SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros CAMARGO, PO. A evolução recente do setor bancário no Brasil [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 322 p. ISBN 978-85-7983-039-6. Available from SciELO Books < http://books.scielo.org >. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. A evolução recente do setor bancário no Brasil Patrícia Olga Camargo a evolução recente do setor bancário no brasil patrícia olga camargo A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO B RASIL PATRÍCIA OLGA CAMARGO A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO B RASIL Editora afiliada: CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ C181e Camargo, Patricia Olga A evolução recente do setor bancário no Brasil / Patrícia Olga Camargo. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2009. Anexos Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-039-6 1. Bancos – Brasil. 2. Instituições financeiras – Brasil – Administração. 3. Desenvolvimento organizacional. I. Título. 09-6245. CDD: 332.10981 CDU: 336.71(81) Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) © 2009 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br S UMÁRIO Introdução 7 1 Evolução do sistema financeiro internacional e as especificidades do Brasil 11 2 Análise de dados e resultados obtidos 75 Conclusão 123 Referências bibliográficas 127 Anexos: Análise individual dos maiores bancos 141 I NTRODULjO Na década de 1990, ocorreram importantes mudanças na estru- tura e nos padrões de concorrência do sistema bancário brasileiro. Seguindo a tendência mundial de liberalização em vários mercados, o Brasil iniciou um processo de abertura comercial e financeira. Após o processo de reestruturação bancária promovido pelo governo, os bancos estrangeiros ampliaram em muito sua participação no mercado bancário do país. Houve uma intensificação no processo de fusões e aquisições, tanto por instituições estrangeiras como por instituições nacionais, o que aumentou consideravelmente a con- centração bancária. Quando da abertura do mercado aos bancos estrangeiros, algumas das expectativas eram de que haveria um acirramento da concor- rência, com consequente redução do spread , uma maior qualidade e diversificação dos produtos e serviços financeiros, modernização tecnológica e um aumento na eficiência do sistema, principalmente pelo aumento da concessão de crédito. Entretanto, contrariando estas expectativas, os bancos estrangeiros adotaram uma postura conser- vadora, direcionada, principalmente, para os títulos públicos. Dessa forma, apesar de terem ampliado sua atuação no mercado brasileiro, não provocaram mudanças significativas no sistema financeiro do país. Portanto, grande parte das mudanças ocorridas no setor, nesse 8 PATRÍCIA OLGA CAMARGO período, provavelmente teria acontecido sem a entrada das institui- ções estrangeiras. A situação do sistema bancário brasileiro após a abertura do mercado aos bancos estrangeiros, pelo lado dos ativos, foi de con- centração das aplicações em aquisições de títulos públicos, com relativamente pouco apoio ao setor privado. Do lado dos passivos, o estímulo foi pela captação de recursos, principalmente junto ao grupo de renda média e alta. Assim, os bancos dedicaram proporções semelhantes dos seus ativos a operações de crédito e títulos, princi- palmente títulos públicos. Os bancos públicos foram exceções, já que dedicam proporção maior de recursos a operações de crédito. Consequentemente, apesar da importância do setor bancário na economia, o coeficiente crédito/PIB manteve-se baixo, se comparado com outros países (Carvalho, 2005a). Este trabalho buscará verificar se essas características do sistema bancário brasileiro se mantêm, analisando as atuais estratégias dos bancos brasileiros, comparando-as conforme o tipo de controle, se público, privado nacional ou privado estrangeiro. É objetivo deste trabalho verificar as diferenças e semelhanças entre as instituições selecionadas e entre esses tipos de controle. Além disso, pretende-se analisar as diferenças entre a atuação dos bancos estrangeiros no Brasil e no exterior, com o objetivo de verificar se estes últimos ado- taram estratégias diferentes de atuação em localizações diversas. Para atendimento desses objetivos, será analisado o período de 1998, após a entrada dos bancos estrangeiros, até o primeiro semestre de 2008. Para desenvolvimento deste trabalho, foram selecionadas as oito maiores instituições, por valor de ativos totais, exceto intermediações, conforme apresentado na Tabela 1.1. Das instituições selecionadas, duas são bancos públicos federais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), três são bancos priva- dos nacionais (Itaú, Bradesco e Unibanco) e três são bancos privados com controle estrangeiro (ABN-Amro, Santander e HSBC). Para desenvolvimento deste trabalho, o Unibanco será considerado banco privado nacional, uma vez que, apesar de contar com participação estrangeira, esta é minoritária; portanto, seu controle é nacional. A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO BRASIL 9 Tabela 1.1 – Maiores instituições por ativo total (exceto intermediações) em junho/2008 (em R$ bilhões) Ranking Instituição Controle Ativo Total (-) Intermediação Part. no Ativo Total (%) 1 Banco do Brasil Público Federal 361,0 15,8 2 Itaú Privado Nacional 307,3 13,5 3 Bradesco Privado Nacional 295,9 13,0 4 CEF Público Federal 250,6 11,0 5 ABN Privado com Controle Estrangeiro 158,5 6,9 6 Unibanco Privado com Participação Estrangeira 143,4 6,3 7 Santander Privado com Controle Estrangeiro 114,5 5,0 8 HSBC Privado com Controle Estrangeiro 96,5 4,2 TOTAL 101 instituições – 2.281,7 75,7 Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos do site do Banco Central do Brasil. A amostra é representativa, uma vez que as instituições seleciona- das possuem 75,7% do total de ativos detidos pelas 101 instituições existentes, classificadas pelo Banco Central como Consolidado Ban- cário I. 1 Além disso, são grandes bancos varejistas, que se destacam por seu tamanho, em termos de ativos, crédito, depósitos, redes de agências e quantidade de clientes. Este trabalho foi organizado da seguinte maneira. O primeiro item do capítulo 1 trata do processo de consolidação bancária, que se iniciou na década de 1970, em vários países. No segundo e ter- 1 Conglomerados em cuja composição se verifica pelo menos uma instituição do tipo Banco Comercial ou Banco Múltiplo com Carteira Comercial, e as instituições financeiras do tipo Banco Comercial, Banco Múltiplo com Carteira Comercial ou Caixa Econômica que não integrem conglomerado. 10 PATRÍCIA OLGA CAMARGO ceiro itens foi desenvolvida uma breve discussão sobre eficiência e concorrência bancária. No quarto item, foi traçada a evolução do sistema financeiro brasileiro. O quinto item faz uma análise da reestruturação bancária ocorrida no Brasil na década de 1990, des- tacando suas principais causas, características e consequências. No sexto item, buscou-se caracterizar o sistema financeiro do país após a entrada dos bancos estrangeiros. No sétimo item, é desenvolvida uma caracterização atual do sistema fi nanceiro nacional, abordando aspectos de sua estrutura e regulamentação. No capítulo 2, foram destacadas as características e tendências recentes do setor bancário, a partir da análise individual das oito instituições. Por fim, os Anexos demonstram os resultados obtidos com as análises individuais dos bancos selecionados. 1 E VOLULjO DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL E AS ESPECIFICIDADES DO BRASIL O processo de internacionalização, desregulamentação e liberalização bancária iniciado nos anos 1970 Até os anos 1970, o setor financeiro era extremamente regulado em todas as economias de mercado. Esse sistema de regulação e supervisão, implantado nos anos 1930, após, portanto, vários dos efeitos da crise de 1929, visava prevenir a ocorrência de crises sistêmicas, diminuindo, assim, o risco de colapso dos sistemas de pagamentos baseados no uso de depósitos à vista. Apesar de alguns episódios de instabilidade, a existência de tal aparato de supervisão financeira garantiu a aderência a essas regras, bem como a estabilidade do sistema financeiro por, no mínimo, cinco décadas. Entretanto, esse mesmo aparato foi responsá- vel por manter os sistemas financeiros essencialmente estagnados. No caso do setor bancário, sujeito a regulação e supervisão mais rígidas devido ao temor de riscos sistêmicos, foram atenuados os incentivos às inovações financeiras e à concorrência – via preços ou via outro instru- mento que aumentasse a contestabilidade dos mercados bancários, es- timulando a adoção de comportamentos inovadores (Carvalho, 2007). A partir da década de 70, iniciou-se, em vários países do mun- do, um processo de liberalização e desregulamentação do setor de 12 PATRÍCIA OLGA CAMARGO serviços financeiros. Gradualmente, foram sendo eliminadas as restrições sobre operações financeiras, estabelecidas após a crise de 1929 e durante o regime de Bretton Woods. A presença do Estado é diminuída e surgem inovações tecnológicas e financeiras, como a securitização, os derivativos e as operações fora do balanço. Essas mudanças alteram a forma de atuação desse setor, principiando um acentuado processo de consolidação do setor de serviços financeiros, por meio de fusões e aquisições – envolvendo empresas bancárias de um mesmo país e também de países diferentes (Tabela 1.2). Em um primeiro momento, observam-se grupos financeiros maiores incorporando instituições de menor porte, especialmente aquelas atuantes no mesmo mercado (local e setorial). Entretanto, a partir da segunda metade dos anos 90, o processo de fusões e aquisições começou a acontecer entre grandes instituições, envolvendo volume significativo de recursos. Iniciou-se, dessa forma, um processo de concentração bancária em vários países, o que impôs desafios para as instituições regulado- ras, como, por exemplo, o de proteger os pequenos demandantes de serviços financeiros. Muitos países, no entanto, não foram capazes de fornecer as condições necessárias para o pleno aproveitamento dos ganhos originados de economias de escala, escopo e financeiras, resultantes dos menores custos de captação de recursos. Como conse- quência, inicia-se um processo de internacionalização das instituições bancárias e de desnacionalização de sistemas financeiros nacionais, principalmente no caso de países em desenvolvimento. O processo de internacionalização das instituições financeiras de cada país também é considerado, tradicionalmente, como acompa- nhando a transnacionalização das empresas do setor produtivo desses mesmos países e a expansão do comércio internacional, intensificadas a partir de 1980. Esses processos levaram a uma expansão da de- manda por serviços financeiros na esfera internacional (Strachman e Vasconcelos, 2001). Primeiramente, as instituições financeiras ofereciam serviços financeiros aos residentes de outros países, no seu próprio país de origem, por meio de uma moderna tecnologia de comunicações. Em A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO BRASIL 13 Tabela 1.2 – Fusões e aquisições no setor bancário (1991-1998) Número de Transações 1 Valor das Transações 2 Percentual (US$ bilhões) de Todos os Setores 3 1991-1992 1993-1994 1995-1996 1997-1998 1991-1992 1993-1994 1995-1996 1997-1998 1991-1992 1993-1994 1995-1996 1997-1998 Estados Unidos 1.354 1.477 1.803 1.052 56,8 55,3 114,9 362,4 10,7 9 10,6 18,2 Japão 22 8 14 28 0 2,2 34 1,1 0,3 18,8 21,6 4,1 Área do Euro 4 495 350 241 203 17,5 14,6 19,1 100,4 8,3 9,3 11,2 27,1 Bélgica 22 18 20 21 1 0,8 0,5 32,5 14,1 7 4,9 34,8 Finlândia 51 16 7 7 0,9 1 1,2 4,3 22,3 21,7 7,4 77,5 França 133 71 50 36 2,4 0,5 6,5 4 4,3 1 9,8 4,1 Alemanha 71 83 36 45 3,5 1,9 1 23,2 6,5 7,6 3,7 45,5 Itália 122 105 93 55 5,3 6,1 5,3 30,1 15,6 17,7 24,9 63,3 Holanda 20 13 8 9 0,1 0,1 2,2 0,4 0,2 0,5 17,5 0,8 Espanha 76 44 27 30 4,3 4,5 2,3 5,9 13,5 21,5 14,1 26,6 Noruega 23 24 9 5 0,1 0,2 1 1,5 1,2 5,7 8 20 Suécia 38 23 8 8 1,1 0,4 0,1 2,1 3,8 2 0,3 7,1 Suíça 47 59 28 22 0,4 3,9 1 24,3 9,5 43,4 2,4 78,3 Reino Unido 71 40 25 17 7,5 3,3 22,6 11 6,5 3,4 10,4 4 Austrália 19 20 18 14 0,9 1,5 7,3 2,3 3,6 5,7 14,3 4,9 Canadá 29 31 16 11 0,5 1,8 0,1 29,1 1,9 4,1 1,6 34,4 Total dos Bancos 2.098 2.032 2.162 1.360 84,7 83,2 200,8 534,2 11,7 8,5 11 18,9 Total das Inst. Fin. Não Banc. 2.723 3.267 3.973 5.156 63,7 1.22,2 89,9 .. 8,8 12,5 10,4 19,4 1) Por setor alvo. 3) Participação do setor bancário no valor de F&A do total de setores. 2) Transações efetuadas e pendentes, por valor anunciado. 4) Excluindo Áustria, Irlanda, Luxemburgo e Portugal. Fonte: Securities Data Company. Extraído de Strachman e Vasconcelos (2001). 14 PATRÍCIA OLGA CAMARGO um segundo momento, passou a ser vantajoso o estabelecimento de contato direto com os clientes, criando-se incentivos para que os bancos estabelecessem filiais, ao menos nas praças com maior concentração de clientes. Além disso, havia uma pressão das instituições financeiras mul- tilaterais e de algumas instituições governamentais para que os governos nacionais aceitassem a presença de bancos estrangeiros. O argumento era que a entrada de bancos estrangeiros poderia aumentar a eficiência operacional do sistema financeiro doméstico e torná-lo mais sólido, podendo contribuir, adicionalmente, para tornar o mercado financeiro doméstico mais estável e para a estabi- lidade do balanço de pagamentos. Essa estabilidade seria resultado da possibilidade de os bancos contarem com ajuda financeira de seus países de origem em momentos de dificuldade causada pela contração da liquidez internacional, auxiliando, dessa forma, os países onde essas filiais estivessem instaladas. Além disso, haveria um acirra- mento da concorrência que traria benefícios aos clientes (Carvalho, 2002). As crises de balanço de pagamentos dos países emergentes, no fi- nal dos anos 90, forneceram argumentos para que o FMI aumentasse a pressão sobre os governos nacionais, a fim de que estes aceitassem a presença dos bancos estrangeiros. A reestruturação e a moderni- zação dos sistemas bancários domésticos passaram a ser vistas como necessárias, e estas passavam pela abertura de mercados aos bancos estrangeiros. A maioria dos países emergentes, principalmente da América Latina e da Europa, aceitou essa visão e, durante a década de 90, as limitações legais e regulatórias foram sendo gradativamente relaxadas ou eliminadas. Dessa forma, alguns bancos conseguiram expandir suas atuações, atingindo novos tipos de clientes e aumentando sua escala de operações, por meio do aumento da participação de mercado em outros países. É importante salientar que, devido à crise financeira mexicana e à entrada de bancos estrangeiros na região, o processo de consolidação bancária foi mais intenso nos países da América Latina do que em outros países emergentes (Carvalho, 2002). A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO BRASIL 15 Strachman e Vasconcelos (2001) apontam algumas razões que podem levar os países, principalmente os mais atrasados, a permitir e incentivar a entrada de bancos estrangeiros no mercado nacional. Primeiramente, os bancos estrangeiros ampliariam a diversidade e qualidade dos produtos financeiros disponíveis no mercado, de- senvolvendo habilidades e tecnologias para o sistema financeiro, já que os bancos nacionais seriam incentivados pela concorrência a se aprimorar. Além disso, os bancos estrangeiros incentivariam a ado- ção, pelas autoridades governamentais, de um sistema de regulação e supervisão bancária mais sofisticado. A presença dos bancos estran- geiros tenderia, ainda, a ampliar o acesso do país aos fluxos de capital internacionais, podendo tornar a oferta de crédito menos sensível às oscilações dos ciclos macroeconômicos domésticos. Consequente- mente, os empréstimos bancários adicionais disponíveis poderiam amenizar a contração de crédito ocorrida nas fases de depressão. Por último, um setor financeiro mais dinâmico e eficiente contribuiria para o crescimento econômico. Contudo, estes mesmos autores (Strachman e Vasconcelos, 2001) sublinham algumas potenciais desvantagens dessa mesma entrada de bancos estrangeiros, sobretudo nos países menos adiantados economicamente. Liberalizações financeiras aceleradas poderiam estimular movimentos disruptivos nos mercados financeiros. Um indício dessa possibilidade é o fato de que várias crises financeiras e bancárias, ocorridas durante a década de 90, foram precedidas de liberação financeira. Além disso, em países menos desenvolvidos, existe a possibilidade de que a entrada de instituições estrangeiras provoque concentração e desnacionalização bancárias, como ocorreu em países como Argentina, Chile e México. Dessa forma, devem ser considerados, por exemplo, os impactos negativos da concentração bancária sobre os pequenos investidores e tomadores de crédito, bem como da desnacionalização bancária sobre os balanços de serviços e de capitais. Strachman e Vasconcelos (2001) mencionam, ainda, que as insti- tuições financeiras que atuam em diferentes países simultaneamente concentram-se em atender, principalmente, os grandes clientes. Uma 16 PATRÍCIA OLGA CAMARGO das consequências desse comportamento é a possibilidade de redução dos canais de crédito para pequenas empresas. Outra questão que deve ser considerada é o impacto sobre o canal de transmissão da política monetária, uma vez que as instituições estrangeiras teriam maior acesso ao mercado de crédito internacional. Os autores tam- bém apontam para o fato de que o ingresso de instituições bancárias estrangeiras pode tornar os países em desenvolvimento mais frágeis diante de choques externos, já que os canais para fuga de capitais são mais amplos. Com relação aos fatores de repulsão que impulsionaram a interna- cionalização bancária, Rocha (2002) destaca a saturação dos merca- dos dos países desenvolvidos; a mudança ocorrida na estrutura ban- cária internacional, que passou a exigir atuação global dos grandes bancos e amplos canais de distribuição; e a busca de diversificação de aplicações, por meio da diminuição dos riscos e da ampliação das fontes – inclusive geográficas – de retorno sobre os ativos bancários. A diversificação permitiria, ainda, economias de custo, por meio dos ganhos de eficiência operacional, com melhor aproveitamento das economias de escopo e de escala. A explicação de que os bancos se internacionalizam para preservar os clientes domésticos, ofertando, no exterior, os mesmos serviços bancários disponíveis no país de origem ( follow the customer ), é a mais citada pela literatura; entre- tanto, o autor considera que a expectativa de obtenção de maiores taxas de retorno no exterior é o fator básico de expansão dos bancos estrangeiros para fora dos seus países de origem. Rocha (2002) cita ainda, como outro fator de repulsão, a regu- lamentação doméstica sobre o setor, dado que controles sobre as atividades empresariais e critérios prudenciais muito rígidos incen- tivariam a criação de subsidiárias em outros países, além de tornar o mercado doméstico menos atraente para os bancos estrangeiros. Atualmente, entretanto, analisando o ocorrido na Europa, esse motivo pode funcionar de forma contrária, uma vez que o excesso de competição causado pela desregulamentação pode diminuir a lucratividade dos bancos. O autor também cita a arbitragem entre diferentes taxas de juros entre os países de origem e de destino como A EVOLUÇÃO RECENTE DO SETOR BANCÁRIO NO BRASIL 17 um fator de internacionalização bancária, uma vez que possibilita um maior resultado da intermediação financeira. Outras causas que podem ser apontadas são a reação de um banco à expansão interna- cional de um concorrente e a reação defensiva, relacionada com a manutenção do poder de mercado. Portanto, a decisão de internacionalização depende de vários fatores, tornando-se necessário analisar cada caso específico. No caso brasileiro, todos os eventos recentes de ingresso de bancos estran- geiros envolveram bancos de origem europeia e o principal fator de expansão foi a perspectiva de concorrência estrangeira nos mercados domésticos, já maduros e saturados. Cabe salientar, entretanto, que os processos de consolidação dos países desenvolvidos (Estados Unidos, União Europeia e Japão) e dos países em desenvolvimento (Ásia, América Latina e Europa Oriental) são distintos. Nos primeiros, a consolidação bancária teve como objetivo principal o aumento da eficiência ou do poder de mercado, enquanto nos segundos representou, sobretudo, uma maneira de resolver crises financeiras. Assim, nos países desen- volvidos, observa-se que a consolidação resultou em economias de escala, de escopo e de rendas e em um melhor posicionamento dos bancos nacionais no mercado doméstico (De Paula e Marques, 2006). Além disso, nos países em desenvolvimento as fusões e aquisições se deram, principalmente, entre fronteiras, ou seja, entre instituições de diferentes países, o que não ocorreu nos países desenvolvidos. Essa distinção se deve, em parte, ao fato de que, nos países desenvolvidos, a consolidação bancária representou uma resposta à desregulamen- tação e à maior competição nos mercados internos. Nos mercados em desenvolvimento, por sua vez, foram frequentes os processos de fusão e aquisição com instituições estrangeiras, pois esse processo era entendido como um meio de estimular os canais de entrada de fluxos de capitais, fortalecendo o mercado financeiro doméstico. Por último, na maioria dos países em desenvolvimento a consolidação foi dirigida pelo governo, ao passo que em mercados maduros a consolidação foi dirigida, sobretudo, pelo mercado. 18 PATRÍCIA OLGA CAMARGO Freitas e Prates (2003) destacam, ainda, que a pressão para a liberalização dos sistemas financeiros domésticos e para adesão ao princípio da livre mobilidade dos capitais teve origem distinta nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países desenvol- vidos, essa pressão partiu da dinâmica concorrencial das instituições fi nanceiras (como nos Estados Unidos) e/ou da ação favorável dos governos (como no caso da França e do Japão). No caso dos países em desenvolvimento, a pressão partiu dos organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. No entanto, mesmo entre os países em desenvolvimento, existem distinções. Na Ásia, as consolidações se iniciaram após as crises fi nanceiras de 1997-98, tendo sido comandadas pelo governo, com exceção de Hong Kong e Cingapura, que não foram tão afetados pela crise, passando por um tipo de consolidação mista. O processo também não gerou aumento na concentração bancária (pelo contrá- rio), embora o número de instituições bancárias tenha diminuído nos principais países emergentes da Ásia (De Paula e Marques, 2006). Na América Latina, por sua vez, o processo de consolidação foi mais avançado, devido à ocorrência de crises financeiras e à entrada de bancos estrangeiros. Dessa forma, após a crise de 1994-95, os governos de países como Argentina, Brasil, Chile e México partici- param ativamente no processo de consolidação bancária. Entretan- to, no final da década de 1990, esse processo passou a ser dirigido, principalmente, pelas forças de mercado. Ao contrário do ocorrido nos demais países em desenvolvimento, a redução no número de instituições nos países da América Latina foi acompanhada, em geral, de uma acentuada concentração bancária. As consequências desse intenso processo de concentração, que vem sendo observado em nível mundial, são variadas. Primeira- mente, observa-se a compressão das margens ( spreads ), a maior volatilidade das taxas de juros e o aumento da liberdade de atuação em novos mercados. A redução dos spreads , entretanto, não ocorreu nos países em desenvolvimento, ou porque a liberalização do setor não foi tão intensa como nos países desenvolvidos ou porque essa liberalização não foi acompanhada de medidas que incentivassem