SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro : população e perfil sanitário [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013. Vol. 2. 176 p. ISBN 978-85-8110-016-6 . Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro população e perfil sanitário Fundação Oswaldo Cruz Ƥ Volume 2 Volume 2
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ï 2030 l l Presidente da República Dilma Rousseff Ministro da Saúde Alexandre Padilha Ministro Chefe Interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Marcelo Côrtes Neri Presidente da Fundação Oswaldo Cruz Paulo Gadelha Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Marcelo Côrtes Neri O projeto Saúde Brasil 2030 foi conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mediante um acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), contando com a participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o apoio financeiro do Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e da SAE. Ƥ Ministério da Saúde Secretaria de Assuntos Estratégicos Volume 2 Volume 2
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ï 2030 l l Copyright © dos autores Todos os direitos desta edição reservados à FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Revisão Vera Maria Soares Abrão Hellen Vieira Pontes Projeto gráfico, capa e diagramação Robson Lima - Obra Completa Comunicação Douglas Rodrigues da Silva - Ad Intra Apoio técnico Renata Macedo Pereira Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública F981s Fundação Oswaldo Cruz A saúde no Brasil em 2030: prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: população e perfil sanitário. volume 2 / Fundação Oswaldo Cruz... [et al.] – Rio de Janeiro : Fiocruz/Ipea/ Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013. 176 p., : il. ; tab. ; graf. ; mapas ISBN: 978-85-8110-003-6 1. Nível de Saúde. 2. Fatores Socioeconômicos. 3. Distribuição Espacial da População. 4. Doenças Transmissíveis. 5. Doenças Endêmicas. 6. Epidemias. 7. Pandemias. 8. Demografia. 9. Perfil de Saúde. 10. Brasil. I. Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. II. Ministério da Saúde. III. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. IV. Título. CDD - 22.ed. – 362.10981 Fundação Oswaldo Cruz Avenida Brasil, 4.365 Pavilhão Mourisco, Manguinhos 21040-900 — Rio de Janeiro, RJ Tel. (21) 3885 1616 www.fiocruz.br Equipe de Preparação Coordenação Geral Paulo Gadelha Organização José Carvalho de Noronha Telma Ruth Pereira C O LAB O RAD O R E S Antonio Ivo de Carvalho Graduação em Medicina, Mestre pela Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é pesquisador e professor da Fundação Oswaldo Cruz. Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira Graduação em Estatística, Doutor em Demografia, professor assistente do Centro Universitário da Cidade e pesquisador da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Expedito J. A. Luna Graduação em Medicina, Doutor em Medicina Preventiva, docente no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, na área de epidemiologia e controle das doenças transmissíveis. Jarbas Barbosa da Silva Jr. Graduação em Medicina, Doutor em Saúde Coletiva, é Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, desde janeiro de 2011 e Professor Adjunto da Universidade de Pernambuco. Maria Monica Vieira Caetano ONeill Graduação em Geografia, Doutora em Geografia, é pesquisadora da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mauricio L. Barreto Graduação em Medicina, Doutor em Epidemiologia, professor titular em Epidemiologia do ISC/ UFBA. S umário Prefácio .......................................................................................................................................... 9 Apresentação ............................................................................................................................. 11 Determinantes Sociais, Econômicos e da Saúde .................................................................. 17 Antonio Ivo de Carvalho Cenário Sociodemográfico em 2022/2030 e Distribuição Territorial da População. Uso e Ocupação do Solo ........................................................................................................... 39 Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira Maria Monica Vieira Caetano ONeill Esboços para um Cénario das Condições de Saúde da População Brasileira 2022/2030 ................................................................................................................. 97 Mauricio L. Barreto Doenças Transmissíveis, Endemias, Epidemias e Pandemias ......................................... 121 Expedito J. A. Luna Jarbas Barbosa da Silva Jr. Prefácio A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em sua condição de instituição pública estratégica para a Saúde, é agente da dinâmica do desenvolvimento do Estado brasileiro e assim se apresenta ao governo e à sociedade. Essa dimensão estratégica é referência para seu planejamento, sua inserção nas políticas governamentais e seus compromissos com a sociedade. Este livro é fruto do projeto Saúde Brasil 2030, desenvolvido no bojo do acordo de cooperação técnica assinado pela Fiocruz com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e de convênio pactuado com o Ministério da Saúde. O projeto Saúde Brasil 2030 tem como principal objetivo a constituição de uma rede permanente de prospectiva estratégica no campo da saúde. Os textos resultantes dessa iniciativa, aqui apresentados em sua versão integral, especulam sobre a probabilidade de futuros para a Saúde em 2030, com referência ao ano de 2022, quando se comemora o bicentenário da Independência do Brasil. Diante dos desafios que o futuro traz, cabe ao Estado articular e induzir políticas econômicas e sociais, no interesse do desenvolvimento com equidade, fomentando o acesso e a inclusão de camadas excluídas, expandindo e assegurando direitos sociais às parcelas significativas da população ainda marginalizadas e sem os ganhos advindos do progresso e da riqueza. O setor Saúde contribui de forma crescente para o dinamismo econômico das sociedades, e sua integração com outros setores, como Ciência e Tecnologia, Educação, Comércio Exterior e Política Industrial, entre outros, pode influir decisivamente no modelo de desenvolvimento de nosso país. É imperioso planejar em prazos mais longos, dada a complexidade do setor Saúde e dos nítidos processos de transformação e inovação em curso nas suas diversas áreas de atuação. Não se trata apenas de criar imagens de futuro, mas, especialmente, de auxiliar na gestão estratégica, mediante diretrizes para o alinhamento das ações com um cenário de futuro desejável para nosso país. Os textos aqui apresentados são o ponto de partida do esforço prospectivo, e não seu resultado. São lançados a debate público por especialistas a partir de sua conclusão. Com isso a Fiocruz contribui para a formulação de políticas públicas em saúde, educação, ciência e tecnologia e inovação em saúde, reafirmando sua posição na defesa e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), por seu desenvolvimento e alcance de padrão sustentável, assegurando a realização plena de seus princípios e possibilitando as necessárias conquistas sociossanitárias. Paulo Gadelha Presidente da Fiocruz A presentação Este volume, População e Perfil Sanitário —, analisa os determinantes sociais, econômicos e ambientais da Saúde, abordando o cenário sociodemográfico em 2022 e 2030, a distribuição territorial da população, traçando um diagnóstico do comportamento atual dos fenômenos demográficos no país e refletindo a respeito das tendências futuras desses processos. Examina-se, ainda, o perfil epidemiológico no horizonte temporal proposto, assinalando-se os problemas de saúde que vêm se agravando, como a violência, a dengue, o diabetes, a obesidade, ao lado das doenças transmissíveis, endemias, epidemias e pandemias que configuram riscos sanitários para o país no futuro próximo. O esforço inicial do projeto Saúde Brasil 2030 consistiu em percorrer os temas mais relevantes para o desenho de horizontes futuros do sistema de prestação de cuidados à saúde no Brasil, tendo como ano de referência 2030. Nesta primeira etapa, esses temas foram organizados em blocos e, para cada um deles, identificados com base no conhecimento já produzido e acumulado os elementos essenciais que os compõem e que permitem o desenvolvimento do exercício prospectivo, bem como as lacunas de conhecimento a serem preenchidas. O produto desta etapa é publicado e divulgado para debate público, orientando a conformação de redes de conhecimento que serão constituídas para as etapas subsequentes do projeto. Adotou-se como metodologia a chamada prospecção estratégica, que teve suas origens, nos anos 1980, no campo da administração e foi empregada, posteriormente, no domínio das políticas públicas (HABEGGER, 2010).1 Para esse autor, a prospecção estratégica pode ser definida como uma tentativa deliberada de alargar as “fronteiras da percepção” e expandir a capacidade de atenção em relação a temas e situações emergentes. A prospecção estratégica, de acordo com Habegger, citando uma proposta de Müller, integra as perspectivas, procedimentos e ferramentas tanto das pesquisas de tendências quanto dos estudos de futuros. De um lado, a pesquisa de tendências lida com a detecção precoce e interpretação nos campos econômico, político, social e tecnológico e objetiva avaliar o impacto das mudanças tanto na sociedade como nos indivíduos. Os estudos de futuro, por outro lado, capturam e antecipam desenvolvimentos futuros nesses domínios, de modo a gerar visões de como a sociedade evolui e das opções de políticas que estão disponíveis para se modelar um futuro desejado. Para Habegger, o processo de prospecção estratégica pode ser conceituado e implementado de várias maneiras, mas a maioria dos estudiosos segue uma lógica bastante semelhante que divide tal processo em três fases: • a detecção precoce e a análise da informação; • a geração de conhecimento prospectivo; • o desenvolvimento das opções (de políticas) futuras. A primeira fase envolve a identificação e o monitoramento contínuo dos temas, tendências, desenvolvimento e mudanças dos processos em estudo. A segunda fase implica a avaliação e entendimento dos desafios para a implementação das diferentes políticas. E a terceira assenta-se na formulação dos futuros desejados e das ações políticas necessárias para alcançá-los. Isso implica explorar diversos “futuros” ou cenários alternativos. Neste contexto prospectivo, assumimos três cenários alternativos: • cenário desejável e possível; • cenário inercial e provável; • cenário pessimista e plausível. Impôs-se às categorias de “futuros” desejáveis a condição de possibilidade, isto é, a capacidade de concretização no horizonte temporal contemplado. Este esquema (Figura 1), em que os horizontes possíveis foram estabelecidos apenas como diretrizes de políticas desejáveis, é inspirado por Voros. Figura 01. Cone de “Futuros” Fonte: Voros, J. A generic foresight process framework, Foresight 5 (3) (2003) 10-21, citado por Habegger B. Strategic foresight in public policy: Reviewing the experiences of the UK, Singapore, and the Netherlands. Futures 42 (2010) 49-58. Tempo Agora Potencial Provável Preferível Plausível Possível Nos estudos procurou-se especular, com razoável fundamentação, sobre a probabilidade desses futuros. Consistem em textos de partida para o esforço prospectivo, e não o seu resultado. Devem ser considerados, assim, como termos de referência em torno dos quais se prolongará a prospecção estratégica para cada um dos domínios abordados, através da constituição de uma rede de conhecimento para ampliação e amplificação do debate e dos estudos futuros que serão desencadeados a partir desta aventura inicial. O volume 1, Desenvolvimento, Estado e Políticas de Saúde, objetiva desenhar um pano de fundo para os outros capítulos diretamente voltados para a questão da saúde. Abrange os seguintes temas: cenários de desenvolvimento para 2022-2030, os eixos para o desenvolvimento do país, a saúde na política nacional de desenvolvimento, a gestão pública no Século XXI, e o Brasil na arena internacional como nação soberana e cooperativa. No Volume 3 são tratados temas relacionados à Organização e Gestão do Sistema de Saúde , assinalando-se os princípios do sistema de saúde brasileiro. Inicialmente, aborda-se a gestão do nível federal do sistema (administração direta, agências reguladoras, fundações nacionais, empresas públicas nacionais) na condução da política nacional e na gestão do sistema de saúde no Brasil. No capítulo “A coordenação federativa do sistema público de saúde no Brasil” são examinados os mecanismos de coordenação federativa adotados na política de saúde brasileira, o marco regulatório, as estruturas e instrumentos de pactuação e gestão intergovernamental e o modelo de transferências intergovernamentais no financiamento do SUS. No capítulo “Modelos de organização e gestão da atenção à saúde: redes locais, regionais e nacionais”, são explorados os arranjos na diversidade territorial brasileira diante das mudanças demográficas e epidemiológicas projetadas e a modelagem de soluções integradoras horizontais e verticais. No artigo “Formação, Mercado de Trabalho e Regulação da Força de Trabalho em Saúde no Brasil”, explora-se um conjunto de temas que envolvem a evolução do mercado de trabalho em saúde e desenvolvimento social, a formação e qualificação para o trabalho em saúde e profissões e regulação profissional. E, finalmente, no capítulo “Participação e controle social” analisa-se a participação social institucionalizada em conselhos e conferências de Saúde ao longo dos 22 anos de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). O volume 4, Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial , apresenta artigos que abordam os problemas e perspectivas do financiamento da Saúde no Brasil, bem como as estruturas do financiamento e do gasto setorial, o papel do financiamento público e privado na prestação dos serviços de saúde, suas repercussões sobre a oferta de serviços e os modos de pagamento e compra de serviços. O Volume 5, Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Saúde, é composto de cinco artigos: “A Dinâmica de Inovação e a Perspectiva do CEIS para a Sustentabilidade Estrutural do Sistema de Saúde Brasileiro”; “Indústrias de base Química e Biotecnológica voltadas para a Saúde no Brasil: Panorama atual e Perspectivas para 2030”; “O Subsistema de base Mecânica, Eletrônica e de Materiais do Complexo Econômico Industrial da Saúde: Perspectivas para 2022/2030”; “Análise do Subsistema de Serviços em Saúde na dinâmica do Complexo Econômico-Industrial da Saúde” e “Infraestrutura Científica e Tecnológica para Apoio ao CEIS — Segmento Biofarmacêutico”. José Carvalho de Noronha População e Per fi l S anitário D eterminantes S ociais, Econômicos e A mbientais da S aúde Determinantes Sociais, Econômicos e Ambientais da Saúde 19 DETERMINANTES SOCIAIS, ECONÔMICOS E AMBIENTAIS DA SAÚDE Antonio Ivo de Carvalho Embora seja há muito conhecido que a saúde-doença se produz e distribui na sociedade mediante fortes processos de determinação social, econômica, cultural, ambiental, política, etc., só recentemente este conceito vem sendo incorporado ao arcabouço conceitual e prático para a formulação de políticas e estratégias em direção à saúde. É, sobretudo a partir de 2003, com a criação da Comissão Global sobre Determinantes Sociais da Saúde, que se inicia um processo de sistematização do conhecimento disponível e de articulação, no plano mundial, de iniciativas e fomento de políticas inspiradas nesse referencial. De imediato isso representou um alargamento do campo da saúde e o fortalecimento de abordagens intersetoriais para as políticas e ações de saúde. Na verdade, desde os anos 90, vem-se realizando Cúpulas Mundiais no âmbito das Nações Unidas, com grande participação dos países, sobre temas de relevância para a humanidade. Tais encontros refinaram e ampliaram o marco conceitual, recolheram experiências exitosas e produziram recomendações de políticas de enfrentamento dos determinantes sociais de saúde, sobretudo com vistas a diminuir as iniquidades sociais e em saúde. As condições econômicas e sociais influenciam decisivamente as condições de saúde de pessoas e populações. A maior parte da carga das doenças — assim como as iniquidades em saúde, que existem em todos os países — acontece por conta das condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem. Esse conjunto é denominado “determinantes sociais da saúde”, um termo que resume os determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais da saúde. Nem todos os determinantes são igualmente importantes. Os mais destacados são aqueles que geram estratificação social — os determinantes estruturais que refletem as condições de distribuição de riqueza, poder e prestígio nas sociedades, como a estrutura de classes sociais, a distribuição de renda, o preconceito com base em fatores como o gênero, a etnia ou deficiências e estruturas políticas e de governança que alimentam, ao invés de reduzir, iniquidades relativas ao poder econômico. Entre os mecanismos que geram e mantêm essa estratificação estão as estruturas de propriedade dos meios de produção e a distribuição de poder entre as A SAÚDE NO BRASIL EM 2030 20 classes sociais, e as correspondentes instituições de governança formais e informais; sistemas de educação, estruturas de mercado ligadas ao trabalho e aos produtos; sistemas financeiros, o nível de atenção dado a considerações distributivas no processo de formulação de políticas; e a extensão e a natureza de políticas redistributivas, de seguridade social e de proteção social. Esses mecanismos estruturais, que alteram o posicionamento social dos indivíduos, são a causa mais profunda das iniquidades em saúde. São essas diferenças que — com seu impacto sobre determinantes intermediários como as condições devida, circunstâncias psicossociais, fatores comportamentais e/ ou biológicos e o próprio sistema de saúde —dão forma às condições de saúde dos indivíduos. Esse conceito abrangente de determinantes sociais da saúde, visualizado na Figura 1, foi adotado pela OMS em seu relatório “Diminuindo Diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde”, discutido na Conferência Mundial sobre Determinantes da Saúde, no Rio de Janeiro (OMS, 2011). Neste modelo, os determinantes estruturais compreendem a distribuição de renda, o preconceito baseado em valores relativos a gênero e etnia, e os determinantes intermediários configuram-se nas condições de vida, nos aspectos psicossociais, nos elementos comportamentais e/ ou biológicos e no próprio sistema de saúde. Figura 01. Marco conceitual dos determinantes sociais da saúde Coesão social & capital social IMPACTO SOBRE A EQUIDADE EM SAÚDE E O BEM-ESTAR CONTEXTO SOCIOECONÔMICO E POLÍTICO • Governança • Políticas macroeconômicas • Políticas sociais Mercado de trabalho, habitação, terra • Políticas públicas Educação, saúde, proteção social • Cultura e valores sociais DETERMINANTES ESTRUTURAIS DAS INIQUIDADES EM SAÚDE Posição socioeconômica Classe social Gênero Etnia (racismo) Educação Ocupação Renda Circunstâncias materiais (Condições de moradia e trabalho, disponibilidade de alimentos etc.) Fatores comportamentais e biológicos Fatores psicossociais Sistema de saúde DETERMINANTES INTERMEDIÁRIOS DA SAÚDE Fonte: SOLAR & IRWIN, 2010. Determinantes Sociais, Econômicos e Ambientais da Saúde 21 Para melhorar a situação da saúde e reduzir iniquidades, considerando essa abordagem dos determinantes sociais, é necessário que intervenções coordenadas e coerentes entre si sejam implementadas nos setores da sociedade que influenciam seus determinantes estruturais. Por sua vez, a boa saúde contribui para outras prioridades sociais como o bem-estar, a educação, a coesão social, a preservação do meio ambiente, o aumento da produtividade e o desenvolvimento econômico. Isso gera um “círculo virtuoso” no qual a saúde e os seus determinantes se retroalimentam e se beneficiam mutuamente. Portanto, adotar a abordagem dos determinantes sociais significa compreender o valor que a saúde tem para a sociedade e admitir que ela depende de ações que, muitas vezes, não têm relação com o setor Saúde. A abordagem dos determinantes sociais reconhece o fato de que as iniquidades em saúde não podem ser combatidas sem que as iniquidades sociais também o sejam. Para que a economia permaneça forte e a estabilidade social e a segurança global sejam mantidas, é essencial que ações coordenadas em prol da saúde sejam implementadas. Enfatizar os determinantes sociais significa, portanto, apoiar ações coerentes sobre algumas prioridades, tais como, por exemplo, a proteção social e as mudanças climáticas. Ademais, essa abordagem leva em consideração a desigualdade intergeracional, que vinha sendo ignorada, mas hoje é central para essas questões que desafiam as políticas públicas. As mudanças climáticas — um símbolo da degradação ambiental como um todo — ameaçam o bem-estar das gerações futuras. O aumento da incidência de doenças não transmissíveis e a perda de oportunidades econômicas e benefícios da previdência social que se observa em países de todos os níveis de renda já vêm causando iniquidades intergeracionais, reduzindo a expectativa de vida e causando insatisfações na população. A saúde é um fator-chave para um amplo espectro de metas da sociedade. A abordagem dos determinantes sociais identifica a distribuição da saúde — medida pelo grau de desigualdade em saúde — como um importante indicador não só do nível de igualdade e justiça social existente numa sociedade, como também do seu funcionamento como um todo. Portanto, as iniquidades em saúde funcionam como um indicador claro do sucesso e do nível de coerência interna do conjunto de políticas de uma sociedade para uma série de setores. Sistemas de saúde que reduzem as iniquidades em saúde oferecendo um melhor desempenho e, assim, melhorando rapidamente as condições de saúde de grupos carentes acabarão por oferecer um desempenho mais eficiente também para todos os estratos sociais. Convidados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), chefes de governo, ministros e representantes dos governos se reuniram em outubro de 2011, no Rio de Janeiro, para expressar sua determinação de promover a equidade social e em saúde por meio de ações sobre os determinantes sociais da saúde e do bem-estar, implementadas A SAÚDE NO BRASIL EM 2030 22 mediante uma ampla abordagem intersetorial. O documento “Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde” (OMS, 2011) sintetiza os compromissos então estabelecidos: • reafirmaram que a equidade em saúde é uma responsabilidade compartilhada e demanda o engajamento de todos os setores governamentais, de todos os segmentos da sociedade e de todos os membros da comunidade internacional em uma ação global de “todos pela equidade” e “saúde para todos”; • sublinharam o valor essencial da equidade em saúde constante nos princípios e disposições contidos na Constituição da OMS assinada em 1946 e na Declaração de Alma Ata de 1978, e na série de conferências internacionais sobre promoção da saúde; • reconheceram que “o gozo do mais alto nível de saúde que se possa atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo político e condição econômica ou social”; • declararam que os governos têm uma responsabilidade pela saúde de seus povos, a qual só pode ser cumprida por meio da promoção de medidas sociais e sanitárias adequadas, e que os esforços nacionais precisam ser apoiados por um ambiente internacional favorável; • reiteraram que as desigualdades em cada país e entre os países são política, econômica e socialmente inaceitáveis — além de injustas e, em grande parte, evitáveis — e que a promoção da equidade em saúde é fundamental ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida e bem-estar para todos, o que, por sua vez, contribui para a paz e a segurança. Assim, a lógica dos determinantes sociais da saúde coloca três imperativos. Primeiro, reduzir as iniquidades em saúde é um imperativo moral. Segundo, também é fundamental melhorar a saúde e ampliar o bem-estar, promover o desenvolvimento e, de forma geral, alcançar as metas de saúde. Terceiro, acima de tudo, para que uma série de metas prioritárias da sociedade — que dependem de uma distribuição igualitária da saúde — sejam alcançadas, é preciso realizar ações sobre os determinantes sociais. O escopo das recentes crises financeira, alimentar, ambiental e de saúde pública, entre outras, que o mundo vem enfrentando desde 2008 deixaram ainda mais claro que a interconectividade do mundo moderno faz com que os países não possam enfrentar esses desafios sozinhos ou por meio de ações sobre setores isolados. Determinantes Sociais, Econômicos e Ambientais da Saúde 23 Ao invés disso, é preciso realizar esforços consistentes em todos os níveis, do local ao global. Essas emergências revelaram falhas de regulação e uma ênfase excessiva em indicadores superficiais de crescimento econômico, demonstrando a necessidade de ações coordenadas e de um Estado forte. Abrindo espaço real para o debate de políticas e objetivos, as crises criaram condições sem precedentes para a adoção de abordagens ligadas aos determinantes sociais da saúde. Ao mesmo tempo e paradoxalmente, essas crises intensificaram, em alguns países, o desafio político que é implementar uma abordagem ligada aos determinantes sociais, especialmente no que tange a redistribuição, direitos e regulação. Em resposta à redução do espaço fiscal, foram demandadas reduções em serviços sociais que influenciam fortemente os determinantes sociais. Há o risco de que essa tendência faça com que erros do passado — que produziram impactos negativos sérios e extensos sobre a equidade em saúde — se repitam. É preciso aprender com os países que mantiveram ou até mesmo aumentaram os gastos nos principais determinantes sociais em tempos de crise. 1 | T R Ê S P R INCÍPIO S D E A ÇÃO O relatório da OMS confirmado na Conferência Mundial sobre Determinantes da Saúde, ocorrida no Rio de Janeiro, reafirmou os três princípios de ação: 1. Melhorar as condições de vida cotidianas — as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. 2. Abordar a distribuição desigual de poder, dinheiro e recursos — os motores estruturais das condições de vida referidas — nos níveis global, nacionais e locais. 3. Quantificar o problema, avaliar a ação, alargar a base de conhecimento, desenvolver um corpo de recursos humanos formado sobre os determinantes sociais da saúde e promover a consciência pública sobre o tema. 1.1 | Melhorar as condições de vida quotidianas — as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem As desigualdades na organização da sociedade implicam que a liberdade para gozar de uma vida próspera e de boa saúde esteja distribuída de forma desigual A SAÚDE NO BRASIL EM 2030 24 dentro e entre sociedades. Essa desigualdade pode ser constatada nas condições vigentes na primeira infância e idade escolar, na natureza das condições laborais e de emprego, nas características físicas do ambiente de trabalho e na qualidade do ambiente natural em que as pessoas habitam. Do mesmo modo, a estratificação social determina o acesso e uso diferenciado de cuidados de saúde, com consequências para a promoção desigual de saúde e bem-estar, prevenção e recuperação de doenças e sobrevivência. O Desenvolvimento na Primeira Infância (DPI) tem influência determinante nas possibilidades subsequentes de vida e saúde, através do desenvolvimento de conhecimentos, da educação e oportunidades profissionais. De forma direta, a primeira infância é afetada pelos riscos de obesidade, má nutrição, transtornos mentais, doenças cardiovasculares e criminalidade. As crianças precisam de ambientes seguros, saudáveis, acolhedores, educativos e dinâmicos em que viver. Os programas de educação pré-escolar e as escolas, como parte do ambiente alargado que contribui para o seu desenvolvimento, podem ter um papel vital na construção das capacidades das crianças. Para tanto é necessário o compromisso e implementação de uma abordagem abrangente da infância, baseada nos programas de sobrevivência infantil existentes, que alargue a intervenção na infância ao desenvolvimento social e emocional e linguístico e cognitivo e expanda a prestação de serviços e o âmbito da educação para incluir os princípios do desenvolvimento na primeira infância (físico, social e emocional, linguístico e cognitivo). O local onde as pessoas vivem também afeta a sua saúde e possibilidade de gozar de uma vida próspera. Abrigo, habitação de qualidade, água limpa e condições sanitárias são direitos humanos e necessidades básicas para uma vida saudável. O modelo corrente de urbanização coloca desafios significativos, particularmente os relacionados com as alterações climáticas. Atualmente, as emissões de gases de efeito de estufa são determinadas principalmente pelos padrões de consumo de cidades do mundo desenvolvido. A interferência e esgotamento dos sistemas climáticos e a tarefa de redução das desigualdades na saúde a nível global estão estreitamente relacionados. São essenciais, para a igualdade na saúde, comunidades e vizinhanças que assegurem o acesso a bens básicos, que sejam socialmente coesas, concebidas para promover bem-estar físico e psicológico e que protejam o ambiente natural. É preciso colocar a saúde e a igualdade na saúde no centro das atenções da administração e do planejamento urbano, garantindo a disponibilidade de habitação de custo suportável, investindo na requalificação de bairros degradados, incluindo como prioridade o abastecimento de água e condições de saneamento, eletricidade e pavimentação