de capa Introdução Em todas as grandes tradições espirituais em que a meditação desempenha um papel importante, a palavra de ordem é “Desperte!” Este apelo tem repercussões na ciência da psicologia ocidental. A implicação é de que ao longo de nossas vidas nós estivemos adormecidos, essencialmente sonhando. É claro que se caminharmos como sonâmbulos pela vida iremos invariavelmente tropeçar em realidades não vistas. Dadas as incertezas da vida, precisamos estar o mais despertos possível às oportunidades e aos perigos. Despertar no sonho é dirigido tanto para o nosso despertar da vida-como-um-sonho quanto para nos tornarmos lucidamente conscientes em meio aos sonhos durante a noite. Ambas as situações, bem como o nosso despertar dentro delas, estão intimamente ligados. Esse despertar traz consigo a clareza e a liberdade que constituem a base para a verdadeira felicidade. Qual é a conexão entre o despertar espiritual e os sonhos lúcidos? Em ambos os casos você está plenamente consciente dos desdobramentos de suas experiências, no momento presente. Não se deixa levar por distrações, como pensamentos e emoções. Você é capaz de observar o surgimento, a continuidade, a transformação e desvanecimento desses fenômenos com perfeita clareza. Como um grande mestre de xadrez, sua mente está totalmente focada – estável e límpida. Essa clareza é uma porta de entrada para a liberdade interior. Despertando para o potencial de cada situação, você se torna o senhor do seu destino. A prática dos sonhos pode aumentar a criatividade, resolver problemas, curar as emoções ou oferecer um teatro interior brilhante – o máximo do entretenimento. Também pode ser um valioso auxílio para a realização do despertar espiritual. Como é estar lucidamente consciente de que está sonhando? O filósofo e médico inglês do século XVII, Sir Thomas Browne, que era capaz de testemunhar e controlar seus sonhos como um diretor de cinema, disse: “Em um único sonho, eu posso compor uma comédia inteira, observar a ação, apreender as piadas e rir, acordado...” Outro inglês do século XVII, Samuel Pepys, descreveu o potencial erótico do sonho lúcido: “Tive minha Lady Castlemayne em meus braços e me foram permitidos todos os gracejos que desejava fazer com ela, e então no sonho me dei conta que não poderia estar acordado, mas que era apenas um sonho”. O antropólogo, xamã e autor de best-sellers, Carlos Castañeda, foi instruído por seu professor a olhar para as suas mãos enquanto sonhava. Quando conseguiu fazer isso pela primeira vez, encontrava-se em um cenário surreal e ameaçador. Castañeda afirmava dominar a “arte de sonhar”, ao ponto de poder visitar outros mundos. Despertar no sonho integra as duas abordagens mais eficazes para a prática dos sonhos – o sonho lúcido, desenvolvido e aprimorado pela ciência da psicologia, e a ioga dos sonhos do budismo tibetano. Juntas, elas o conduzirão a um despertar capaz de transformar sua vida. Sonho lúcido Ter sonhos lúcidos significa simplesmente estar consciente de que se está sonhando. Muitas pessoas, especialmente na infância, tiveram sonhos lúcidos e os descreveram. Muitas vezes, em um sonho lúcido, há uma sensação de alegria ao descobrir que está sonhando naquele exato momento – uma emoção tão intensa que pode chegar a despertá-lo. Se for capaz de manter tanto o sonho quanto a consciência de que está sonhando, surgirá uma formidável sensação de liberdade. Sabendo-se que as imagens oníricas são insubstanciais, você pode atravessar paredes ou escapar da lei da gravidade, voando sobre as vívidas paisagens imaginárias. Com o treinamento, você poderá moldar o ambiente de sonho de acordo com seus desejos. Pequenas coisas podem ser transformadas em grandes, e grandes objetos podem ser reduzidos, como desejar. O único limite é a sua imaginação. Uma vez que tenha desenvolvido um maior controle, você poderá usar o espaço do sonho como um laboratório para obter insights psicológicos, superar medos, fazer um trabalho criativo, divertir-se, ou meditar no ambiente virtual de sua escolha. A ciência do sonho lúcido é um sistema de teoria e prática recentemente desenvolvido no campo da psicologia. Embora tivesse precursores importantes, Stephen LaBerge, que recebeu PhD em psicologia pela Universidade de Stanford, é o principal expoente do sonho lúcido. No final da década de 1980, LaBerge, em suas pesquisas de pós-graduação na Universidade de Stanford, tornou-se o primeiro a provar para a comunidade científica que é possível estar consciente durante o sonho. Embora muitas pessoas tivessem relatado sonhos lúcidos através dos tempos, os psicólogos assumiram que se tratava de falsas memórias – que, na verdade, as pessoas haviam despertado durante a noite, e pela manhã acreditavam equivocadamente ter estado conscientes durante o sonho. LaBerge é um sonhador lúcido extremamente talentoso e é capaz de ter sonhos lúcidos à vontade, uma habilidade que tinha naturalmente quando criança, mas havia perdido na adolescência; mais tarde, recuperou essa habilidade deliberadamente quando era estudante de pós-graduação. Como parte de sua pesquisa, ele desenvolveu um método de fazer movimentos oculares específicos durante o sonho, para que seus colegas pesquisadores soubessem que ele estava acordado, dentro de seus sonhos. Este método comprovou a existência do sonho lúcido![1] Em Stanford, LaBerge desenvolveu meios mais eficazes de despertar em seus sonhos, de sustentá-los e de torná-los mais nítidos. A contínua pesquisa, incluindo a interação com pessoas leigas interessadas, levou à publicação de vários livros populares sobre sonho lúcido (incluindo Lucid Dreaming, Exploring the World of Lucid Dreaming, and Lucid Dreaming: A Concise Guide to Awakening in Your Dreams and in Your Life). Devido em grande parte aos trabalhos de LaBerge, a veracidade do sonho lúcido foi, de maneira geral, reconhecida no campo da Psicologia. Conheci Stephen LaBerge em 1992, quando eu era estudante de pós-graduação em estudos religiosos na Universidade de Stanford. Minha pesquisa era centrada no desenvolvimento contemplativo da atenção. Quando Stephen e eu conversamos sobre nossa pesquisa, nós dois percebemos imediatamente que os nossos trabalhos eram complementares. No final dos anos de 1990, Stephen e eu começamos a oferecer oficinas públicas de dez dias, que incluía o treinamento da atenção e a prática dos sonhos. Ioga dos sonhos Historicamente, os budistas tibetanos parecem ter explorado a ioga do sono e dos sonhos mais profundamente do que qualquer outra tradição contemplativa. A ioga dos sonhos é parte de uma tradição espiritual, cujo objetivo é o despertar completo, chamado de “iluminação”. Diz-se que a iluminação completa inclui o conhecimento de toda a realidade, em amplitude e profundidade, uma experiência além da nossa forma normal e racional. E é indissociável de uma abrangente compaixão, um profundo amor por todos os seres. Algumas vezes, a iluminação é descrita como uma experiência não dual de sabedoria e de bem- aventurança. Quanto ao real sabor da iluminação, essas descrições nos deixam com mais perguntas do que respostas, mas deve ser uma conquista extraordinária. Na tradição budista tibetana – o estilo de espiritualidade contemplativa com o qual estou mais familiarizado – a ioga dos sonhos compreende um conjunto de práticas espirituais avançadas que funcionam como uma ajuda poderosa para despertar do samsara. O samsara pode ser brevemente descrito como uma experiência de sonho, vida após vida, impulsionada pela ignorância. Este, de acordo com o budismo (e outras tradições espirituais), é o nosso modus operandi normal. A ignorância e as visões distorcidas tecidas a partir dela são, para o budismo, a fonte de todo o sofrimento. A felicidade verdadeira e definitiva, por outro lado, resulta da eliminação da ignorância, do despertar do sonho do samsara. Um buda, um ser iluminado, significa literalmente “aquele que está desperto”. As práticas da ioga dos sonhos são baseadas em uma teoria que define a consciência em três camadas. De acordo com esta visão, a camada mais grosseira e superficial de consciência equivale ao que nós, no Ocidente, chamamos de psique. A psique compreende os cinco sentidos físicos, juntamente com os fenômenos mentais conscientes e inconscientes – pensamentos, sentimentos, sensações, e assim por diante. Esta é a nossa mente comum e condicionada. A psique emana de uma camada intermediária mais profunda, a consciência substrato. Esta é descrita como um fluxo mental sutil contendo atitudes, hábitos e tendências latentes que remontam a vidas anteriores. A camada mais profunda e mais fundamental, a consciência primordial, que inclui a psique e a consciência substrato, é um nível absoluto de sabedoria pura, onde o “interior” (mente) e “exterior” (mundo fenomênico) são não duais. A realização da consciência primordial é a porta de entrada para a iluminação completa. A ioga dos sonhos busca penetrar a consciência primordial gradualmente por meio da realização de que tudo, incluindo nós mesmos, emerge e tem a mesma natureza dessa base iluminada e primordial. As práticas específicas da ioga dos sonhos permitem explorar e compreender profundamente a natureza e a origem dos fenômenos mentais da psique, a penetrar sua fonte – a consciência substrato, ou a base da mente comum – e finalmente reconhecer e repousar na consciência primordial. Embora este processo tenha início durante o sono e os sonhos, a ioga dos sonhos envolve práticas empregadas durante o dia e tem como objetivo despertar a nossa vida como um todo – durante o dia e durante a noite – do sono do samsara. Meu primeiro encontro com a ioga dos sonhos foi em 1978, quando servi como tradutor para os ocidentais que participavam de ensinamentos sobre a ioga dos sonhos, oferecidos por Zong Rinpoche, um eminente lama tibetano. Ele explicou que a ioga dos sonhos é um conjunto de práticas avançadas, chamado de Seis Iogas de Naropa, e que requer uma base sólida em meditação. Seguindo esse conselho, dediquei-me às práticas fundamentais antes de tentar a ioga dos sonhos. Em 1990, recebi instruções sobre ioga dos sonhos de outro reverenciado mestre tibetano, Gyatrul Rinpoche. Dois anos depois, um amigo pediu que eu ensinasse ioga dos sonhos a ele. Perguntei a Gyatrul Rinpoche se deveria ensiná- lo e ele me deu sua permissão. Ao longo dos anos que tenho praticado e ensinado ioga dos sonhos, minha reverência e respeito por esta prática só têm crescido. Esta é uma das principais tradições do budismo tibetano e tem enormes implicações para a nossa compreensão da realidade e para o nosso progresso espiritual. Equilibrando ioga dos sonhos e sonho lúcido Na minha experiência, como praticante e professor de ioga dos sonhos e sonho lúcido, estas duas práticas se complementam. Essa será a abordagem adotada neste livro. Talvez a chave mais importante para o desenvolvimento das habilidades de sonho lúcido, bem como para alcançar um estágio em que as técnicas mais avançadas de ioga dos sonhos possam ser incorporadas, seja a prática de shamatha, ou quiescência meditativa. Composta por uma magnífica gama de métodos para treinar a atenção, shamatha não é uma prática exclusivamente budista. É encontrada em uma grande variedade de tradições contemplativas e não requer a adoção de qualquer credo religioso ou filosófico. Além disso, shamatha é extremamente benéfica para o corpo e para a mente, proporcionando relaxamento, alívio do estresse e cura, juntamente com o refinamento das habilidades da atenção. Com shamatha, a ideia básica é aumentar a concentração relaxada, de forma tal que seja facilmente possível sustentar a atenção em um objeto escolhido. Uma destas técnicas é a concentração na entrada e saída do ar durante a respiração, o método preferido pelo Buda. Pode-se também concentrar em uma imagem visual real ou imaginária, nas sensações corporais, nos fenômenos mentais ou na própria consciência. Depois de ter atingido um grau de estabilidade em shamatha, as habilidades necessárias para que o sonho lúcido e a ioga dos sonhos sejam bem-sucedidos são desenvolvidas com muito mais facilidade. Prática individualizada Por fim, é importante adaptar a informação e as técnicas contidas neste livro às suas próprias necessidades e habilidades. Cada um de nós é único. Não existe uma estratégia única que funcionará bem para todos. Alguns de nós adormecem facilmente. Outros não. Alguns de nós podem se lembrar de seus sonhos mais facilmente do que outros. Apesar de os psicólogos terem descoberto que há um ciclo de sono comum para os seres humanos, há também diferenças sutis entre os indivíduos. Práticas e pontos de vista que funcionam bem para uma determinada personalidade podem ser confusos e inapropriados para outra. Por essa razão, entremeada neste texto, ofereço orientação neste tema, ilustrando algumas dessas diferenças e propondo alternativas práticas – um ajuste fino que irá ajudá-lo a maximizar a sua eficiência como um iogue dos sonhos, um sonhador lúcido. Além disso, ofereço um capítulo com perguntas e respostas tiradas de meus retiros sobre sonho lúcido e ioga dos sonhos. A boa notícia é que sejam quais forem as nossas limitações, despertar dentro dos sonhos pode ser aprendido por qualquer pessoa disposta a fazer o esforço necessário. A chave para o sonho lúcido e para a ioga dos sonhos, o ingrediente essencial que irá nos impulsionar para além do sonambulismo obscuro de nossos hábitos é a motivação. Se nos tornarmos inspirados para a prática e comprometidos com essa exploração interior, teremos sucesso. [1]. LaBERGE, S. “Lucid Dreaming: Psychophysiological Studies of Consciousness during REM Sleep”. In: BOOTZEN, R.R.; KIHLSTROM, J.F. & SCHACTER, D.L. (orgs.). Sleep and Cognition. Washington, D.C.: American Psychological Association, 1990, p. 109-126. Parte I SONHO LÚCIDO 1 Quiescência meditativa Como estabelecer a base para a lucidez Qual é o elemento essencial que distingue um sonho lúcido de um sonho comum? Em um sonho lúcido você está consciente da natureza da realidade que você está vivenciando em tempo real. Você sabe que está sonhando. Você sabe que o seu corpo está deitado na cama, dormindo, mesmo enquanto participa dos episódios no sonho, que vão desde o normal até o absolutamente fantástico. Você sabe que todos os fenômenos do seu sonho, o cenário e os participantes, são criações da sua própria mente. Enquanto em um sonho não lúcido você toma tudo como se fosse verdadeiro e nunca suspeita de estar dormindo, não importando quão bizarro possa parecer, em um sonho lúcido você sabe, em tempo real, que se trata apenas de um sonho. Geralmente nossos sonhos são caracterizados pela falta de estabilidade. Nossa atenção é carregada para lá e para cá pelo conteúdo dos nossos sonhos e pelas nossas reações habituais a esses eventos. Shamatha é uma prática que estabiliza a nossa atenção. A estabilidade da atenção é um passo crucial para a liberdade – liberdade de transcender a consciência normal do sonho e reconhecer que estamos sonhando, manter essa lucidez e transformar os nossos sonhos em um laboratório onde podemos explorar a mente com bastante atenção. Quando aprendemos gradualmente a concentrar a nossa atenção, a confusão é substituída por uma coerência contínua – desenvolvemos domínio sobre o ambiente do sonho. Embora em shamatha estejamos desenvolvendo a concentração, ela é alcançada não pela força, mas por meio de um profundo relaxamento. Não é a concentração estressante e por fim exaustiva de um piloto de caça que, depois de algumas horas de manobras extremamente complexas, habilidosas e exigentes, precisa de pelo menos vinte e quatro horas sem nenhuma atividade para se recuperar. Em shamatha, as distrações da mente são aquietadas, para que a atenção possa finalmente repousar confortavelmente e sem esforço sobre um objeto escolhido por horas a fio[2]. Essa estabilidade é uma plataforma ideal para o desenvolvimento das habilidades para o sonho lúcido e para a ioga dos sonhos. As técnicas que levam ao sucesso na prática dos sonhos incluem a memória prospectiva (preparar-se para lembrar de algo em um sonho futuro), a memória retrospectiva (lembrar sequências de eventos em sonhos do passado), a recordação de sinais que servem de alerta para o estado de sonho, e a concentração estável e relaxada em imagens visuais. Uma vez que os nossos estados comuns de consciência são dominados por diferentes graus de agitação e embotamento, neste momento não temos a clareza e a estabilidade necessárias para fazer uso efetivo de tais técnicas. Por outro lado, a mente relaxada, estável e vívida que foi treinada em shamatha é bastante adequada para estas tarefas. Permita-me ilustrar esse ponto: manobrar o reino do sono com sucesso – que inclui o processo de adormecer, o sono sem sonhos, os sonhos, despertar e voltar a dormir, e lembrar dos sonhos ao acordar – exige uma clareza maior do que o nosso entorpecimento noturno habitual proporciona. O sono comum é dominado pelo esquecimento[3]. As pesquisas demonstraram que a maior parte de nós desperta e depois volta rapidamente a dormir um certo número de vezes durante a noite. Poucos notam este hábito. No entanto, estes despertares espontâneos fornecem uma das oportunidades mais úteis para entrar em sonhos lúcidos. Podemos aprender que reingressar deliberadamente em um sonho depois de um desses intervalos pode levar a um sonho lúcido, mas se não nos lembrarmos de fazer isso, estaremos perdendo essas oportunidades continuamente. A clareza e a estabilidade de uma mente treinada em shamatha é uma base confiável para nos lembrarmos de aproveitar essas oportunidades. O mesmo é válido para uma outra técnica que iremos aprender mais tarde: o uso de eventos típicos de sonhos (chamados de sinais de sonho) para nos lembrarmos, durante o sono, que estamos tendo um sonho. Ao longo do tempo, podemos elaborar uma lista de eventos que ocorrem regularmente em nossos sonhos. Podemos observar, por exemplo, que nos encontramos várias vezes em um local específico, ou que nos deparamos com uma mesma situação ou com as mesmas pessoas ou objetos repetidas vezes. Se tivermos clareza mental para nos lembrarmos da importância desses sinais quando eles aparecem em nossos sonhos, eles podem nos fazer despertar dentro do sonho. O treinamento em shamatha aumenta significativamente as chances de que isso aconteça, ao passo que sem este treinamento, em nossa consciência normal de sonho, é mais provável que percamos esses sinais completamente, ou que tenhamos apenas uma vaga sensação de que eles devem ter algum significado ou aplicação. A prática de shamatha não é exclusiva do budismo. Pode ser encontrada nas tradições contemplativas do cristianismo, do hinduísmo, do sufismo, do taoismo e de outras tradições. Creio, no entanto, que o budismo produziu um programa de shamatha amplo e bem-elaborado, que é especialmente adequado para a prática dos sonhos. A versão que irei apresentar se baseia em uma tradição que faz uso de três técnicas específicas dentro de uma sequência de dez etapas. Primeiro farei uma breve apresentação da teoria desta versão budista de shamatha e, em seguida, apresentarei uma visão geral das adaptações mais práticas dessa teoria, que podemos utilizar para desenvolver habilidades para o sonho lúcido e para a ioga dos sonhos. Shamatha na teoria A estrutura geral para o treinamento de shamatha aqui apresentada é extraída do livro Stages of Meditation, escrito pelo contemplativo budista indiano do século VIII Kamalashila. Há dez etapas, começando com os estados de atenção mais grosseiros, conduzindo ao mais sutil – o atingimento de shamatha. Após atingir shamatha, o praticante será capaz de concentrar-se sem esforço em um objeto de escolha de forma contínua durante pelo menos quatro horas. A realização de shamatha é uma raridade nos dias de hoje, até mesmo entre os contemplativos dedicados. Há duas razões principais para isso: pela urgência em ingressar, completar e realizar as práticas “mais elevadas”, shamatha, embora tenha sido considerada um requisito para tais realizações, não tem sido enfatizada em muitas tradições contemplativas contemporâneas. Em segundo lugar, a menos que o praticante já tenha uma mente extremamente relaxada e equilibrada, a realização plena de shamatha pode exigir muitos meses ou mesmo alguns anos de prática solitária concentrada. No tempo em que as mentes bem- equilibradas eram mais comuns, como na calma sociedade pastoril do Tibete, a realização de shamatha era possível em um tempo menor. Mas, na civilização global acelerada e agitada de hoje em dia, essas mentes são extremamente raras. Embora o treinamento em shamatha não seja absolutamente necessário para que a prática dos sonhos tenha sucesso, eu o recomendo enfaticamente. A realização das duas primeiras das dez etapas a seguir, no mínimo, poderia melhorar muito a própria estabilidade da atenção, não só para esta prática, como para qualquer outra atividade. Realizar os estágios mais avançados, sem contar a própria realização de shamatha, fará com que a prática dos sonhos seja relativamente rápida e fácil. Os dez estágios do desenvolvimento de shamatha (brevemente descritos): 1) Atenção dirigida – O praticante desenvolve a capacidade de focar o objeto escolhido. 2) Atenção contínua – O praticante é capaz de manter a atenção contínua sobre o objeto por até um minuto. 3) Atenção ressurgente – O praticante recupera o foco rapidamente quando se distrai do objeto. 4) Atenção constante – O objeto de atenção não é mais completamente esquecido. 5) Atenção disciplinada – O praticante desfruta do samadhi ou “concentração unifocada”. 6) Atenção pacificada – Não há mais resistência ao treinamento da atenção. 7) Atenção plenamente pacificada – O apego, a melancolia e a letargia estão pacificados. 8) Atenção unifocada – O samadhi é sustentado sem agitação ou lassidão. 9) Equilíbrio da atenção – O samadhi é sustentado sem falhas e sem esforço. 10) Shamatha – O praticante mantém a concentração em um objeto sem esforço por pelo menos quatro horas; este estado é acompanhado de maleabilidade física e mental muito maiores e de outros efeitos secundários positivos[4]. A principal metáfora aplicada a estas dez fases sucessivas é a turbulência relativa de um rio. No início, pensamentos, emoções, imagens e assim por diante correm pela mente com a força de uma cachoeira. Nos estágios posteriores, esses fenômenos mentais aparecem com menos força e menos frequência, como um rio largo e calmo, até que ao final sejam completamente pacificados, como um mar sereno. Três práticas sequenciais no caminho de shamatha Descobri que as três práticas que descreverei a seguir são as mais eficazes para as pessoas dos tempos modernos se dedicarem ao treinamento de shamatha. A primeira é a atenção plena à respiração. Nesta prática desenvolve-se a atenção, observando as inspirações e as expirações, testemunhando passivamente as sensações táteis associadas com a respiração natural, por todo o corpo. A experiência da respiração fornece uma ancoragem excelente, permitindo que os relaxamentos físico e mental se tornem a base da prática desde o início. Para aqueles comprometidos com o treinamento integral de shamatha descrito acima, eu recomendo que a atenção plena à respiração seja praticada nos estágios de um a quatro. Para os três estágios seguintes – cinco a sete – recomendo a prática de estabelecer a mente no estado natural. Nesta prática, a atenção aos fenômenos mentais substitui o foco na respiração. Observa-se todos os eventos mentais que surgirem – pensamentos, imagens mentais e emoções – de forma neutra, objetiva, sem qualquer envolvimento. Permitimos que estes eventos, que normalmente nos capturam, passem diante da janela da mente, como nuvens sopradas pelo céu. Para os estágios oito em diante, recomendo a prática de shamatha sem sinais, também chamada de consciência da consciência. Nas práticas anteriores tínhamos um objeto de foco, isto é, um sinal. Aqui, a atenção é dirigida à própria consciência. Enquanto a respiração e os fenômenos mentais são objetos identificados dentro de uma estrutura conceitual – a consciência está focada em um objeto diferente de si mesma –, aqui a consciência simplesmente repousa em si mesma, luminosa e ciente. Estabelecer a mente em seu estado natural e a consciência da consciência, em conjunto com outras técnicas de meditação relacionadas a shamatha, são extremamente úteis para a prática dos sonhos, quer o aluno tenha ou não a intenção de seguir para os estágios mais refinados do treinamento de shamatha. Vou apresentar estas técnicas em momentos apropriados em capítulos posteriores. As instruções dadas neste capítulo, se seguidas com diligência, permitirão que o praticante realize os três primeiros estágios do treinamento de shamatha. Se ele se inspirar a seguir adiante, de forma geral, será necessário um retiro solitário por um tempo mais longo. Para uma explicação detalhada de todo o caminho de shamatha, veja o meu livro A revolução da atenção[5]. Shamatha na prática Sessão 1: relaxamento Aqui nós oferecemos uma sequência básica de meditação para a atenção plena às sensações táteis do corpo, que conduz ao relaxamento – o ingrediente- chave na prática de shamatha – e que também é um prelúdio útil para se ter uma boa noite de sono, sem a qual a prática dos sonhos bem-sucedida é difícil, se não impossível. Começaremos esta e as sessões seguintes estabelecendo o corpo em seu estado natural. Em seguida, cultivando uma qualidade de presença atenta e quieta, permitiremos que a consciência permeie o campo de sensações táteis – todas as sensações que surgem tanto no interior quanto na superfície do corpo. Depois de encontrar uma postura confortável, faça o seu melhor para permanecer imóvel, permitindo apenas os movimentos da respiração. Se estiver sentado (em uma cadeira ou no chão, de pernas cruzadas), deixe sua coluna ereta e eleve o seu esterno apenas o suficiente para que não haja pressão em seu abdômen, que o impediria de se expandir livremente conforme você inspira. Mantenha seus músculos abdominais soltos, sentindo o abdômen expandindo com cada inspiração. Onde quer que você encontre tensão ou contração no corpo, respire nessa área e, especialmente quando expirar, libere a tensão muscular. Preste atenção em particular aos músculos da face – à mandíbula, aos olhos. Complete esta preparação inicial do corpo, tomando três respirações lentas, profundas e vigorosas, respirando pelas narinas, descendo até o abdômen, expandindo o diafragma e, finalmente, respirando no tórax, atingindo quase a plena capacidade pulmonar; então, solte o ar sem esforço, plenamente atento às sensações correlacionadas com a respiração, conforme se manifestam por todo o corpo. Em seguida, estabeleça a sua respiração em seu ritmo natural, notando o quanto é fácil influenciá-la com as suas preferências. Da melhor forma possível, abandone o controle e permita que a respiração flua espontaneamente, sem nenhuma intervenção, com o mínimo esforço possível. Quando começamos a aprender meditação, nós rapidamente descobrimos o quanto a nossa mente é agitada e confusa. Às vezes somos inundados com uma cascata de pensamentos e emoções. Cultive uma atitude positiva, de paciência, quando se deparar com essas distrações. Em vez de reagir, tentando reprimir e forçar a mente a ficar quieta, relaxe e solte a energia reprimida e turbulenta do corpo-mente. Tire proveito de cada expiração como um momento natural para relaxar e soltar. Com cada expiração, perceba uma sensação progressiva de que seu corpo se derrete, se acalma, relaxa. A cada expiração, assim que notar qualquer pensamento ou imagem involuntários surgindo, apenas solte-os sem segui-los; e assim que os liberar, deixe que sua consciência desça tranquilamente mais uma vez para o corpo, simplesmente notando as sensações táteis surgindo dentro deste campo, em especial as sensações correlacionadas com a respiração. Permita-se liberar os pensamentos e cultivar uma outra qualidade de consciência, que é clara, brilhante, inteligente, atenta e silenciosa. Sempre que se der conta de que foi capturado por pensamentos, de que sua mente foi levada, em vez de se sentir frustrado ou se julgar, deixe que a sua resposta simples e imediata seja relaxar mais profundamente, soltar os pensamentos e trazer sua consciência de volta a este campo tranquilo da experiência tátil. Adote a duração de vinte e quatro minutos para a sua sessão de práticas (chamada, em sânscrito, um ghatika, que foi considerado ideal para o treinamento inicial de meditação na antiga Índia). Continue com a intenção de manter sua atenção no campo de sensações táteis associadas à respiração e, quando achar que se distraiu, relaxe mais profundamente, abandone as distrações e retorne para o corpo. Esta sequência prática agora é dada em forma resumida para que você possa dispensar as distrações causadas pela leitura do livro conforme pratica. Basta alguns momentos para se familiarizar com as instruções, memorizar a sequência, e então começar. Resumo da prática: • Postura: supino (shavasana, ou postura do cadáver)[6] ou sentado. • Respiração: em seu ritmo natural. • Atitude positiva: cultivo do relaxamento. • Atenção: no campo das sensações táteis. • Quando se distrair: traga gentilmente a atenção de volta para o campo das sensações táteis. • Duração: um ghatika (vinte e quatro minutos). • Intenção: observar as sensações táteis, relaxar e retornar quando se distrair. Comentário A técnica básica de shamatha envolve a interação de duas faculdades mentais: a atenção plena e a introspecção. A atenção plena (mindfulness, em inglês) pode ser definida como uma atenção contínua em um objeto escolhido, o que exige manter a tarefa em mente e não se distrair com outros fenômenos. A introspecção (como definiu o budista indiano do século VIII, Shantideva) é “a verificação repetida do estado em que se encontra seu corpo e sua mente”[7]. Portanto, a introspecção permite uma espécie de controle de qualidade, reconhecendo quando a atenção foi desviada, e serve de alerta para que a atenção plena se restabeleça. O praticante foca a mente usando a atenção plena para se lembrar da tarefa e, quando a atenção se desvia, a introspecção toma conhecimento para que o praticante possa novamente se dirigir para o objeto de atenção. Lembre-se de sua intenção e verifique se a está cumprindo a cada momento. Tenho uma forte impressão de que a maneira como respiramos quando estamos em sono sem sonhos é bastante restauradora para o corpo e para a mente. Quando estamos sonhando, nossos pensamentos e emoções podem interferir com a nossa respiração. A maioria de nós já despertou de um pesadelo – talvez um daqueles em que estamos sendo perseguidos por algo assustador – e se viu respirando com dificuldades. No sono sem sonhos, nossos pensamentos compulsivos – de esperanças e temores, fixações e antecipações, e atividade emocional – estão dormentes. Utilizando a prática descrita acima, podemos induzir esta respiração restauradora relaxando durante toda a expiração e, em seguida, em vez de puxar o ar, simplesmente permitindo que a inspiração flua passivamente. Nós abandonamos suavemente todo o controle da respiração, despreocupados com a duração relativa das inspirações e expirações, respirando sem esforço. Permitimos que a atenção fique difusa, escaneando as sensações táteis associadas à respiração e também as sensações que surgem na parte inferior do corpo – pernas e parte inferior do tronco. Isso leva a nossa energia e atenção para longe da cabeça, nos estabelecendo em nossa base e diminuindo a interferência de pensamentos. Ao se deitar, experimente esta prática na posição de supino por um tempo curto – cinco, dez, vinte minutos, ou mais se desejar – antes de ir para sua posição normal de dormir. Nas expirações iniciais, libere primeiro toda a tensão muscular do corpo, e quando estiver completamente relaxado fisicamente, libere também todos os pensamentos que surgirem – soltando lentamente o ar... soltando... soltando... – e, em seguida, permita que a inspiração flua espontaneamente. Em pouco tempo se sentirá em um ritmo profundo e relaxante. Isto, não apenas irá contribuir para uma boa noite de sono, mas será um prelúdio útil para o sonho lúcido. Sessão 2: estabilizando a atenção Depois de relaxar, com a atenção nas sensações táteis em todo o corpo, passamos para uma segunda fase, estreitando nosso foco para os movimentos de subir e descer do abdômen conforme respiramos, promovendo a estabilidade da atenção. Depois de encontrar uma posição confortável, comece estabelecendo o corpo em seu estado natural, imbuído das três qualidades de relaxamento, quietude e vigilância. Tendo feito isso, conclua esta etapa inicial com respirações lentas e profundas. Em seguida, estabeleça a respiração no seu ritmo natural e então, como antes, deixe sua consciência permear todo o campo de sensações táteis, enquanto observa especialmente as sensações relacionadas com a respiração, onde quer que surjam dentro do campo do corpo. Dentro deste campo, deixe sua consciência permanecer difusa. Nesta primeira fase da atenção plena à respiração, a ênfase principal está em permitir que surja uma sensação de tranquilidade, conforto e relaxamento no corpo e na mente. Facilitamos esse processo, relaxando especialmente com cada expiração, soltando o excesso de tensão muscular, liberando imediatamente qualquer pensamento ou imagem involuntária que surjam na mente – liberando- os e deixando a consciência retornar imediatamente para o campo das sensações táteis. A sensação de tranquilidade e relaxamento é indispensável para cultivar as habilidades de atenção e para a prática dos sonhos. Mas isso por si só não é suficiente. Precisamos também introduzir o elemento de estabilidade – a continuidade voluntária da atenção. Então, agora iremos intensificar esta prática, estreitando o foco de atenção. Em vez de focar em todo o corpo ou deixar a atenção permear todo o corpo, agora concentre a atenção mais firmemente nas sensações táteis do abdômen subindo e descendo a cada inspiração e expiração. Estreite o seu foco. Continue deixando a respiração fluir livremente, sem restrição ou esforço, e com atenção plena, simplesmente observando as sensações, sem sobreposição conceitual, sem cogitação – apenas as sensações na região do abdômen relacionadas ao fluxo da respiração. Note a duração de cada inspiração e expiração, se é curta ou longa. Continue relaxando a cada expiração, superando assim a agitação, a excitação da mente. Mas com cada inspiração, eleve a sua atenção, superando assim a lassidão e o embotamento. Deste modo, cada ciclo da respiração é como uma sessão de meditação completa, projetada para superar a agitação e a lassidão, e para cultivar a estabilidade e a vivacidade. À medida que a mente se acalma e a atenção se estabiliza cada vez mais, você poderá perceber que isso aumenta o grau de relaxamento e tranquilidade do corpo e da mente. Ao mesmo tempo, quanto maior for a sensação de relaxamento no corpo e na mente, mais fácil será estabilizar a atenção. Existe uma sinergia entre estas duas qualidades. Continue alternando o relaxamento e a elevação da atenção, na expiração e na inspiração. E agora, para ajudar a conter o fluxo de pensamentos obsessivos, para deixar de ser compulsivamente levado por pensamentos, pode ser útil, pelo menos ocasionalmente, contar as respirações, substituindo muitos pensamentos errantes por alguns pensamentos regulares – a contagem. Existem vários métodos e este é um deles: inspire, permitindo que o ar flua sem esforço até o final da inspiração. Pouco antes de a expiração começar, mentalmente, e muito brevemente, conte “um”. Depois expire, relaxando, soltando os pensamentos durante toda a expiração. Eleve tranquilamente sua atenção durante a próxima inspiração, até o seu final, e então conte mentalmente, e muito brevemente, “dois”. Portanto, há uma contagem no final de cada inspiração. Você pode contar várias vezes de um a dez, ou de um a vinte e um, ou continuar contando como preferir. Deixe a contagem ser muito sucinta, muito breve, apenas como um lembrete para se manter continuamente consciente do fluxo das sensações na região do abdômen relacionadas à inspiração e à expiração, da melhor forma possível. Encerre a sessão. Resumo da prática: • Estabeleça o corpo em seu estado natural. • Respire em um ritmo natural. • Primeira fase: atenção no campo de sensações táteis (treinando o relaxamento). • Segunda fase: atenção no abdômen subindo e descendo (treinando a estabilidade). • Alterne superando a agitação (na expiração) e elevando a atenção (na inspiração). • Conte as respirações. • Duração: um ghatika (vinte e quatro minutos). • Intenção: treinar a estabilidade. Comentário Embora a técnica pareça simples e direta, a mente que estamos treinando – condicionada pelas nossas experiências de vida e formação cultural – não é assim. O primeiro choque que os iniciantes geralmente levam é o grande volume de “ruído” mental, que confunde a consciência quando se começa a meditar. Embora possa parecer que a própria prática tenha introduzido essas distrações, elas estiveram lá o tempo todo, consideradas como parte do funcionamento normal das nossas mentes. Rapidamente descobrimos que há dois tipos principais de distração que nos fazem esquecer a nossa tarefa: a agitação e o torpor. Para a maioria de nós, a agitação é o nosso maior problema inicial em focar o objeto escolhido. Estamos habituados a pensar rapidamente, esvoaçando por uma variedade de assuntos – atendendo telefonemas, conversando, navegando na internet, realizando múltiplas tarefas simultaneamente. Nós desenvolvemos um desejo intenso por objetos e experiências que exigem muita atividade. Pedir a nós mesmos para subitamente nos acalmarmos e nos concentrarmos em nossa respiração é pedir demais. Quando não estamos agitados, estamos muitas vezes entorpecidos – fatigados pelo ritmo acelerado e estressante da vida moderna. Nessas ocasiões, quando tentamos meditar, vemos que o nosso foco não é nítido. O objeto de atenção carece de vivacidade. Nós nos desligamos e, minutos depois, percebemos que estávamos sonhando acordados ou dormindo. O que devemos buscar, então, é um meio-termo entre a agitação e o torpor. Para preparar esta base intermediária, desde o início, enfatizamos as atitudes de relaxamento, quietude e vigilância. O relaxamento e a quietude diminuem a agitação, enquanto a vigilância neutraliza o torpor. Com isso em mente, nos tornamos gradualmente capazes de experimentar momentos de clareza – uma trégua do nosso fluxo mental normal que oscila entre agitação e torpor. Sessão 3: a vivacidade da atenção Passaremos agora pelas duas primeiras fases, de focar a atenção no campo de sensações táteis em todo o corpo e de focar a atenção nos movimentos do abdômen, subindo e descendo, e entraremos na terceira fase – do desenvolvimento da vivacidade da atenção. Estabeleça o corpo mais uma vez em seu estado natural, deixando que a consciência permeie todo o campo do corpo, mantendo o corpo tranquilo, quieto, em uma postura de vigilância. Se achar útil, faça três respirações lentas e profundas para concluir esta acomodação inicial do corpo. Estabeleça a respiração em seu ritmo natural, fluindo sem esforço. Por alguns instantes deixe que a sua consciência continue difusa, preenchendo todo o campo tátil do corpo, deixando que sua atenção se mova à vontade dentro deste campo, observando qualquer sensação que surgir, especialmente aquelas relacionadas com a respiração. Mantenha a atenção no campo de sensações do corpo, sem se deixar levar por pensamentos ou para outros campos sensoriais. Continue relaxando e soltando a cada expiração. Passamos agora para a segunda fase, em que, como na prática anterior, estreitamos mais o foco da atenção nos movimentos do subir e descer do abdômen, introduzindo o elemento de estabilidade da atenção, cultivando deliberadamente a continuidade firme da atenção plena, sem ser aprisionada pelos pensamentos e sem se deixar levar para outros campos dos sentidos. Mantenha-se engajado com o fluxo contínuo de sensações do abdômen subindo e descendo, a cada inspiração e expiração. Relaxe a cada expiração como fez anteriormente, soltando imediatamente quaisquer pensamentos ou imagens involuntárias. Com cada inspiração, eleve sua atenção, e da melhor forma possível mantenha um fluxo contínuo de atenção plena às sensações táteis relacionadas à inspiração e à expiração que se manifestam no abdômen. Deixe que este seja um trabalho em tempo integral. Há sempre algo para fazer. Permaneça engajado. Sustente o foco. Relaxe a cada expiração, elevando sua atenção a cada inspiração. E, por fim, introduziremos agora o elemento de vivacidade. Passamos para a terceira fase da atenção plena à respiração, levando o foco da atenção para as aberturas das narinas ou para a área logo acima do lábio superior, onde quer que possa perceber mais claramente as sensações do ar fluindo para dentro e para fora. Foque sua consciência mental sobre essas sensações táteis da respiração, não a sua consciência visual. Mantenha os músculos do rosto relaxados, os olhos soltos, a testa aberta. Observe se não está direcionando seus olhos para a ponta do seu nariz; isto apenas causará tensão, ou até mesmo dores de cabeça. Assim, mantenha todo o rosto solto, relaxado, e foque apenas a sua consciência mental nas sensações da entrada e saída do ar pelas aberturas das narinas. Foque sua atenção na diferença de temperatura do ar na inspiração e na expiração pelas narinas, que sai um pouco mais quente. À medida que sua respiração se torna mais calma e refinada, essa diferença se tornará mais e mais sutil, desafiando-o a fazer com que sua consciência fique mais vívida. Por puro hábito, os pensamentos involuntários surgirão inevitavelmente um após o outro, e a mente continuará divagando. Mais uma vez, a fim de conter esse fluxo involuntário de pensamentos, imagens e memórias, experimente contar as respirações. Contando brevemente ao final de cada inspiração, pouco antes do começo da expiração, cristalize sua atenção, e observe atentamente as sensações da respiração ao longo de todo o curso da expiração. Mesmo que haja uma pausa no final da expiração, você ainda poderá detectar sensações nas aberturas das narinas. Continue a observá-las e, em seguida, acompanhe as sensações durante todo o curso da inspiração, seguida por uma breve contagem. Da melhor forma possível, mantenha um fluxo contínuo de atenção plena; engaje-se com o fluxo contínuo de sensações nas aberturas das narinas. Desta forma, você exercita e aperfeiçoa a faculdade da atenção plena. Na prática de shamatha desenvolvemos e aperfeiçoamos a faculdade da atenção plena, e também da introspecção – nossa capacidade de monitorar o estado da mente, monitorar o processo de meditação, reconhecendo rapidamente quando a mente foi capturada e levada por pensamentos, ou quando a mente está simplesmente entrando em um estado de entorpecimento ou lassidão, talvez a caminho de adormecer. Assim que reconhecer, por meio da introspecção, que a sua atenção se tornou agitada, capturada e levada por pensamentos, deixe que a sua primeira resposta seja relaxar profundamente, soltar o pensamento e imediatamente voltar a se engajar com as sensações da respiração. Mas antes de tudo relaxe – solte-se. E assim que reconhecer, por meio da introspecção, que a sua mente está perdendo a clareza, caindo na lassidão ou no torpor, deixe que sua primeira resposta nesta situação seja a de elevar sua atenção e renovar o interesse em treinar a mente. Leve o foco de sua atenção de volta às sensações da respiração. Desta forma, equilibre sua atenção, superando suas inclinações em direção ao déficit de atenção, como o torpor, e à hiperatividade da atenção, como a agitação ou excitação. Depois de vinte e quatro minutos, encerre a sessão. Resumo da prática: • Estabeleça o corpo em seu estado natural. • Respire em um ritmo natural. • Primeira fase: atenção no campo de sensações táteis (relaxamento). • Segunda fase: atenção no abdômen subindo e descendo (estabilidade). • Terceira fase: atenção na abertura das narinas(cultivando a vivacidade da atenção). • Conte as respirações. • Melhore a atenção plena por meio da introspecção. Comentário As três fases que desenvolvemos até este ponto – relaxamento, estabilidade e vivacidade – podem ser comparadas à estrutura de uma árvore. A raiz de toda a prática é o relaxamento. O tronco é a estabilidade. Assim como as raízes de uma árvore sustentam o tronco, do mesmo modo o relaxamento sustenta a estabilidade da atenção. E da mesma forma, sem a estabilidade do tronco, a folhagem – a vivacidade de shamatha – não pode ser sustentada. Você precisa das três qualidades e elas devem estar em equilíbrio sinérgico. Se o relaxamento for muito intenso, é provável que você se sinta entorpecido e sonolento. Se a vivacidade for muito intensa e vigorosa, você poderá se sentir agitado. Se você quiser desenvolver shamatha de forma eficiente, não subestime o desenvolvimento inicial do relaxamento. Experimente a posição em supino e mergulhe profundamente na calma, no relaxamento e na descontração. Observe, então, como a estabilidade pode emergir dessa sensação de grande tranquilidade. Você pode permanecer bastante centrado e focado, sem precisar se concentrar de forma cada vez mais rígida. Assim, relaxamento e estabilidade equilibram-se mutuamente. A maioria das pessoas, quando têm o seu primeiro sonho lúcido, notam alguma anomalia, algum objeto ou evento estranho em seu sonho e isso catalisa a consciência de que estão sonhando. E então ficam tão animados que dois segundos depois acabam acordando. A estabilidade originada do relaxamento irá permitir que você se mantenha estável em vez de agitado, prolongando seus sonhos lúcidos. O segundo ato de equilíbrio é entre estabilidade e vivacidade. Assim como é importante que a estabilidade não seja obtida às custas do relaxamento, o aumento da vivacidade não deve enfraquecer a estabilidade. Você deve intensificar a clareza, a luminosidade e o brilho, mas sem causar agitação, que o faria perder a coesão mental. A técnica para aumentar a vivacidade é focar a atenção em um objeto mais sutil, como as sensações da respiração na região das narinas. É preciso mais atenção para acompanhar essas sensações do que para seguir os movimentos relativamente mais grosseiros do abdômen durante a respiração. Se por meio da introspecção você notar que o grau de vivacidade está causando agitação, retroceda um pouco, relaxe e retome a estabilidade. A estratégia completa, então, é permitir que a estabilidade se desenvolva a partir do relaxamento e que a vivacidade surja a partir da estabilidade. Naturalmente, cada praticante utilizará estas três técnicas de shamatha de acordo com os graus de atenção, agitação e lassidão trazidos inicialmente à prática. Estas são as qualidades de nossas mentes no momento – o produto de nossos hábitos e experiências mentais. Ao tentar aplicar cada uma destas técnicas, alternando-as, e assim por diante, você irá gradualmente compreender seus pontos fortes e fracos e refinar a sua rotina de meditação de forma adequada, utilizando as sugestões acima como guia. Mais à frente neste livro, eu apresentarei outras práticas que irão aperfeiçoar ainda mais a sua capacidade de realizar as tarefas necessárias para o sonho lúcido e para a ioga dos sonhos. Possibilidades mais profundas Enquanto estamos desenvolvendo shamatha, podem surgir experiências relacionadas às camadas mais profundas da consciência espontaneamente. Elas podem ser comparadas a raios de luz atravessando as nuvens da nossa consciência normalmente condicionada. Podem se manifestar como premonições ou visões remotas. Lembro-me que, durante um retiro, havia um praticante que não tinha ideia do que seria servido no almoço, mas descreveu o menu perfeitamente. Ficou muito surpreso quando desceu para almoçar. Sua experiência clarividente surgiu espontaneamente. Vi casos semelhantes de premonição envolvendo alguns dos iogues com quem vivia nas colinas acima de Dharamsala, na Índia, na década de 1980, muitos dos quais haviam estado em retiros fechados e solitários por décadas. Eles perceberam que tinham sonhos premonitórios na noite anterior à chegada de algum visitante inesperado. Eu mesmo tive um aluno que, praticando meditação de shamatha, teve visões sobre receber mensagens de determinadas pessoas. Logo depois, quando verificou seus e-mails, sua premonição foi confirmada. [2]. Este alto grau de concentração é chamado de “unifocalização” (Sânscrito: ekāgratā). [3]. Se você não crê que a sonolência e esquecimento dominam o sono e os sonhos, passe alguns dias examinando e comparando a nitidez da sua atenção durante o dia com a da noite e a do início da manhã. [4]. Estes efeitos secundários incluem o aumento da energia física, da bem-aventurança mental e física, e estabilidade e vivacidade mentais muito elevadas. [5]. ALAN WALLACE, B. The Attention Revolution. Somerville, Mass.: Wisdom Publications, 2006 [Ou A revolução da atenção. Petrópolis: Vozes, 2008]. [6]. Entre nesta postura deitando-se de costas, com a coluna em uma linha reta da cabeça aos calcanhares, com os pés juntos e relaxados, deixando que caiam para o lado. Seus braços devem estar estendidos, ligeiramente afastados do corpo, com as palmas das mãos voltadas para cima. [7]. SHANTIDEVA. A Guide to the Bodhisattva Way of Life. Vol. 108. Ithaca, NY.: Snow Lion Publications, 1997 [Trad. de V.A. Wallace e B.A. Wallace].. 2 A teoria do sonho lúcido O estudo do sonho lúcido começou de fato há três décadas no campo da pesquisa sobre o sono, um ramo da Psicologia. Entre os mais conhecidos pesquisadores da área estão Stephen LaBerge, Paul Tholey, Harald von Moers- Messmer, G. Scott Sparrow e Keith Hearne[8]. A psicologia ocidental só aceitou a validade do sonho lúcido no final de 1980, quando LaBerge provou sua existência em um experimento de laboratório. Antes disso, os psicólogos tinham certeza de que estar dormindo e estar consciente eram estados mentais mutuamente excludentes, apesar do fato de os sonhos lúcidos não serem incomuns. Embora o trabalho de Stephen LaBerge e outros tenha popularizado os sonhos lúcidos em algum grau entre o público em geral, a pesquisa sobre o sonho lúcido até o momento não se tornou um grande esforço científico. A aceitação relutante oferecida pela psicologia ao sonho lúcido não é de surpreender. A ciência da psicologia ocidental tem apenas 140 anos e continua a lutar por respeito dentro da comunidade científica. Dado o seu foco predominantemente materialista, a ciência sempre foi relutante em examinar fenômenos imateriais como a mente. De fato, em especial na neurociência, os cientistas têm procurado definir a mente e os fenômenos mentais como essencialmente materiais – como subprodutos do cérebro físico composto por neurônios, sinapses, células da glia, neurotransmissores, e assim por diante. De acordo com esta visão, pensamentos, emoções e sonhos são apenas eventos eletroquímicos que acontecem dentro do cérebro. Seu conteúdo – “Me sinto tão bem!”, “Esta torta está uma delícia”, “Eu tive um pesadelo” – é irrelevante para os químicos, biólogos, neurologistas e outros, preocupados em reduzir a mente a suas causas físicas. Esta atitude revela uma intolerância à incerteza. Os cientistas realmente não conhecem a natureza das correlações entre eventos mentais e neurais, mas em vez de enfrentar essa incerteza, os materialistas simplesmente decidem que o que não pode ser medido cientificamente, ou seja, os eventos mentais, é equivalente ao que pode ser medido, ou seja, a atividade cerebral. No início da história da psicologia os comportamentalistas adotaram uma abordagem semelhante ao equiparar a atividade mental ao comportamento físico. Na realidade, não há nenhuma evidência de que as experiências subjetivas sejam o mesmo que seus processos cerebrais correlacionados ou suas formas resultantes de comportamento; assim tais afirmações são não científicas. Não são de fato nada mais do que especulações metafísicas apresentadas como fatos científicos que levam à ilusão do conhecimento – o principal obstáculo na busca da verdade. Todas as declarações sobre os eventos mentais estarem localizados no cérebro, atribuindo funções cognitivas como “saber”, “lembrar” e “perceber” aos neurônios, baseiam-se na equivalência imaginada entre eventos mentais e neurais. Isto equivale a antropomorfizar o cérebro, enquanto nos desumaniza como seres sencientes. Embora as descobertas recentes (como a neuroplasticidade – a capacidade do cérebro de se reestruturar a partir da experiência) tenham causado rachaduras significativas nesta muralha científica, e ainda existam grandes problemas em determinar a relação exata entre os fenômenos mentais e a atividade cerebral, a ciência moderna do cérebro ainda mantém firmemente a sua posição filosófica baseada no materialismo. Este é um grande contraste com a psicologia oriental e, em particular, com a história, teoria e práticas budistas da ioga dos sonhos. A psicologia, o estudo da mente, era uma questão central – talvez a questão central – do budismo desde que o Buda Shakyamuni começou a dar ensinamentos na Índia, há 2.500 anos. Porque de acordo com a visão budista, o mundo da experiência é a porta de entrada para o conhecimento; a ideia de que a mente poderia ser uma entidade física não era seriamente considerada. O conteúdo e as inter-relações dos fenômenos mentais eram de suprema importância para a compreensão tanto da mente quanto do universo físico. Seria justo dizer que, se os budistas antigos tivessem sido apresentados aos telescópios e microscópios, eles teriam se interessado profundamente, não só pelas coisas que podem ser vistas por eles, como também pelas relações entre esses dados, a natureza dos instrumentos e as mentes que os observam[9]. Quando chegarmos à ioga dos sonhos, estudaremos teorias e práticas derivadas das Seis Iogas de Naropa[10], datadas do século XI, bem como a apresentação da ioga dos sonhos dentro dos ensinamentos sobre os Seis Bardos, da linhagem Nyingma do Budismo Tibetano[11]. Os ensinamentos sobre a ioga dos sonhos têm sido transmitidos ao longo de mil anos, dentro de uma tradição baseada no empirismo, onde o aluno segue a orientação de um mestre que tem experiência e conhecimento na transformação e exploração de estados da consciência. Embora não sejam usados instrumentos científicos para comprovar as experiências da ioga dos sonhos, elas são replicáveis e podem se tornar públicas por meio de perguntas investigativas do mestre e das descrições detalhadas do aluno. Qualquer pessoa que desejar fazer o esforço poderá experimentá-las por si mesma. Esta é, portanto, uma abordagem “objetiva” e “científica”, comparável à comprovação de sonhos lúcidos feita por LaBerge. Sua experiência era puramente subjetiva – ninguém mais podia observá-la diretamente. Seu método engenhoso de demonstrar que estava ao mesmo tempo dormindo e consciente está na mesma categoria dos métodos empíricos utilizados pelos iogues do sonho para verificar suas experiências subjetivas. Assim como a demonstração de LaBerge foi perfeitamente válida para demonstrar uma atividade que os instrumentos não poderiam medir, da mesma forma a abordagem subjetiva e empírica da tradição da ioga do sonho pode ser avaliada cientificamente – desde que haja determinação para fazê-lo. Se a ioga dos sonhos é tão eficaz e foi tão exaustivamente testada, por que deveríamos nos preocupar com a teoria e a prática da ciência moderna do sonho lúcido? Há duas razões: em primeiro lugar, a ioga dos sonhos é uma técnica avançada apropriada para os alunos que já possuem mentes relativamente estáveis e, em geral, é ensinada apenas para aqueles que atingiram um determinado nível em outros treinamentos iogues. Por isso, pode ser difícil para os ocidentais iniciarem a prática de ioga dos sonhos sem alguma preparação. Em segundo lugar, o sonho lúcido – como um produto da cultura ocidental moderna – faz parte da nossa visão de mundo científica familiar e mundialmente compartilhada. Por ter raízes em algo familiar, o sonho lúcido é mais facilmente compreendido e aplicado por aqueles que estão familiarizados com a cultura ocidental. Acredito que o sonho lúcido fornece meios eficazes e acessíveis para explorar os sonhos, é uma boa introdução para todo o campo da prática dos sonhos (que inclui a ioga dos sonhos) e é um complemento perfeito para a ioga dos sonhos. Usando o sonho lúcido como um ponto de partida, podemos integrar as duas abordagens para que a prática dos sonhos seja eficaz. Sono e sonhos – alguns fundamentos As pesquisas sobre o sono revelaram quatro níveis ou subestágios de sono que precedem o sonho. São chamados de NREM 1 a 4 (Nrem significa sem movimento rápidos dos olhos ou non-rapid eye movement – em referência ao fato de os olhos fechados estarem ou não se movendo sob as pálpebras). O estágio NREM 1 é a transição entre o estado de vigília e de sono. Aqui nos tornamos progressivamente sonolentos até perdermos a consciência. Este período normalmente curto é caracterizado por movimentos oculares lentos e experiências ocasionais de imagens hipnagógicas – aparências mentais oníricas e vívidas. A primeira ocorrência do sono NREM 2 dura cerca de vinte minutos. Nesta fase estamos realmente dormindo, com pouca atividade mental, desvinculados do ambiente físico. Esta é seguida pelos estágios NREM 3 e NREM 4, caracterizados por um sono mais profundo e apresentando padrões de ondas cerebrais delta, que são lentas, de alta amplitude e regulares. Todas estas são essencialmente fases do sono sem sonhos. A pressão sanguínea cai e o ritmo da respiração diminui. Este é também o sono mais profundo e restaurador[12]. Inicialmente, após trinta a quarenta minutos de sono delta, entramos no sono REM. É aqui que ocorrem os sonhos. A sequência das fases é então: os sonos NREM 1, 2, 3, 4, e REM. Durante o sono REM o corpo fica imobilizado, em uma espécie de paralisia muscular chamada atonia. O primeiro período de sono REM é curto – cinco ou dez minutos. O ciclo completo é repetido várias vezes em ciclos de cerca de noventa minutos. A duração proporcional dos períodos de sono REM aumenta ao longo da noite, sendo que o tempo total de sono REM corresponde a 25% de uma noite de sono. (Este perfil regular é extremamente útil como base para uma técnica de estimular a lucidez em sonhos, descrita a seguir). A pessoa habitualmente desperta brevemente quinze vezes ou mais durante a noite, embora estes despertares raramente sejam notados. Estes despertares também podem ser usados para melhorar a prática dos sonhos lúcidos. Além disso, descobriu-se que a noção de transcorrer do tempo dentro dos sonhos lúcidos se aproxima da noção de tempo no estado de vigília. Se tiver a impressão de ter sonhado durante meia hora, isso é o que provavelmente aconteceu. Consciência de sonho Nas palavras de Stephen LaBerge, “O sonho pode ser visto como um caso especial de percepção, sem as restrições dos estímulos sensoriais externos. Por outro lado, a percepção pode ser vista como um caso especial de sonho limitada por estímulos sensoriais”[13].De acordo com essa afirmação, ambos os estados de consciência – a percepção no sonho e no estado de vigília – são muito semelhantes, com sobreposição de redes de mecanismos cerebrais correlatos. E os dois estados podem ser potencialmente tão claros quanto o “desperto”. Outro aspecto que faz com que a consciência desperta seja semelhante ao estado de sonho é a noção quase universalmente aceita de que as qualidades percebidas dos objetos estão “lá fora”, nos próprios objetos. O vermelho da camisa vermelha de alguém ou o amarelo de um táxi passando são assumidos como uma qualidade inata da camisa ou do táxi. Essa suposição geralmente prevalece tanto na consciência de vigília quanto no sonho não lúcido. Mas se acreditarmos nisso, estaremos realmente sonhando. Na verdade, a ciência ocidental desde o tempo de Descartes tem negado esta afirmação aparentemente intuitiva. As qualidades dos objetos externos que percebemos não estão contidas nos próprios objetos, mas são tão ilusórias e oníricas quanto às qualidades de um dragão cuspidor de fogo percebidas em um pesadelo. De que forma? De um modo geral a nossa percepção pode ser “limitada” pelos objetos físicos que percebemos, mas as qualidades percebidas nesses objetos, como cor, brilho, textura, temperatura, odor, sabor, e assim por diante, surgem da interação entre o estímulo sensorial externo, as funções do cérebro e o fluxo de consciência. A noção de que essas qualidades sejam inerentes aos objetos é negada pela ciência. Por exemplo, o sol pode emitir fótons (que podem ser registrados por instrumentos científicos), mas são os nossos órgãos perceptivos e conceituais que experimentam o que chamamos de “luz”. A dualidade do claro versus o escuro é construída em nós (e outros seres que percebem as coisas desta forma), mas essas qualidades não existem “lá fora” no mundo. O sol, em si, não é “brilhante”. Nem é “quente”. Ele emite fótons e radiação térmica que percebemos como brilhante e quente. Os campos da Biologia e da Física estabeleceram isto como um fato científico. Torna-se um pouco mais fácil de aceitar essa ideia incomum quando pensamos nos animais, como determinadas espécies cegas que vivem em alto- mar e em cavernas. Para eles não haveria claro e nem escuro. O mesmo vale para os seres humanos que são cegos de nascença. Eles conhecem o claro (e escuro) apenas a partir do que lhes foi dito por seres humanos que enxergam. Da mesma forma, para os surdos não há som ou o silêncio (embora as ondas de som possam ser sentidas com o corpo). Além disso, outras criaturas percebem fótons, ondas sonoras, e outros dados sensoriais de formas que são, às vezes, radicalmente diferentes da nossa. Basta imaginar a variedade de odores percebidos por cães. Assim, as qualidades dos objetos que percebemos surgem na dependência das nossas mentes e corpos em interação com o meio ambiente. Acreditar no contrário é viver sob o feitiço de uma ilusão – que permeia a nossa consciência tanto na vigília quanto no sonho. Visto desta perspectiva, o efeito do condicionamento em nossas percepções cria uma realidade de sonho. Os seres humanos sonham com realidades humanas, mas os cães podem sonhar com odores, as baleias com músicas subaquáticas. Quando estamos acordados, experimentamos o mundo de acordo com o nosso condicionamento. Por exemplo, adquirimos algumas das nossas experiências iniciais com a gravidade quando aprendemos a andar. Nós caíamos frequentemente – alguma “força” continuava nos puxando para baixo, e perdíamos o equilíbrio. Toda a noção de equilíbrio quando estamos sentados, em pé, andando e correndo envolve uma interação ativa com a gravidade. Então, a gravidade – seja lá o que for (existem várias hipóteses científicas) – é uma restrição física experimentada com a consciência do estado de vigília. Nós nos tornamos condicionados a isso de maneiras específicas, quando aprendemos a nos mover ainda crianças. Em sonhos, no entanto, é possível escapar da lei da gravidade. As leis da física não se aplicam no reino não físico dos sonhos, onde flutuar e voar pelo espaço não são incomuns. No treinamento do sonho lúcido, uma das primeiras habilidades adquiridas é voar como desejarmos. Assim, como Stephen LaBerge sugere acima, os sonhos são um modo de experiência não limitada pelos estímulos físicos do ambiente. Talvez seja mais correto dizer que a consciência do sonho não é tão rigidamente condicionada quanto a consciência do estado de vigília. Na verdade, os sonhadores lúcidos, por vezes, precisam treinar para poder voar. A noção de gravidade é tão arraigada que pode atravessar para o estado de sonho. Nesse caso, pode ser que um sonhador lúcido precise aprender a voar em etapas, ganhando a confiança de que no reino dos sonhos não irá cair e se ferir. Porque se ele acreditar que a gravidade irá impedir o voo, não poderá voar. Se superar essa crença, estará livre das limitações da gravidade impostas conceitualmente. Portanto, o condicionamento desempenha um papel importante nas qualidades percebidas tanto na consciência de vigília quanto na de sonho. Pelo fato de o sol que percebemos em um sonho ser puramente imaginário, ele não estará a 150.000 mil quilômetros de nós e não emitirá fótons e nem energia térmica. Mesmo assim, podemos perceber um sol brilhante e quente em nossos sonhos. Mas uma vez que não há sol físico em nossos sonhos para limitar a nossa percepção, também podemos optar por experimentar um sol na forma de um cubo, que emite raios de luz fria e verde. Isso nos leva à essência da consciência tanto da vigília quanto do sonho: ambos são formas de consciência, a mesma consciência por meio da qual conhecemos – no mais amplo e mais básico sentido – tudo o que experimentamos. E esta consciência pode ser influenciada – ela é maleável e sujeita ao condicionamento. Os iogues do sonho buscam transcender esse condicionamento para atingir a iluminação – a experiência direta da realidade, que é o objetivo final do budismo e de outras disciplinas contemplativas. Os sonhadores lúcidos procuram usar a maleabilidade da consciência com vários propósitos, incluindo a realização espiritual. Ao explorar a consciência do sonho diretamente – realizando experimentos – ambas as tradições criaram teorias e práticas que cada um de nós poderá confirmar se investir tempo e energia suficientes. Estratégias para a lucidez O torpor e a amnésia – que operam lado a lado – são os principais obstáculos à lucidez enquanto dormimos. O torpor nos coloca em um estado de confusão que nos impede de operar a mesma nitidez do estado de vigília. A amnésia nos impede de lembrar que estamos dormindo durante o sonho. Enquanto sonhamos, estamos frequentemente envolvidos em atividades que são inconcebíveis da perspectiva do estado de vigília, assumindo que são reais durante todo o tempo, sem jamais questionar se estamos dormindo ou acordados. A ciência dos sonhos lúcidos desenvolveu uma série de estratégias eficazes para combater este estado de torpor. O poder da motivação Não é provável que o praticante possa avançar muito na prática dos sonhos lúcidos, tendo uma atitude casual. A eficácia de muitas das práticas do sonho lúcido é resultado de uma motivação proativa e positiva, baseada em um intenso interesse e desejo de alcançar e desenvolver o sonho lúcido. Esta abordagem é igualmente encontrada na ioga dos sonhos. Os principiantes na prática da ioga dos sonhos são encorajados a se prepararem repetindo firmes resoluções, tais como: “Hoje eu definitivamente reconhecerei o estado de sonho!”, em voz alta antes de dormir. A prática dos sonhos lúcidos utiliza algumas estratégias como essa, tanto durante o dia quanto na hora de dormir, para aumentar as chances do sonho lúcido. Estas se baseiam em lembretes comuns como os que usamos para despertar em um determinado horário. Quando necessário, muitos de nós somos capazes de despertar em um horário predeterminado pela manhã, sem o uso do despertador. Se, por exemplo, quando estamos viajando, nos esquecemos de levar despertador e precisamos pegar um voo cedo pela manhã, podemos despertar pelo poder de um forte sugestionamento: “Eu tenho que acordar às 6h00!” O mesmo mecanismo interno permite que as mães despertem espontaneamente em uma hora específica no início da manhã para alimentar seus bebês. É o que precisa ser feito, e pronto. Outra forma útil para nos prepararmos para o sonho lúcido é antecipá-los enquanto estamos acordados. Em intervalos ao longo do dia, imaginamos que nos tornamos lúcidos durante um sonho. Podemos imaginar nos tornando lúcidos em um sonho recente, talvez provocado por algo estranho ou impossível que tenha ocorrido no sonho. Este tipo de antecipação é especialmente eficaz se for feita quando estivermos adormecendo. Estes são exemplos de memória prospectiva: preparar para se recordar em um momento futuro de uma sugestão feita anteriormente. No sonho lúcido, esta técnica pode ser consideravelmente melhorada com o uso de sinais de sonho, derivados de um diário de sonhos. Manter um diário com descrições detalhadas de seus sonhos serve a vários propósitos. Primeiramente, para ter algo a escrever em seu diário, você deve ser capaz de se lembrar de seus sonhos. Foi demonstrado que a recordação nítida do sonho é um fator crucial no desenvolvimento do sonho lúcido. O estudo dos sonhos lúcidos desenvolveu várias técnicas para melhorar a memória relacionada aos sonhos. Aprendemos nos primeiros estágios do treinamento dos sonhos lúcidos que tendemos a esquecer facilmente os nossos sonhos; assim, aprender a ficar quieto ao acordar, e lançar imediatamente a atenção de volta ao sonho do qual despertamos, nos permitirá registrar seus detalhes. Em segundo lugar, o uso da memória prospectiva para podermos nos lembrar de permanecer quietos, voltar a atenção e recordar dos sonhos é por si só uma introdução a uma técnica mais avançada, que pode ser aplicada tanto para levar à lucidez como para treinar dentro do estado de sonho lúcido. Esta forma mais avançada de memória prospectiva requer que você identifique os seus sinais pessoais de sonho. Estes são objetos, personagens, situações e comportamentos característicos que aparecem em seus sonhos. Uma vez que tenha sido reunido material suficiente em seu diário de sonhos, é feita uma análise para descobrir as coisas que se repetem com frequência e para categorizar esses fenômenos. Você, então, familiariza-se com eles e os transforma em alvos da memória prospectiva. Suponhamos que um de seus sinais de sonho seja, por exemplo, o aparecimento repetido de um coelho branco; você treina com o lembrete: “A próxima vez que eu vir um coelho branco, irei me perguntar se estou ou não sonhando”. Esta estratégia pode ser ainda mais refinada, acrescentando uma verificação de estado para o reconhecimento de um sinal de sonho. Há uma série de atividades que você pode realizar para verificar o seu estado, para determinar se você está sonhando ou se está acordado. Como mencionado anteriormente, muitas vezes nos sonhos é possível flutuar ou voar. Também acontece em sonhos de textos impressos e numerais de relógios digitais mudarem quando você olha uma vez, desvia o olhar e em seguida, volta a olhar. Se em um sonho você ler algo que diz “mãe”, desviar o olhar e depois voltar a ler, muito provavelmente lerá alguma outra palavra, talvez “mas” ou “mal”, ou algo completamente diferente. Outra diferença entre o sonho e o estado de vigília, como mencionado anteriormente, é a gravidade. Em um sonho, se você der um salto para cima, você provavelmente descerá a uma velocidade menor do que no estado de vigília. Usando o exemplo acima, então você treinaria afirmando: “A próxima vez que eu vir um coelho branco eu vou dar um salto. Se eu flutuar ou descer mais devagar do que de costume, saberei que estou sonhando e ficarei lúcido”. Ao final, você fará exatamente isso. Quando tiver reunido no seu diário uma série de sinais pessoais de sonho, identificados por terem aparecido repetidas vezes, você terá uma ferramenta muito útil para despertar dentro de seus sonhos. Stephen LaBerge, que desenvolveu esta abordagem, chama essa ferramenta de MILD – Mnemonic Induction of Lucid Dreams (Indução Mnemônica de Sonhos Lúcidos). O sinal de sonho é um dispositivo mnemônico que provoca uma resposta específica por meio da memória prospectiva. À medida que adquirir experiência em se lembrar de seus sonhos, você começará a notar coisas estranhas ou anomalias – coisas que são tão bizarras que seria surpreendente se você não desconfiasse de que está sonhando, acreditando que seus sonhos são reais. Anomalias, incluindo elefantes voando rumo a um pôr do sol verde, o aparecimento de parentes falecidos e pesadelos com criaturas fantásticas, ocorrem nos sonhos da maioria das pessoas, pelo menos de vez em quando, mas o nosso estado de sonho normal, dominado pelo torpor e pela amnésia, nos impede de questioná-los. Em outras palavras, algo está faltando aqui – nos falta uma atitude de reflexão crítica. Durante a experiência de vigília normal, mantemos um certo grau de ceticismo, adquirido a partir da nossa experiência de vida. Todos nós desenvolvemos a nossa própria concepção do que é possível na vida. Se um vendedor nos oferecer um carro novo por vinte reais ou se virmos um elefante voando, a maioria de nós imediatamente se torna cético, ou até mesmo um pouco preocupado com a nossa sanidade. Tais fenômenos seriam considerados muito estranhos – o tipo de coisa que só acontece na imaginação ou em sonhos. O efeito cumulativo das estratégias descritas acima é despertar a nossa atitude de reflexão crítica, para nos tornarmos sensíveis às anomalias que frequentemente experimentamos quando estamos sonhando, e que poderiam levar à lucidez. Outra estratégia de treinamento que intensifica essa atitude é fazer verificações de estado periódicas durante o período de vigília. Pode-se simplesmente adquirir o hábito de perguntar a si mesmo “Eu estou sonhando ou não?” , dez ou quinze vezes por dia. Ou pode-se cultivar o hábito de fazer essa pergunta em situações específicas, como cada vez que passar por uma porta ou quando algo bizarro ou incomum ocorrer. Cada vez que a pergunta é feita pode- se fazer uma verificação de estado, como saltar para cima para ver se está realmente sonhando. Treinar desta forma com consistência acabará por criar um hábito que irá penetrar em seus sonhos. Se cada vez que atravessar uma porta você perguntar: “Será que estou sonhando?” ao final, quando atravessar uma porta em um sonho você irá, por força do hábito, fazer a mesma pergunta, realizar uma verificação de estado e, assim, tornar-se lúcido, “Ei! Eu estou sonhando!” A forma mais comum de se tornar lúcido durante o sonho é ter uma experiência espetacularmente estranha, que nos assusta e nos leva à lucidez. Por esta razão, sonhos desagradáveis tais como pesadelos, servem comumente de gatilho. LaBerge chama esses sonhos DILDS – Dream-Initiated Lucid Dreams (Sonhos Lúcidos Iniciados no Sonho). Uma variação disto é usar um despertador para acordar periodicamente durante a noite. Se o alarme despertá-lo de um sonho, e se você treinou para lembrar de seus sonhos ao acordar (permanecendo imóvel e refletindo sobre os conteúdos dos sonhos), você pode ser capaz de retornar ao sonho de forma consciente e continuar a sonhar lucidamente. As chances de conseguir fazer isto são particularmente boas durante as duas últimas horas de sono – horário nobre para o sonho lúcido. Se tiver tempo, digamos, no final de semana, você pode ampliar essa possibilidade dormindo uma ou duas horas a mais. Você também pode deliberadamente despertar próximo ao final do ciclo de sono e ler (especialmente algo relacionado com sonho lúcido) por meia hora. Você, então, estabelece a resolução de sonhar lucidamente e volta a dormir. Stepehen LaBerge calculou que essa estratégia aumenta suas chances de ter sonhos lúcidos em 20 vezes. A abordagem de despertar e depois voltar ao sono é chamada WILD – Wake-Initiated Lucid Dreams (Sonho Lúcido Iniciado na Vigília). Outra versão da abordagem WILD é seguir as imagens hipnagógicas que muitas vezes surgem ao adormecer. Estas imagens vão desde cenas oníricas parciais até padrões geométricos bem-elaborados. São muito sutis e requerem relaxamento e sensibilidade para serem percebidas, mas se você conseguir manter gentilmente a atenção a elas ao percebê-las, poderá adormecer de forma consciente e experimentar os sonhos e o sono não REM lucidamente. Como treinar no sonho É uma experiência emocionante ter seu primeiro sonho lúcido, especialmente se for intencional. Na verdade, é tão excitante, bizarro, inesperado e energizante que você geralmente acorda depois de apenas alguns segundos de sonho lúcido. Então, o próximo passo é desenvolver uma certa estabilidade, aumentar o seu “tempo de voo”. Um fator que ajuda e que não pode ser esquecido é a sua capacidade de dormir regularmente. Se você não puder ter uma boa noite de sono, o desenvolvimento da estabilidade no sonho lúcido é impossível. No próximo capítulo vou oferecer sugestões e exercícios que ajudarão você a adormecer com mais facilidade e estender seu tempo de sono. Técnicas como as descritas acima, se praticadas de forma diligente, acabarão por permitir que você tenha sonhos lúcidos com mais frequência. Em seguida, para estender ou estabilizar os sonhos lúcidos você precisará (1) sustentar o sonho (não acordar ou cair no sono sem sonhos) e (2) manter a lucidez (não entrar no sonho comum não lúcido). Quando for capaz de manter um sonho lúcido por mais de alguns segundos, você poderá observar que o cenário do sonho começa a se desfazer. As imagens perdem a nitidez e a coerência. Há uma série de técnicas que você pode aplicar por meio do seu “corpo de sonho” para estimular seus sentidos e reavivar a integridade do conteúdo do sonho. As técnicas derivadas da meditação para criar vivacidade da consciência também podem ser aplicadas aos seus sonhos, para melhorar a intensidade. Essas práticas
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