DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.Net ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível. Ludwig von Mises AÇÃO HUMANA UM TRATADO DE ECONOMIA 3.1ª Edição Título original em inglês HUMAN ACTION: A TREATISE ON ECONOMICS Tradução para a língua portuguesa por: Donald Stewart Jr. Editado por: Instituto Ludwig von Mises Brasil R. Iguatemi, 448, cj. 405 – Itaim Bibi CEP: 01451-010, São Paulo – SP Tel.: +55 11 3704-3782 Email: contato@mises.org.br www.mises.org.br Printed in Brazil / Impresso no Brasil 1 ª edição, por Yale University Press, 1949 2 ª edição, por Yale University Press, 1963 3.1 ª edição, revista, publicada por Henry Regnery Company, em convênio com a Yale University Press, 1966. ISBN – 978-85-62816-39-0 (ISRN edição original 0-8092-9743-4) Revisão: Tatiana Gabbi Projeto gráfico: André Martins Capa: Neuen Design Imagem da capa: Theenc Ficha Catalográfica elaborada pelo bibliotecário Sandro Brito – CRB8 – 7577 Revisor: Pedro Anizio C947 avon Mises, Ludwig Ação Humana / Ludwig von Mises. – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010 Bibliografia 1. Economia de Mercado 2. Liberadade 3. Socialismo 4. Capitalismo 5. Escola Austríaca I. Título. CDU – 339:330.82 Sumário Capa Sumário Prefácio à Terceira Edição Introdução 1. Economia e Praxeologia 2. O problema epistemológico de uma teoria geral da ação humana 3. Teoria econômica e a prática da ação humana 4. Resumo Rodapé Parte I - Ação Humana O Agente Homem6 1. Ação Propositada e Reação Animal 2. Os pré-requisitos da ação humana Sobre a felicidade Sobre instintos e impulsos 3. Ação humana como um dado irredutível 4. Racionalidade e irracionalidade; subjetivismo e objetividade da investigação praxeológica 5. Causalidade como um requisito da ação 6. O alter ego Rodapé Os Problemas Epistemológicos da Ciência da Ação Humana 1. Praxeologia e história 2. O caráter formal e apriorístico da praxeologia 3. O apriorismo e a realidade 4. O princípio do individualismo metodológico 5. O princípio do singularismo metodológico 6. As características individuais e variáveis da ação humana 7. O escopo e o método específico da história 8. Concepção e compreensão 9. Sobre tipos ideais 10. O modo de proceder da economia 11. As limitações dos conceitos praxeológicos Rodapé A Economia e a Revolta Contra a Razão 1. A revolta contra a razão 2. O exame lógico do polilogismo 3. O exame praxeológico do polilogismo 4. O polilogismo racista 5. Polilogismo e compreensão 6. Em defesa da razão Rodapé Uma Primeira Análise da Categoria Ação 1. Meios e fins 2. A escala de valores 3. A escala de necessidades 4. A ação como troca O Tempo 1. O Tempo Como um Fator Praxeológico 2. Passado, presente e futuro 3. A economia de tempo 4. A relação temporal entre ações Rodapé A Incerteza 1. Incerteza e ação 2. O significado da probabilidade 3. Probabilidade de classe 4. Probabilidade de caso 5. Avaliação numérica da probabilidade de caso 6. Apostas, jogos de azar e jogos recreativos 7. A predição praxeológica Rodapé Ação no Mundo 1. A lei da utilidade marginal 2. A lei dos rendimentos 3. O trabalho humano como um meio O gênio criador 4. Produção Rodapé Parte II - Ação na Sociedade A Sociedade Humana 1. Cooperação Humana Sociedade é ação concertada, cooperação. 2. Uma crítica da visão holística e metafísica da sociedade A praxeologia e o liberalismo Liberalismo e religião 3. A divisão do trabalho 4. A lei de associação de Ricardo Erros comuns sobre a lei de associação 5. Os efeitos da divisão do trabalho 6. O indivíduo na sociedade 7. A grande sociedade 8. O instinto de agressão e destruição Rodapé O Papel das Ideias 1. A Razão Humana 2. Visão de mundo e ideologia A luta contra o erro 3. O poder 4. O meliorismo e a ideia de progresso Rodapé O Intercâmbio na Sociedade 1. Troca autística125 e troca interpessoal 2. Vínculos contratuais e vínculos hegemônicos 3. A ação e o cálculo Rodapé Parte III - Cálculo Econômico Valoração sem Cálculo 1. A gradação dos meios 2. A ficção da troca na teoria elementar do valor e dos preços A teoria do valor e o socialismo 3. O problema do cálculo econômico 4. O cálculo econômico e o mercado Rodapé O Âmbito do Cálculo Econômico 1. O significado das Expressões Monetárias O cálculo econômico abrange tudo o que possa ser trocado por moeda. 2. Os limites do cálculo econômico 3. A variabilidade dos preços 4. A estabilização 5. A base da ideia de estabilização Rodapé O Cálculo Econômico como um Instrumento da Ação 1. O Cálculo Monetário como um Método de Pensar 2. O cálculo econômico e a ciência da ação humana Rodapé Parte IV - Cataláxia ou Economia de Mercado Âmbito e Metodologia da Cataláxia 1. A delimitação dos Problemas Catalácticos 2. O método das construções imaginárias 3. A autêntica economia de mercado A maximização dos lucros 4. A economia autística 5. O estado de repouso e a economia uniformemente circular162 6. A economia estacionária 7. A integração das funções catalácticas Rodapé O Mercado 1. As características da economia de mercado 2. Capital e bens de capital 3. Capitalismo 4. A soberania do consumidor 5. Competência 6. Liberdade 7. A desigualdade de riqueza e de renda 8. Lucro e perda empresarial 9. Lucros e perdas empresariais numa economia em desenvolvimento 10. Promotores, gerentes, técnicos e burocratas 11. O processo de seleção 12. O indivíduo e o mercado 13. A propaganda comercial 14. A Volkswirtschaft Rodapé Os Preços 1. O processo de formação dos preços 3. Os preços dos bens de ordens superiores 4. Contabilidade de custo 5. Cataláxia lógica versus cataláxia matemática 6. Preços monopolísticos O tratamento matemático da teoria de preços monopolísticos 7. Reputação comercial 9. Efeitos de preços monopolísticos sobre o consumo 10. A discriminação de preços por parte do vendedor 11. A discriminação de preço por parte do comprador 12. A conexidade dos preços 13. Preços e renda 14. Preços e produção 15. A quimera de preços sem mercado Rodapé A Troca Indireta 1. Meios de Troca e Moeda233 2. Observações sobre alguns erros frequentes 3. Demanda por moeda e oferta de moeda 4. A determinação do poder aquisitivo da moeda 5. O problema de Hume e Mill e a força motriz da moeda 6. Mudanças no poder aquisitivo de origem monetária e de origem material Inflação e deflação; inflacionismo e deflacionismo 7. O cálculo monetário e as mudanças no poder aquisitivo 8. A antecipação de prováveis mudanças no poder aquisitivo 9. O valor específico da moeda 10. As implicações da relação monetária 11. Os substitutos da moeda 12. A limitação da emissão de meios fiduciários Observações sobre as discussões relativas à atividade bancária livre 13. Tamanho e composição dos encaixes 14. O balanço de pagamentos 15. As taxas de câmbio interlocais 16. A taxa de juros e a relação monetária Estabilizar o câmbio de moeda estrangeira a uma determinada taxa equivale a resgatá-la por essa taxa. 17. Os meios de troca secundários 18. A visão inflacionista da história 19. O padrão-ouro Cooperação monetária internacional Rodapé A Ação na Passagem do Tempo 1. A Valoração dos Diferentes Períodos de Tempo 2. A preferência temporal como um requisito essencial da ação 3. Os bens de capital 4. Período de produção, período de espera e período de provisão A prolongação do período de provisão além da expectativa de vida do ator 5. A conversibilidade dos bens de capital 6. A influência do passado sobre a ação 7. Acumulação, manutenção e consumo de capital 8. A mobilidade do investidor 9. Moeda e capital; poupança e investimento Rodapé A Taxa de Juros 1. O Fenômeno do Juro 2. Juro originário 3. O nível da taxa de juros 4. O juro originário numa economia mutável 5. O cálculo do juro Rodapé O Juro, a Expansão de Crédito e o Ciclo Econômico 1. Os Problemas 2. O componente empresarial na taxa bruta de juro do mercado 3. O prêmio compensatório314 como um componente da taxa bruta de juros de mercado 4. O mercado de crédito 5. Os efeitos das mudanças na relação monetária sobre o juro originário 6. Os efeitos da inflação e da expansão de crédito sobre a taxa bruta de juros do mercado 7. Os efeitos da deflação e da contração do crédito sobre a taxa bruta e juro do mercado 8. A teoria monetária, ou do crédito circulante, relativa ao ciclo econômico 9. Efeitos da recorrência do ciclo econômico sobre a economia de mercado O papel dos fatores de produção disponíveis nos primeiros estágios do boom Os erros das explicações não monetárias do ciclo econômico Rodapé Trabalho e Salários 1. Trabalho Introvertido e Trabalho Extrovertido 2. O trabalho como fonte de alegria e de tédio 3. O salário 4 . Desemprego cataláctico 5 . Salário bruto e salário líquido 6 . Salários e subsistência 7. Efeitos da desutilidade do trabalho sobre a disponibilidade de mão de obra 8. O s efeitos das vicissitudes do mercado sobre os salários 9. O mercado de trabalho Rodapé A Realidade do Mercado 1. A Teoria e a Realidade 2. O papel do poder 3. O papel histórico da guerra e da conquista 4. O homem como um dado da realidade 5. O período de ajustamento 6. A limitação do direito de propriedade e os problemas relativos aos custos e aos benefícios externos As externalidades da criação intelectual Privilégios e quase privilégios Rodapé Harmonia e Conflito de Interesses 1. A Origem dos Lucros e Perdas no Mercado 2. A limitação da progenitura 3. A harmonia dos interesses “corretamente entendidos” 4. A propriedade privada 5. Os conflitos do nosso tempo Rodapé Parte V - A Cooperação Social sem o Mercado A Construção Imaginária de uma Sociedade Socialista 1. A Origem Histórica da Ideia Socialista 2. A doutrina socialista 3. O caráter praxeológico do socialismo Rodapé A Impossibilidade do Cálculo Econômico no Sistema Socialista 1. O Problema 2. Erros passados na concepção do problema 3. Sugestões recentes para o cálculo econômico socialista 4. Tentativa e erro 5. O quase mercado 6. As equações diferenciais da economia matemática Rodapé Parte VI - A Intervenção no Mercado O Governo e o Mercado 1. A Ideia de um Terceiro Sistema 2. O intervencionismo Existem duas maneiras de se chegar ao socialismo. 3. A delimitação das funções governamentais 4. A probidade como padrão supremo das ações individuais 5. O significado de laissez-faire 6. A interferência direta do governo no consumo Rodapé O Intervencionismo via Tributação 1. O Imposto Neutro 2. O imposto total 3. Objetivos fiscais e não fiscais da tributação 4. Os três tipos de intervencionismo fiscal Rodapé A Restrição da Produção 1. A Natureza da Restrição 2. O preço da restrição 3. A restrição como um privilégio 4. A restrição como sistema econômico Rodapé A Interferência na Estrutura de Preços 1. O Governo e a Autonomia do Mercado 2. A reação do mercado à interferência do governo Observações sobre as causas do declínio da civilização antiga 3. O salário mínimo Rodapé Manipulação da Moeda e do Crédito 1. O Governo e a Moeda 2. O aspecto intervencionista da moeda de curso legal 3. A evolução dos métodos de manipulação dos meios de pagamento 4. Os objetivos da desvalorização da moeda 5. A expansão do crédito A quimera das políticas anticíclicas 6. O controle de câmbio e os acordos bilaterais Rodapé Confisco e Redistribuição 1. A Filosofia do Confisco 2. A reforma agrária 3. Taxação confiscatória Taxação confiscatória e risco empresarial Rodapé Sindicalismo e Corporativismo 1. O Sindicalismo 2. As falácias do sindicalismo 3. Influxos sindicalistas nas políticas econômicas populares 4. O socialismo de guildas e o corporativismo Rodapé A Economia de Guerra 1. A Guerra Total 2. A guerra e a economia de mercado 3. Guerra e autarquia 4. A inutilidade da guerra Rodapé Estado Provedor Versus Mercado 1. A Acusação Contra a Economia de Mercado 2. A pobreza 3. A desigualdade 4. A insegurança 5. A justiça social Rodapé A Crise do Intervencionismo 1. Os Frutos do Intervencionismo 2. A exaustão do fundo de reserva 3. O fim do intervencionismo Rodapé Parte VII - A Importância da Ciência Econômica A Importância do Estudo da Economia 1. O Estudo da Economia 2. A economia como profissão 3. A previsão econômica como profissão 4. A economia e as universidades 5. Educação geral e economia 6. A economia e o cidadão 7. A economia e a liberdade Rodapé A Economia e os Problemas Essenciais da Natureza Humana 1. A ciência e a vida 2. A economia e os julgamentos de valor 3. O conhecimento econômico e a ação humana Prefácio à Terceira Edição É com grande satisfação que vejo este livro em sua terceira edição, com uma bela impressão e por uma editora tão bem-conceituada. Cabem aqui duas observações terminológicas. Primeira: emprego o termo “liberal” com o sentido a ele atribuído no século XIX e, ainda hoje, em países da Europa continental. Esse uso é imperativo, porque simplesmente não existe nenhum outro termo disponível para significar o grande movimento político e intelectual que substituiu os métodos pré-capitalísticos de produção pela livre empresa e economia de mercado; o absolutismo de reis ou oligarquias pelo governo representativo constitucional; a escravatura, a servidão e outras formas de cativeiro pela liberdade de todos os indivíduos. Segunda: nas últimas décadas, o significado do termo “psicologia” tem ficado cada vez mais restrito a psicologia experimental, uma disciplina que emprega os métodos de pesquisa das ciências naturais.Por outro lado, tornou-se usual desprezar os estudos que anteriormente haviam sido chamados de psicológicos, considerando-os “psicologia literária” ou uma forma não científica de entendimento. Sempre que se faz referência a “psicologia” em estudos econômicos, tem-se em mente exatamente essa psicologia literária. E, portanto torna-se aconselhável introduzir um termo especial neste sentido. Sugeri em meu livro Theory and History (New Haven, 1957, p. 264-274) o termo “temologia” e o uso em meu ensaio The Ultimate Foundation of Economic Science (Princeton,1962), recentemente publicado. Entretanto, a minha sugestão não teve a intenção de ser retroativa e de alterar o uso do termo “psicologia” em livros já previamente publicados; portanto, continuo a empregar o termo “psicologia” nesta nova edição da mesma forma como empreguei na primeira. Existem duas traduções já publicadas da primeira edição de Ação Humana: uma tradução italiana feita pelo Sr. Tullio Bagiotti, professor da Universidade Boconni em Milão, sob o título L’Azione Umana,Trattato di economia, publicada pela Unione Tipografico-Editrice Torinese, em 1959; e uma tradução espanhola feita pelo Sr. Joaquin Reig Albiol, sob o título de La Acción Humana (Tratado de Economia), publicada em dois volumes pela Fundação Ignácio Villalonga, em Valença (Espanha), em 1960. Sinto-me em dívida com muitos amigos pela ajuda e por conselhos que recebi durante a preparação deste livro. Antes de tudo, gostaria de lembrar dois estudiosos já falecidos, Paul Mantoux e William E. Rappad, que, por me terem dado a oportunidade de ensinar no famoso Graduate Institute of International Studies em Genebra, Suíça, proporcionaram-me o tempo e o incentivo para iniciar os trabalhos de um plano tão em longo prazo. Gostaria de expressar meus agradecimentos ao senhor Arthur Goddard, senhor Percy Greaves, doutor Henry Hazlitt, professor Israel M. Kirzner, senhor Leonard E. Read, senhor Joaquin Reig Albiol e doutor George Reisman, pelas valiosas e úteis sugestões. Mas, acima de tudo, quero agradecer a minha esposa pelo seu firme estímulo e ajuda. Ludwig von Mises Nova York Março, 196 6 Introdução 1. Economia e Praxeologia A economia é a mais nova das ciências. É verdade que, nos últimos duzentos anos, surgiram muitas ciências novas, além das disciplinas que eram familiares aos antigos gregos. Essas ciências novas, entretanto, eram apenas partes do conhecimento já existentes no sistema tradicional de ensino e que se tornaram autônomas. O campo de estudo foi mais bem subdividido e tratado com novos métodos; foram, assim, descobertos novos campos de conhecimento que até então não tinham sido percebidos, e as pessoas começaram a ver as coisas por ângulos novos, diferentes daqueles de seus precursores. O campo mesmo não se expandiu. Mas a economia abriu para as ciências humanas um domínio até então inacessível, no qual não se havia jamais pensado. A descoberta de uma regularidade na sequência e interdependência dos fenômenos de mercado foi além dos limites do sistema tradicional de saber, pois passou a incluir um conhecimento que não podia ser considerado como lógica, matemática, psicologia, física, nem como biologia. Durante muito tempo os filósofos ansiaram por identificar os fins que Deus ou a Natureza estariam procurando atingir no curso da história humana. Tentaram descobrir a lei que governa o destino e a evolução do gênero humano. Mas mesmo aqueles cuja investigação não sofria influência de tendências teológicas tiveram seus esforços inteiramente frustrados, porque estavam comprometidos com um método defeituoso. Lidavam com a humanidade como um todo ou através de conceitos holísticos tais como nação, raça ou igreja. Estabeleciam de forma bastante arbitrária os fins que fatalmente determinariam o comportamento de tais conjuntos. Mas não conseguiam responder satisfatoriamente a indagação relativa a que fatores compeliriam os indivíduos a se comportarem de maneira tal que fizesse com que o suposto objetivo pretendido pela inexorável evolução do conjunto, fosse atingido. Recorreram a artifícios insensatos: interferência milagrosa da Divindade, seja pela revelação, seja pela delegação a profetas ou líderes consagrados enviados por Deus; harmonia pré-estabelecida, predestinação; ou, ainda, influência de uma fabulosa e mística “alma mundial” ou “alma nacional”. Houve quem falasse de uma “astúcia da natureza”, que teria implantado no homem impulsos que o guiam involuntariamente pelos caminhos determinados pela Natureza. Outros filósofos foram mais realistas. Não tentaram adivinhar os desígnios de Deus ou da Natureza. Encaravam as coisas humanas sob o ângulo do poder. Tinham a intenção de estabelecer regras de ação política, como se fossem uma técnica de governo e de condução dos negócios públicos. As mentes mais especulativas formulavam planos ambiciosos para reformar e reconstruir a sociedade. Os mais modestos se contentavam em coletar e sistematizar os dados de experiência histórica. Todos estavam convencidos de que no curso de eventos sociais não existiam regularidades e invariâncias de fenômenos, como já havia sido descoberto no funcionamento do raciocínio humano e no encadeamento de fenômenos naturais. Não tentavam descobrir as leis da cooperação social, porque pensavam que o homem podia organizar a sociedade como quisesse. Se as condições sociais não preenchessem os desejos dos reformadores, se suas utopias se mostrassem irrealizáveis, a culpa era atribuída à deficiência moral do homem. Problemas sociais eram considerados problemas éticos. O que era necessário para construir a sociedade ideal, pensavam eles, eram bons princípios e cidadãos virtuosos. Com homens honrados, qualquer utopia podia ser realizada. A descoberta da inevitável interdependência dos fenômenos do mercado destronou essa opinião. Desnorteadas, as pessoas tiveram de encarar uma nova visão da sociedade. Aprendendo estupefatas que existe outro aspecto, diferente do bom e do mau, do justo e do injusto, segundo o qual a ação humana podia ser considerada. Na ocorrência de fenômenos sociais prevalecem regularidades as quais o homem tem de ajustar suas ações, se deseja ser bem-sucedido. É inútil abordar fatos sociais com a postura de um censor que os aprova ou desaprova segundo padrões bastante arbitrários e julgamentos de valor subjetivos. Devemos estudar as leis da ação humana e da cooperação social como um físico estuda as leis da natureza. Ação humana e cooperação social vistas como objeto de uma ciência que estuda relações existentes e não mais como uma disciplina normativa de coisas que deveriam ser – esta foi a revolução com consequências enormes para o conhecimento e para a filosofia, bem como para a ação em sociedade. Por mais de cem anos, entretanto, os efeitos dessa mudança radical nos métodos de raciocínio foram bastante restritos porque se acreditava que só uma pequena parte do campo total da ação humana seria afetada, sejam quais forem os fenômenos de mercado. Os economistas clássicos, nas suas investigações, esbarraram num obstáculo que não conseguiram superar: o aparente paradoxo de valor. Sua teoria do valor era defeituosa e os forçou a restringirem o escopo de sua ciência. Até o final do século XIX a economia política permaneceu uma ciência dos aspectos “econômicos” da ação humana, uma teoria da riqueza e do egoísmo. Lidava com a ação humana apenas na medida em que esta fosse impelida pelo que era – muito insatisfatoriamente – considerada como motivação pelo lucro, e acrescentava que existiam outras ações humanas cujo estudo era tarefa de outras disciplinas. A transformação do pensamento que os economistas clássicos haviam iniciado só foi levada às suas últimas consequências pela moderna economia subjetivista, que transformou a teoria dos preços do mercado numa teoria geral da escolha humana. Durante muito tempo os homens não foram capazes de perceber que a transição da teoria clássica de valor para a teoria subjetiva de valor era muito mais do que a substituição de uma teoria de mercado menos satisfatória por outra mais satisfatória. A teoria geral da escolha e preferência vai muito além dos limites que cingiam o campo dos problemas econômicos estudados pelos economistas, de Cantillon, Hume e Adam Smith até John Stuart Mill. É muito mais do que simplesmente uma teoria do “aspecto econômico” do esforço humano e da luta para melhoria de seu bem estar material. É a ciência de todo tipo de ação humana. Toda decisão humana representa uma escolha. Ao fazer sua escolha, o homem escolhe não apenas entre diversos bens materiais e serviços. Todos os valores humanos são oferecidos para opção. Todos os fins e todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e o básico, o nobre e o ignóbil são ordenados numa sequência e submetidos a uma decisão que escolhe um e rejeita outro. Nada daquilo que os homens desejam obter ou querem evitar fica fora dessa ordenação numa escala única de gradação e de preferência. A moderna teoria de valor estende o horizonte científico e amplia o campo dos estudos econômicos. Da economia política da escola clássica emerge a teoria geral da ação humana, a praxeologia 1. Os problemas econômicos ou catalácticos2 estão embutidos numa ciência mais geral da qual não podem mais ser separados. O exame dos problemas econômicos tem necessariamente de começar por atos de escolha: a economia toma-se uma parte – embora até agora a parte elaborada – de uma ciência mais universal: a praxeologia. 2. O problema epistemológico de uma teoria geral da ação humana Na nova ciência, tudo parecia problemático. Ela era uma intrusa no sistema tradicional de conhecimento; as pessoas estavam perplexas e não sabiam como classificá-la nem como designar o seu lugar. Por outro lado, estavam convencidas de que a inclusão da economia no sistema de conhecimento não necessitava de uma reorganização ou expansão do programa existente. Consideravam completos o seu sistema de conhecimento. Se a economia não cabia nele, a falha só podia estar no tratamento insatisfatório aplicado pelos economistas aos seus problemas. Rejeitar os debates sobre a essência, o escopo e o caráter lógico da economia, como se fossem apenas uma tergiversação escolástica de professores pedantes, é prova de desconhecimento total do significado desses debates; é um equívoco bastante comum supor que enquanto pessoas pedantes desperdiçavam seu tempo em conversas inúteis acerca de qual seria o melhor método de investigação, a economia em si mesma, indiferente a essas disputas fúteis, seguia tranquilamente o seu caminho. No Methodenstreit 3,– entre os economistas austríacos e a Escola Historicista Alemã – que se auto intitulava “guarda-costas intelectual da Casa de