comunitaitaliana.com Mil faces da música - Comunità Italiana 11-15 minuti Durante a pandemia, projeto Italo Groove, do DJ italiano Davide Ruud, exalta “pérolas musicais italianas” mixadas com funk, samba e forró no Rio de Janeiro Ele é um viajante do mundo. Viveu seus dias de estrela do rock na Irlanda. Provou sabores exóticos no Japão, Índia e México. Mas foi no Brasil, nos braços da namorada Luana e embalado pelo som do pandeiro, que o DJ italiano Davide Ruud repousou suas baquetas por mais tempo. Hoje, o que era para ser uma parada estratégica de alguns meses, “apenas para melhorar o português”, já dura mais de seis anos no bairro de Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro. Agora, Ruud concentra-se no projeto autoral Italo Groove, que resgata “pérolas musicais” da Itália pouco conhecidas no exterior, mixando canções italianas em gêneros nada típicos do bel paese , como samba, funk e até forró. E já traçou seus planos para quando a pandemia der uma trégua: surpreender os públicos do Brasil e da Itália com “as novas faces da música italiana”. Cidadão do mundo apaixonado pelo Brasil Porém, para chegar a essa visão “multifacetada” da cultura musical de seu país, Ruud precisou ficar algum tempo longe da Itália. Começou pela Irlanda, em Dublin, onde se tornou fluente em inglês, conquistando uma certificação de Cambridge para ensinar a língua de Shakespeare. Por lá, avançou alguns passos na música, com sua banda de rock Blue Amber. Também trabalhou em um projeto voltado para rock e blues, que o levou mais tarde para o Kuwait. Todo sábado, a Blue Amber sacudia os frequentadores do The Mezz, “o bar mais importante de Dublin”, com uma plateia muito receptiva: — O público lá é bem diferente da Itália. Mesmo sendo uma banda pequena, nos tratavam como rock stars. Posso dizer que na Irlanda cresci e ganhei maturidade como pessoa e como músico”, reflete. Antes de chegar ao Brasil, ele ainda circulou seis meses entre Ásia e América Latina. Dentre seus países favoritos, destaca Japão, México e Índia. — A Índia não é um lugar fácil de se visitar. Passei um mês lá, e foi cansativo. Mas dois dias depois de ter ido embora já queria voltar. É um país único, sem dúvida — recorda. Nessas viagens, com tanta informação musical, percebeu que um gênero se repetia no mundo todo: o reggae. — O Camboja tem uma pegada reggae muito interessante. No Brasil, gosto da banda de reggae e ritmos jamaicanos Tyrone Turtle and The Steady Rockers (@tyrone_ steadyrockers). Juntos, produzimos músicas autorais e fizemos versões jamaicanas de composições do Cartola, Tim Maia e Raça Negra, entre outros. O público se amarra nessas misturas, sabe? — declara Ruud para Comunità No Brasil, teve uma paixão à primeira vista pela música, pelos ritmos e pelas festas de rua, que na Irlanda não conhecia: — Lá, tudo acontece dentro dos pubs. Aqui, amei o fato de poder aproveitar os eventos do lado de fora, na rua — explica o músico. E o fascínio foi tão grande que ele aprendeu a tocar trombone em blocos de carnaval. Em 2019, entregou-se de vez à folia e participou de um desfile do bloco italiano Terra Nostra, no Rio de Janeiro. Encantado com a riqueza musical do Brasil, ele decidiu-se tornar DJ para não perder todas as músicas e batidas que tinha conhecido por aqui, pois não sabia quando teria que voltar para a Itália. Por lá, na Lombardia, cursou música por cerca de três anos, tocando baixo desde 2001, quando tinha 19 anos. Em 2002, entrou para uma banda, apresentando-se em Varese e região. Hoje, no seu perfil Instagram (@allorabrasil), onde ensina italiano, a música também marca presença, sendo uma das ferramentas de trabalho. Nas aulas, leva um pouco do que está rolando no circuito atual da Itália, como La canzone nostra, de Mace, popular produtor de rap italiano. — Vale ouvir também o Nu Guinea, um dueto napolitano que toca um som moderno, mas influenciado pela música napolitana dos anos de 1970 e de 1980 — recomenda Ruud, que também está trabalhando em um mix de temas de desenhos animados dos anos de 1970 e de 1980, “que tinham um groove incrível”, além de um reggae italiano. A palavra “groove”, do inglês, significa “sulco” ou “ranhura”. No contexto musical, é usada para sons que se combinam em harmonia. É também a palavra escolhida para nomear o mais recente projeto de Ruud, o Italo Groove. Trata-se de um trabalho autoral em que o italiano faz uma mixagem de músicas pouco conhecidas da Itália com gêneros como samba, funk e até forró. A fase de pesquisa do projeto começou ainda no Carnaval deRuud percebeu que nas festas que frequentava por aqui tocavam muita música brasileira. Essa valorização do produto nacional o encantou, porque não via a mesma coisa na Itália. — Quando era adolescente, cheguei a frequentar shows de bandas italianas de punk e ska. Mas essa iniciativa não chegou a conquistar o mercado nacional por lá — explica Ruud, que, mostrando-se fascinado pela animação da música brasileira, começou a perguntar a si mesmo como seria caso acontecesse algo idêntico com a música italiana: — Acho que foi a faísca de que precisava para o projeto — admite. O trabalho pode ser conferido pelo Instagram @italo.grooveitaliano. Gêneros que influenciaram o Italo Groove As mixagens são influenciadas basicamente pela black music, discomusic, soul e funk, que Ruud considera sons tipicamente americanos: — Nos anos de 1970 e de 1980, a Itália teve uma produção incrível desses estilos, até que criou o estilo Italodisco, que conquistou a Europa nos anos de 1980 — explica o DJ. Aos poucos, o italiano de Varese foi se abrindo também para o que considera “músicas latino-italianas”, como salsa, merengue, reggeaton, cumbia, além da vontade de fazer algo com estilo brasileiro. Um dos maiores trabalhos do Italo Groove é um mix de músicas brasileiras e italianas, misturando composições antigas e modernas, disponível para ouvir pela Mix Cloud (https://www.mixcloud. com), uma plataforma “de Djs para Djs”. A pesquisa para esse trabalho envolveu cerca de 120 composições do samba, do forró, do funk e de ritmos napolitanos, das quais o DJ selecionou 20. — Usei um pouco da música napolitana porque considero Nápoles a cidade mais carioca da Itália — ressalta Ruud. Os critérios de escolha foram batida, velocidade, campo harmônico, melodia e energia da música, criando mixagens feitas para dançar. — O ideal é que o público nem perceba a mudança da música e continue dançando sem parar, e isso não é tão simples assim — analisa. Explosão do Trap na Itália Para Ruud, a música italiana não tem a mesma projeção internacional que outros produtos made in Italy, como a arte, o vinho e a gastronomia. Trata-se de um produto que se eterniza em estereótipos românticos das mesmas canções. Segundo o DJ, a verdadeira nota musical italiana continua confinada na Itália, que ainda guarda pérolas raras, como Ti Voglio, de Ornella Vanoni, e Amore No, de Adriano Celentano. Ele salienta ainda a discografia de Cristiano Malgioglio, Voglio Mama, além de Enzo Carrella, com Barbara. — Muitas pessoas não sabem que artistas populares na TV e no cinema italiano, como Christian de Sica, Barbara D’Urso e Luca Sardella, no começo da carreira, eram cantores — recorda. Atualmente, Ruud enxerga uma nova cena musical italiana, mais voltada para o hip hop. Ele ressalta que o Trap, um gênero musical proveniente do Rap, está conquistando o mercado e apaixonando os jovens artistas. Admite que, mesmo não sendo fã do estilo, essa novidade é um fato positivo: — Precisamos que os jovens consumam músicas italianas. Só assim poderemos evoluir e criar sons diferentes. Mas creio que não será fácil para esse nicho interno chegar ao cenário internacional — prevê. Dentre as “pérolas da música italiana”, ele destaca ainda a música napolitana de Pino Daniele (Tutta n’ata storia), de Eduardo de Crescenzo (Chi ha avuto, ha avuto) e de Donatella Veggiano (Napule canta e more). — A coletânea Napoli Segreta (volumes 1 e 2), da banda Nu Guinea, foi muito importante para elaboração do Italo Groove, porque me mostrou sons que eu nem sabia que a Itália tinha — revela. Dentre os cantores italianos mais populares no exterior, como Laura Pausini e Eros Ramazotti, o DJ italiano admite que, embora ainda representem a música italiana em território estrangeiro, não são seus artistas prediletos: — Prefiro um groove mais intenso e dançante. É verdade que eles alcançaram uma grande façanha, conquistando fãs no exterior. Mas seria legal o público ter outras referências italianas também — pondera. Na esfera internacional, observa que Zucchero Fornaciari é o artista italiano que mais admira. Lembra que Raffaella Carrá também se destaca onde se apresenta, com seus ritmos mais disco: — Nas minhas andanças por diferentes países, a música que mais ouvi tocar foi La mia storia tra le dita, de Gianluca Grignani, além de Marina Fiordaliso e Claudio Baglioni. Acho que Jovanotti é um artista que deveria ser mais ouvido fora da Itália, porque tem um talento muito versátil, com diferentes estilos musicais, como cumbia, samba e afro. Música brasileira: admiração pelo afrobeat e por ritmos do Norte No Brasil, Ruud acompanha o trabalho de Franco Cava, um músico carioca que vive em Florianópolis e fez um álbum de covers de Jovanotti em ritmos brasileiros. — É um trabalho muito carioca, mas com um clássico italiano — resume. Revela que Tim Maia o marcou muito, mas Antonio Carlos e Jocafi são os que mais o impressionaram por serem ecléticos. Das bandas mais modernas, destaca o trabalho de Abeokuta, que toca afrobeat: — Conheci o trabalho deles pela Tropical Diaspora, uma produtora de dois DJs brasileiros que moram em Berlim — salienta Ruud, que se diz fã também da cultura e dos ritmos da região Norte, como carimbó, tecnobrega e cumbia, salientando ainda o trabalho do grupo de rock e reggae Baiana System. Da Itália, em Milão, cita o som da banda brasileira Selton, com músicas como Fammi scrollare e Pasolini, dentre outras: — Eles são muito bons nessa mistura de ritmos e instrumentos brasileiros na música italiana — elogia o DJ italiano. O passo sucessivo será tocar o Italo Groove em associações italianas do Brasil e também na Itália. No bel paese, está em contato com DJs italianos para fazer algum evento no próximo ano ou mais adiante. No Brasil, Ruud está mapeando as principais festas italianas. Por enquanto, ele encontrou cerca de 20 eventos e está aguardando a situação pandêmica melhorar para apresentar “a nova cara da música italiana ao público brasileiro”. A expectativa é grande e faz o coração do Ruud acelerar na mesma batida de suas mixagens: — Não vejo a hora. Estou cruzando os dedos para que tudo dê certo — empolga-se. Serviço Italo Groove Instagram @italo.grooveitaliano YouTube https://www.youtube.com/channel /UCCOYjmTHf3wB7sxOBCTiqiw/videos Release da obra (somente em italiano) https://spark.adobe.com /page/uRZfAK6QbK8Yy/